Peso das exportações na economia recua para níveis só vistos no tempo da troika
Vendas ao exterior desceram abaixo dos 40% do PIB em 2020. Pandemia travou crescimento e retoma ainda vai demorar.
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É como se o país recuasse dez anos até à anterior crise. O peso das exportações nacionais no produto interno bruto (PIB) caiu para 36,8% em 2020, num ano em que a atividade também teve a maior recessão da democracia, com uma contração homóloga de 7,6%.
A pandemia retirou mais de 19 mil milhões de euros às vendas ao exterior face a 2019, quando as exportações valeram 43,8% do PIB, o valor mais elevado das atuais séries do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Banco de Portugal (BdP). A expectativa era que o país caminhasse a passos largos para que as exportações representassem cerca de metade do PIB. Essa meta foi agora adiada.
O ano passado representa assim uma quebra no crescimento sustentado do peso das exportações no PIB desde 2013 (à exceção de 2016, quando se verificou uma ligeira queda). Desde esse ano, ainda com a troika, que as vendas estiveram sempre acima de 40% do PIB.
Em 2020, as exportações registaram uma quebra superior a 20%, de acordo com a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), citando dados do supervisor. "Segundo o Banco de Portugal, em 2020 as exportações de bens e serviços contraíram 20,4% (-10,2% no caso dos bens)", refere a AICEP, acrescentando que "a queda reflete, sobretudo, uma descida muito acentuada nos serviços associados ao turismo (-57,6%)" que, segundo o BdP, nem em 2023 recupera para os níveis pré-pandemia. "No final do horizonte de projeção [2023], as exportações de turismo encontram-se ainda ligeiramente abaixo das de 2019", avisou o supervisor.
Maiores exportadoras
A expectativa é que as exportações, a par do consumo interno, puxem pela economia já este ano, com o BdP a apontar para um crescimento de 13,7%, mais otimista que o Governo que prevê uma variação de 8,7%. No entanto, o contributo do turismo poderá ainda ser muito inferior a 2019.
A pandemia afetou todos os setores e mesmo os gigantes exportadores não ficaram imunes à crise sanitária. As dez maiores exportadoras nacionais tiveram o pior registo em dez anos.
De acordo com os dados fornecidos pelo INE ao JN/Dinheiro Vivo, no ano passado, o peso destas empresas nas exportações foi de 18,4%, depois de ter atingido o pico em 2019 (22%) é o valor mais baixo desde 2011, ano a que remonta a atual série estatística.
A Autoeuropa manteve-se como a maior exportadora nacional, apesar da forte quebra de produção causada pela covid-19. A fábrica da Volkswagen em Palmela manteve a liderança depois de ter recuperado esse lugar à Petrogal, do Grupo Galp, que esteve em primeiro lugar entre 2009 e 2018.
A lista das maiores exportadoras registou apenas uma alteração no final da tabela com a saída da Repsol Polímeros, para dar lugar à Aptiveport (antiga Delphi) de produção de eletrónica para automóveis. Pela primeira vez no ranking das maiores exportadoras está a Eberspacher Exhaust Technology, de Tondela.
Cinco maiores exportadoras
Autoeuropa
Continua a ser o maior investimento estrangeiro em Portugal, 30 anos depois. Em 2020, teve um impacto de 4,7% nas exportações e 1,4% no PIB. Empregava 5282 trabalhadores e exportou 99,4% da produção.
Petrogal
A Petrogal, do grupo Galp, perdeu em 2019 a liderança das dez maiores exportadoras para a Autoeuropa. Exporta 35% da produção. As duas refinarias (Sines e Matosinhos) empregam 900 pessoas.
The Navigator Company
A The Navigator Company vende 95% da produção para mais de 120 países nos cinco continentes. O volume de exportações é de 1,2 mil milhões de euros, correspondendo a 3% das vendas de bens ao exterior.
Bosch
A Bosch está em Braga, Ovar, Aveiro e Lisboa nas áreas do setor automóvel, segurança e soluções de água quente. De acordo com os dados de 2019, emprega 6360 pessoas e exporta 95% da produção.
Continental
A fábrica da Continental em Lousado comemorou em 2020 três décadas em Portugal. Emprega atualmente mais de 2300 trabalhadores. Cerca de 98% da produção da fábrica segue para exportação.
Principais setores
As vendas ao exterior mantêm-se ainda no vermelho para quase todos os setores tradicionais, com exceção do vinho que, mesmo em pandemia, continua a crescer.
metalurgia
Campeã quer crescer 10%
Nem a campeã das exportações foi poupada em 2020. A metalurgia e metalomecânica exportou 3194 milhões de euros nos primeiros dois meses do ano, menos 2,3% do que no período homólogo. As exportações para mercados fora da UE tiveram um aumento de 3%, com destaque para o Japão, Austrália, China, Marrocos, África do Sul e Turquia, mas a verdade é que os mercados europeus representam 77,4% das exportações totais. Alemanha, França, Reino Unido e Itália são os principais destinos.
"Uma diferença de 2,3% neste contexto muito difícil - de absentismo, de dificuldades na obtenção de transportes marítimos e de aquisição de alguns componentes -, que compara com dois meses pré-pandemia, é uma excelente notícia", diz o vice-presidente da AIMMAP, associação do setor. Rafael Campos Pereira acrescenta que estes números "vêm reforçar a nossa convicção de que, se não formos muito afetados por surpresas, poderemos fechar o ano a crescer 10%".
calçado
Sapatos com menos 57,2 milhões de euros
As exportações de calçado caíram 18% no acumulado de janeiro e fevereiro, para cerca de 261 milhões de euros. São 57,2 milhões a menos do que no período homólogo, meses que haviam sido de crescimento no setor, indiciando o que se esperava fosse um ano de crescimento. Não foi, mas com o consumo de calçado a cair 27% na Europa, também não admira. "Sentimos que 2021 vai ser, de novo, muito exigente. Aliás, as estimativas apontam para uma ligeira recuperação do consumo mundial de calçado (2,8%), mas apenas atingiremos os valores pré-pandemia em 2023. Os dois próximos anos serão um verdadeiro teste à resiliência das empresas. Para este ano, a partir do 2.º semestre, acreditamos que possa voltar a ser possível alguma recuperação, ainda que ligeira", diz Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da APICCAPS, associação do setor.
têxtil
Vestuário cai 12% e penaliza o setor
Também o têxtil e vestuário se mantém ainda no vermelho, com uma quebra de 7,7% no acumulado de janeiro e fevereiro, para 823 milhões de euros. Números muito penalizados pela performance do vestuário, cujas vendas ao exterior caíram 11,8%, ficando-se pelos 473 milhões. São menos 63 milhões do que no período homólogo. "A situação ainda está difícil, os clientes começam agora a abrir e a vender alguma coisa, mas continuam com stocks muito elevados", diz César Araújo, da ANIVEC, associação do vestuário.
Já os têxteis-lar e outros artigos têxteis confecionados, categoria que inclui os produtos de proteção da covid, como as máscaras têxteis, cresceram 4,8% para 127 milhões de euros. "O setor está a duas velocidades. No curto prazo, a situação vai continuar mal, mas temos a expectativa que, no segundo semestre, os números possam já ser positivos", diz por seu turno Mário Jorge Machado, da ATP. Tudo dependerá do sucessos da vacinação, reconhecem os dois responsáveis, que sublinham: "Tudo o que menos se quer é que, em outubro, tudo volte a piorar, como aconteceu no ano passado".
cortiça
Exportações perdem terreno
As exportações portuguesas de cortiça cresceram 50% nos últimos 10 anos, chegando a quase 1064 milhões em 2019. A pandemia levou a uma quebra de 4,75%, gerando uma perda de quase 50 milhões, mas a indústria mantém a meta de chegar aos 1500 milhões de exportações até 2030.
Para já, o arranque de 2021 não está a ajudar: as exportações de cortiça caíram 1,23% no acumulado de janeiro e fevereiro para pouco mais de 165 mil euros. "Um setor que exporta mais de 95% da sua produção para mais de 130 países, não poderia ficar alheio ao impacto da pandemia. Este é o momento de reforçar o nosso espírito empreendedor e criativo, continuar o percurso de inovação e desenvolvimento, numa fileira que responde, de forma ímpar, àqueles que são os modelos de desenvolvimento do futuro: a sustentabilidade e a economia circular", defende João Rui Ferreira, presidente da APCOR, associação do setor.
vinho
Em alta, setor cresce 2,96%
O vinho parece ser o mais resiliente à pandemia. Cresceu 3,2% em 2020, atingindo novo recorde de vendas ao exterior, nos 846 milhões de euros, mais 27 milhões do que em 2019. E os primeiros dois meses de 2021 confirmam a tendência: as exportações aumentaram 2,96% para 121 milhões de euros. Destaque para o crescimento de 36,64% do Brasil, de 12,09% da Alemanha e de 7,86% do Canadá. Em sentido contrário, os EUA caíram 14,72% e França perdeu 3,93%.
"Vamos prosseguir o caminho da diversificação de mercados, com a convicção de que a trajetória de crescimento das exportações terá de continuar com uma postura competitiva no mercado, apostando em saber vender bem, em valorizar a qualidade do nosso produto de modo a conseguirmos aumentar o preço médio", afirma Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal.