Entre o défice de 0,9% do PIB para este ano que foi aprovado no Parlamento e o excedente de 0,9% estimado agora pelo Conselho de Finanças Públicas vai um desvio positivo impressionante, que rondará os 4,5 mil milhões de euros ou mais.
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O crescimento da economia portuguesa bastante acima do esperado este ano - sobretudo no início de 2023 e ainda muito propulsionado pela inflação, que alimentou de sobremaneira a receita fiscal e contributiva - deve permitir ao governo alcançar um excedente orçamental histórico, mostra um novo estudo do Conselho das Finanças Públicas (CFP).
A nova marca orçamental equivalerá a 0,9% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, fica bem acima da meta inscrita no Orçamento do Estado aprovado para 2023 (OE2023), que apontava para um défice de 0,9% do PIB em contas nacionais, revelou o Conselho presidido por Nazaré Costa Cabral, esta quinta-feira, dia 21, num estudo sobre as perspetivas orçamentais até 2027.
A folga (termo que o ministro das Finanças, Fernando Medina, rejeita utilizar) na execução deste ano rondará assim uns impressionantes 1,8% do PIB face ao orçamentado e mais 1,4% a 1,5% face ao valor entretanto revisto para a meta do OE2023 no Programa de Estabilidade, em abril (Medina baixou a meta do défice para 0,4% nessa altura).
O desvio positivo nas contas face ao orçamentado, assumindo a estimativa do PIB nominal deste ano subjacente ao OE2023, ascende a cerca de 4,5 mil milhões de euros, segundo cálculos do Dinheiro Vivo (DV) e permite ao governo PS trazer novamente as contas públicas para o campo dos saldos positivos, depois de ter terminado 2022 com um défice de apenas 0,4%, também ele fruto da conjuntura inflacionista, apesar da grave crise que se instalou.
Mas como o PIB nominal foi revisto em alta (devido à inflação muito alta que insuflou as receitas públicas), o referido desvio pode até ser superior.
"Considerando a evolução provável das variáveis orçamentais, na hipótese de manutenção das políticas em vigor, a atualização do cenário orçamental de médio prazo aponta para que se atinja já em 2023 um excedente orçamental de 0,9% do PIB, mais de dois terços dos quais explicados pela conjuntura económica favorável", explica agora o CFP.
"Trata-se de uma revisão em alta do saldo orçamental projetado para este ano em 1,4 pontos percentuais (p.p.) do PIB, explicada sobretudo pelo contributo da receita fiscal e contributiva (1,2 p.p. do PIB)", refere a entidade "independente" que avalia a política orçamental do governo.
"Dois terços" da evolução "favorável" no saldo orçamental devem-se a fatores fora do alcance direto do governo e do Ministério das Finanças, o mesmo que dizer, são o reflexo de um crescimento económico que deve ficar claramente acima do valor que o governo decidiu inscrever no OE2023 original.
No final de 2022, a tutela de Medina dizia contar com um crescimento económico real este ano na ordem de 1,3%. Segundo o CFP, a expansão da economia, mesmo em crise inflacionista e com subida de juros, deverá ficar em 2,2%.
A inflação foi determinante para empolar a receita. No OE original, Medina assumiu uma subida média de 4% nos preços do consumidor (harmonizados). No novo cenário, o Conselho das Finança estima que a inflação deste ano ronde antes os 5,2%.
"Na ausência de novas medidas de política, a estimativa do CFP aponta para que o saldo orçamental atinja um excedente de 0,9% do PIB este ano, explicado em grande medida pelo maior contributo da receita de impostos e de contribuições sociais", diz o CFP.
"Nos anos seguintes, projeta-se a uma redução gradual do excedente orçamental para 0,3% do PIB em 2027, refletindo o menor contributo da conjuntura (redução da componente cíclica do saldo orçamental) e o maior peso dos encargos com juros".
No ano que vem, ainda sem ter na sua posse o elenco das novas medidas do OE2024, o CFP considera que, se as medidas hoje em vigor se estendessem por 2024, o excedente manter-se-ia em linha com o deste ano, nos 0,8% do PIB, e a economia a crescer 1,6%, diz o Conselho.
O rácio da dívida pública deverá ficar em 104,7% do PIB no final deste ano e depois "diminuir 25 p.p. ao longo do horizonte projetado, atingindo 89,4% do PIB em 2027", projeta o CFP num cenário de políticas invariantes, claro.
Mas os tempos são de subida nos juros e alta incerteza do impacto desta e da inflação na vida das pessoas, das empresas e dos Estados, sobretudo os mais endividados.
Sempre os riscos e as incertezas
Nesse sentido, o CFP adverte que "o presente cenário macroeconómico encontra-se pautado por um enquadramento de elevada incerteza, com os riscos a penderem, maioritariamente, de forma ascendente sobre a evolução dos preços e de forma descendente sobre a atividade económica".
"Deste modo, o enraizamento da inflação subjacente em valores elevados, a desancoragem das expectativas de inflação de médio-prazo e o eventual recrudescimento do preço das matérias-primas energéticas poderão conduzir a uma taxa de inflação superior e mais persistente do que a atualmente projetada pelo CFP."
Assim, "a manutenção ou mesmo intensificação do grau de restrição da política monetária poderá penalizar quer a atividade económica nacional, quer a procura externa", avisa a mesma entidade.
Para o cenário orçamental, "o principal risco encontra-se associado a esta elevada incerteza quanto às projeções macroeconómicas". "Caso estas se venham a revelar menos favoráveis, tal situação levará, por efeito dos estabilizadores automáticos, a um desvio desfavorável da trajetória projetada para o saldo das Administrações Públicas."
Adicionalmente, existem "riscos num sentido menos favorável do que o projetado no cenário orçamental".
São quatro grandes riscos, diz o CFP: "(i) o nível das responsabilidades contingentes existentes, onde se incluem, nomeadamente, processos judiciais em curso; (ii) pressões orçamentais quanto a prestações sociais e despesa pública com saúde, num contexto de envelhecimento estrutural da população portuguesa; (iii) impacto de eventos climáticos extremos e necessidade de medidas de mitigação e adaptação às alterações climáticas. Em sentido oposto, ou seja, que podem implicar uma trajetória mais favorável face ao antecipado, identificam-se: (i) uma maior elasticidade da receita fiscal e contributiva; (ii) um aumento mais moderado das prestações sociais e (iii) uma menor execução de investimento público financiado nacionalmente".
"Tratando-se de um exercício de projeção na hipótese de políticas invariantes, que não pode em circunstância alguma ser interpretado como se de uma previsão se tratasse, acresce o risco de adoção de novas medidas de política económica ou de prolongamento de medidas que foram anunciadas como sendo delimitadas no tempo. Se tal vier a ocorrer terá implicações na evolução das variáveis orçamentais e eventualmente no próprio cenário macroeconómico", defende o Conselho.