Francisco Ferreira, da Zero, João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente, e Pedro Amaral Jorge, da APREN, dizem que crise energética não trava a descarbonização.
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A guerra na Ucrânia e o boicote europeu aos combustíveis russos deverão acelerar o recurso a fontes renováveis de energia, promete o Governo, que rejeita a opção nuclear. Uma central deste tipo pode ser "facilmente tornada num alvo de consequências imprevisíveis", justifica ao JN o ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes.
A sair da pandemia que afetou a economia mundial, cuja recuperação acelerada fez aumentar em 18% o uso de carvão na União Europeia (UE), em 2021, ou retardamos a descarbonização prometida até 2050, ou aceleramos os compromissos assumidos na "Cimeira do Clima" (COP26) de novembro, representativos de 80% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE).
O influente jornal britânico "Financial Times" escrevia que os governos europeus poderão reprogramar as metas. Mas Matos Fernandes contrapõe que Portugal vai antecipar as suas. Os presidentes da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), Pedro Amaral Jorge, e da organização ambientalista Zero, Francisco Ferreira, também inquiridos pelo JN, querem medidas mais rápidas.
Metas
Compromissos estão em risco?
Para Pedro Amaral Jorge, a crise "levar-nos-á mais rapidamente aos níveis de descarbonização pretendidos", traduzindo-se na redução das emissões em 55% até 2030, em relação a 1990. "A independência energética europeia e a segurança de abastecimento requerem um aumento da incorporação de energias renováveis na produção de eletricidade, de hidrogénio verde e de combustíveis sintéticos que contribuem de forma determinante para alcançar as metas", afirma.
Ou a Europa "aposta efetivamente na eficiência energética e nas renováveis para reduzir a sua dependência, quer do petróleo, quer do gás russos, e acelerar a transição", ou "volta atrás e investe em terminais de gás, para o receber de outros países, e retoma o carvão", diz Francisco Ferreira.
Desafios
Como garantir a independência?
Para o ministro, a situação no Leste tornou "patente a dependência europeia das fontes de energia fósseis do regime de Putin", sendo "necessário diversificar as fontes e, ainda mais importante, acelerar a transição energética". "O modelo assente na eletrificação (sempre que possível), na produção a partir de fontes renováveis e na produção de gases renováveis, mormente de hidrogénio verde, garante maior sustentabilidade, menos emissões, preços mais baixos e estáveis e, adicionalmente, independência energética", sustenta.
O presidente da APREN propõe a "antecipação acentuada", até com maior incorporação de renovável no consumo energético do que o previsto, como " única forma" de assegurar abastecimento independente e evitar os aumentos dos preços.
O líder da Zero defende "um plano de recuperação e resiliência extra, como se fez um PRR em resposta à pandemia", e mais exigências de investimento na reabilitação dos edifícios, mobilidade elétrica, incentivos ao transporte coletivo e metas de energias renováveis.
Alternativas
É possível acelerar a via renovável?
No país, "o caminho de aceleração das fontes renováveis está a ser feito", diz Matos Fernandes: "60% da eletricidade é renovável; estão aprovados ou em análise 54 projetos de produção de gases renováveis (investimento de 442 milhões de euros); estão em curso projetos que permitirão atingir mais cedo a meta de produção de nove gigawatts de energia solar. E está em curso o leilão de energia solar nas superfícies das albufeiras (12 concorrentes) e o lançamento, previsto para 2022, de um leilão de produção de eletricidade a partir da energia eólica "offshore" (torres eólicas em águas profundas marítimas)".
Pedro Jorge nota que é preciso remover "os grandes obstáculos que impedem de acelerar o incremento das fontes renováveis para produção de eletricidade, hidrogénio verde e combustíveis sintéticos - a excessiva morosidade do processo de licenciamento e a pouca capacidade de receção de eletricidade na rede elétrica".
Francisco Ferreira considera "muito importante" o estabelecimento do preço da eletricidade "de forma a assegurar valores mais baixos e, ao mesmo tempo, garantirmos que os investimentos nas renováveis, com a devida precaução, sejam sustentáveis e não estejam a prejudicar a paisagem e a biodiversidade".
Problemas
A energia nuclear é uma opção?
"O Governo português considera inaceitável a inclusão da energia nuclear na taxonomia de investimentos sustentáveis europeus", diz o ministro. Nem "resolve nenhum problema de curto prazo, já que uma central demora, em média, mais de uma década a ser concebida, aprovada, construída e a entrar em funcionamento". Por outro lado, "como ilustra o caso da guerra na Ucrânia, é facilmente tornada num alvo de consequências imprevisíveis em caso de conflito militar".
"Se já tínhamos muitos riscos associados ao funcionamento das centrais nucleares, agora percebemos que temos um acrescido porque são pontos nevrálgicos de um conflito", nota o presidente da Zero.
O porta-voz da APREN salienta que a energia nuclear "é muito mais cara, tem muito maiores riscos de acidente em operação, problema da gestão dos resíduos nucleares, e concentra a produção, o que, num contexto de guerra ou ameaça de segurança apresenta muito menos resiliência, comparada com diversos centros eletroprodutores renováveis de diferentes tecnologias espalhados no território".