Rações, sementes, adubos, energia e combustível sobem a pique e já inflacionam o custo do pão, cereais, carne, legumes e leite.
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O aumento dos custos da produção agrícola e pecuária está a pressionar os preços ao consumidor. Os preços dos produtos agrícolas subiram, em janeiro, mais de 4% face a igual mês de 2021. Comparando com anos de seca recentes, a inflação é quase o dobro da registada em 2017/18 e quatro vezes maior do que em 2005/2006, como mostram os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Pão, cereais, carne, legumes e leite já estão mais caros. Os agricultores culpam a subida vertiginosa dos combustíveis, que fez disparar os custos com matérias-primas, eletricidade e transportes. A verdade é que os maiores efeitos da seca no bolso dos portugueses podem estar ainda para vir.
Nas terras de Manuel Silva, há culturas de verão em pleno inverno. Na vacaria de Rui Sousa, a falta de erva chega a custar mais 2500 euros por mês. No Baixo Alentejo, já se alimenta o gado com "reservas". No Algarve, a fruta pede, agora, mais água e, na serra da Estrela, já há quem venda ovelhas por não ter o que lhes dar para comer. No imediato, os produtores pedem ajudas, mas avisam: este cenário vai repetir-se e "atirar dinheiro para cima do problema não o resolve".
Cerca de 91% do país está em seca extrema ou severa e não há previsões de chuva capaz de invertê-la. Nas hortícolas, explica Manuel Silva, presidente da Horpozim-Associação Empresarial Hortícola, a rega com água de poços, puxada a motores, faz subir os custos de produção. Mudam-se culturas na tentativa de travar o aumento da despesa e evitar produtos com menor valor comercial. No leite e na carne, escasseiam as pastagens e as culturas de inverno mirraram. Menos pastos e forragens, mais ração, mais custos.
De Lisboa para o Sul, a seca é extrema. "Muitos produtores estão a usar as reservas de feno e de palha para alimentar o gado", explica Rui Garrido, presidente da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo. Nas barragens, excetuando o Alqueva, "a água está a ser bombeada do "fundo morto" e sai muito mais cara". As frutas já se ressentem: menos fruto, de pior qualidade, produzido com mais custos.
Levantamento dos prejuízos
No supermercado, os preços sobem. Pão e cereais, peixe, carne e hortícolas ficaram mais caros. Para já, a culpa, dizem os produtores, é, sobretudo, dos fatores de produção, mas, se não chover, os portugueses vão sentir ainda mais na carteira. A seca veio "somar crise à crise", considera Rui Sousa, da Leicar-Associação de Produtores de Leite e Carne. Os preços de rações, sementes, adubos e energia dispararam, inflacionados pela subida dos combustíveis. Com a seca, a situação piorou.
"Já vínhamos a perder rentabilidade. Depois, veio a pandemia, os problemas na exportação, o fecho de cantinas, restaurantes e hotéis. Agora, a seca, trouxe mais desânimo", complementa Manuel Silva. "Pode haver um aumento nos preços para o consumidor, mas não chega aos agricultores na proporção que deveria chegar", frisa Pedro Santos, da Confederação Nacional da Agricultura, defendendo que o Governo ponha em marcha o "levantamento dos prejuízos causados pela seca". Querem ajudas imediatas, mas exigem que se pense "a médio prazo".
"É preciso criar regadios coletivos. Estamos entre dois rios [Ave e Cávado]. Uma outra forma de acesso à água tem que ser algo estratégico para o país", argumenta Manuel Silva. No Baixo Alentejo, Rui Garrido aponta caminhos: o pastoreio dos pousios, a retoma da "eletricidade verde", ajudas diretas por animal e cultura perdida. Contudo, sem novo Governo, há que esperar. E "se não chover, a situação vai piorar e muito".
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Linha de crédito
O Governo está a preparar uma linha de crédito à tesouraria e apoios aos custos com a eletricidade ("eletricidade verde") para o setor agrícola e pecuário como forma de mitigar o impacto da seca, mas as novas medidas só serão implementadas quando o novo Executivo tomar posse.
Painéis solares
Este mês, foram reabertas as candidaturas para a aquisição e a instalação de painéis solares nas explorações agrícolas. O fundo tem uma dotação de 10 milhões de euros. O apoio aos produtores pode chegar aos 70% e prevê uma discriminação positiva para territórios vulneráveis.
À lupa
73% de subida no preço dos adubos entre setembro e dezembro. O custo dos alimentos para os animais cresceu 17%. A área semeada com cereais de inverno "atinge mínimos históricos", "previsivelmente, a menor dos últimos cem anos". Os dados são do Instituto Nacional de Estatística (INE).
15% de armazenamento em Monte da Rocha que é uma albufeira do rio Sado, em Ourique, destinada a abastecer a produção agrícola dos concelhos de Castro Verde e Almodôvar e parte dos de Aljustrel, Mértola e Ourique.