Profissionais de beleza no fio da navalha. Barbeiros e cabeleireiros obrigados a fechar
A pandemia chegou quase sem avisar e atingiu toda a gente. Salões de beleza, cabeleireiros, esteticistas e terapeutas pertencem ao grupo dos serviços considerados descartáveis, numa situação crítica como esta que o planeta atravessa, e tiveram de encerrar as portas.
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Esta é a história comum de Luís Marques e Patrícia Monteiro, do Hair Project, e de Maria Felgueiras e Hugo Neto, do gabinete HG. Peritos na arte da beleza, que, por estes dias, vivem com o coração nas mãos.
Luís Marques e Patrícia Monteiro, do Hair Project
Fomos esquecidos e já tivemos de pedir ajuda a familiares
Não há movimento, não se ouvem secadores, não há clientes no salão Hair Project, na Rua de Oliveira Monteiro, no Porto. Ainda antes de ser decretado o estado de emergência, os proprietários do estabelecimento, Luís Marques e Patrícia Monteiro, encerraram as portas.
"Fechámos no dia 14 de março, porque somos pessoas conscientes. Percebemos o que estava em causa e sentimos logo uma quebra de mais de 50% na agenda", explica Patrícia, enquanto desinfeta as mãos e nos convida a fazer o mesmo: "Nesta área, não há teletrabalho. Trabalhamos com as mãos, quase em cima do cliente".
Os prejuízos, para já, são incalculáveis e comprometem um projeto iniciado apenas há 10 meses. "Fomos esquecidos e já tivemos de pedir ajuda a familiares. Temos despesas fixas de quatro mil euros. Isto vai ser cinco mil vezes pior que a troika", desabafa Patrícia.
Luís Marques, postura firme e bigode inconfundível, abana a cabeça, em sinal de aprovação, e expressa o aperto que lhe vai na alma: "Este setor foi posto de lado e é impossível continuar assim. Só nos exigem impostos, seguros, extintores, declarações médicas de aptidão de trabalho e não nos ajudam em nada. As linhas de crédito são um estrangulamento". Agastado, Luís respira fundo e tenta seguir em frente: "Ninguém sabe quanto tempo esta situação vai durar e o Estado quer que asseguremos os postos de trabalho. Ainda por cima, não há um sindicato que nos represente e há pessoas a trabalhar sem a formação adequada".
Sem domicílios
Num cenário de pandemia, os salões de beleza são dos espaços considerados dispensáveis. "Há um contrassenso, porque não podemos ter a porta aberta, mas podemos fazer domicílios", aponta Luís, logo assistido por Patrícia: "Algo que não vamos fazer, porque vai contra as indicações da Direção-Geral da Saúde. Não é possível manter uma distância de segurança. "Mas há quem faça", alerta o cabeleireiro, natural da Madeira: "Gostava de ir a casa, mas as coisas lá também estão difíceis".
Maria Felgueiras e Hugo Neto, do gabinete HG
Com o negócio fechado quem nos vai pagar o ordenado?
Ela é esteticista e técnica de unhas de gel, ele é terapeuta de reabilitação. Maria Felgueiras e Hugo Neto formam um casal e dão o litro no gabinete de estética HG, na Prelada, no Porto. Por estarem ambos no mesmo ramo, o cenário torna-se ainda mais dramático com a atual pandemia.
"Com o negócio fechado quem nos paga o ordenado? É daqui que tiramos o nosso sustento. Os prejuízos são enormes e, neste momento, as despesas são a dobrar e continuam a aparecer, concretamente, a renda, luz, água e produtos", faz notar Maria Felgueiras, ou simplesmente Graça, como é conhecida pelos clientes.
"Dizem que a luz, água e outras entidades vão alargar prazos de pagamento, mas não é verdade. Passam a vida a enviar SMS e correspondência para pagar", afirma, irritada.
Hugo Neto agarra-se aos "chacras" e procura alternativas para a despesa fixa de dois mil euros mensais que o estabelecimento implica. "A única solução seria o chamado método de congelamento. Ou seja, cancelarem os pagamentos de rendas, energias, empréstimos, segurança social e IVA por um período de, pelo menos, três meses. Após o regresso das atividades, as empresas podiam pagar parcialmente as despesas relativas a esse ciclo. Muitas pessoas já ganham mal para comer e com esta situação tudo se agrava", orienta o terapeuta de reabilitação.
O casal tem o estabelecimento encerrado há duas semanas e, para já, não pensa em recorrer a linhas de crédito. "Seria a última das soluções. Queremos tudo menos contrair dívidas", atira Graça.
Não vale a vida
Apesar do cenário, o casal recusa-se a fazer serviços ao domicílio. "Então mandam-nos ficar em casa e agora íamos andar de porta em porta? Isso seria um ato suicida", observa Hugo, que tem a aprovação da companheira: "Precisamos de trabalhar, o dinheiro é importante, mas não vale a vida de uma pessoa. Há muita gente a morrer nos hospitais e, nessas alturas, o que menos importa é ter o cabelo pintado ou as unhas arranjadas".