Quatro em cada dez desempregados de longa duração do país estão no Norte, num fenómeno que se agravou na recuperação pós-pandemia. Os economistas explicam que a diminuição do desemprego foi feita à custa de emprego mais precário e menos qualificado, que deixa de fora quem não aceita ganhar o salário mínimo nacional.
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Hoje, que se assinala o 1.º de Maio, Dia do Trabalhador, os sindicatos imploram por mão de obra em setores como a construção ou o turismo. Garantem que as empresas não oferecem condições atrativas, nem salários dignos, e que a imigração não é a resposta.
Em 2020, o desemprego de longa duração (12 e mais meses) afetava já 53 mil pessoas no Norte, num total nacional de 129,7 mil. Em 2021, o problema cresceu 32,2%, atingindo 63,3 mil trabalhadores. Numa região exportadora e industrializada, onde as empresas do têxtil, do calçado, da construção, do turismo ou do mobiliário têm dificuldades em contratar, como se explica este desemprego?
Economia "coxa"
"Temos um desfasamento entre o que as empresas procuram e o que existe: o desemprego tem diminuído à custa de emprego pouco qualificado, assente em relações precárias e salários baixos", resume José Reis, economista e coordenador do Observatório sobre Crises e Alternativas. Os trabalhos de investigação que tem desenvolvido sugerem que "mais do que olhar para a taxa de desemprego, o país precisa de olhar para o desemprego de longa duração e o subemprego, que são problemas graves e indicam a falta de qualificação das empresas portuguesas".
Francisco Madelino, ex-presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional, considera que a elevada taxa de desemprego de longa duração no Norte resulta da estrutura empresarial, onde "os trabalhadores são menos qualificados porque as oportunidades de emprego abundante na indústria retiraram jovens cedo à escola". Quando perdem o emprego, "a partir de certa idade, começam a gerir a reforma e têm estruturas familiares unidas que incentivam a permanecer em casa".
Parte da solução para as empresas poderá passar pela "imigração regulada", sugere Madelino, tal como tem referido a Comissão Europeia, mas o turismo e mesmo a construção terão dificuldades.
"Trabalhadores brasileiros e vindos dos PALOP? Só se for enquanto não arranjam melhor, mas muitos não falam inglês e até mal dominam o português. Ninguém aguenta a carga de trabalho, o mau ambiente, horários desregulados e baixos salários do setor", explica Tiago Jacinto, coordenador do Sindicato da Hotelaria do Algarve, região onde se estima serem precisos três mil pessoas para o turismo.
"Mal conseguem legalizar-se, os imigrantes preferem ir trabalhar na construção na Europa, onde ganham melhor com salários mínimos mais elevados", resume Nuno Gonçalves, da direção da Federação dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro.
Demografia ameaça crescimento europeu e agrava inatividade
Metade dos desempregados na União Europeia, 12,1 milhões de pessoas, são de longa duração e 61% estão há mais de dois anos sem trabalho. A Comissão Europeia tem estratégias e recomendações para recuperar esses 5% de população ativa na economia, mas países como a Holanda, Espanha e Portugal diminuíram investimento em programas dirigidos a essa população. A imigração e a migração são apontadas pelas instâncias europeias como solução para a falta de mão de obra em diversos setores onde o envelhecimento dos trabalhadores não tem permitido substituir quem sai para a reforma (ou entra no desemprego).
Casos
Cursos e diplomas não me faltam
Há mais de quatro anos que Isabel Parreira procura emprego em Bragança. Ainda não teve sucesso. Formação atrás de formação, não há meio de se desbloquear um trabalho. "Já tentei, por todos os meios, mas não consigo arranjar emprego aqui nesta cidade de que gosto muito", explicou a mulher de 54 anos, que fez carreira como técnica de turismo em Lisboa.
Há cinco anos, Isabel mudou-se para Bragança, cidade de onde a mãe é natural. Nunca mais conseguiu ter um emprego. Até agora, apenas teve um trabalho temporário como vendedora de publicidade num órgão de Comunicação Social, sem qualquer contrato, nem segurança profissional. Há anos que faz cursos de formação profissional e, desta maneira, vai ocupando o tempo e ganhando uma bolsa. "Cursos não me faltam, nem diplomas", garante.
Isabel Parreira já quase perdeu a conta a tantos cursos e certificados. "O tempo que estive empregada cá em Bragança foi em trabalho remoto para uma empresa de Lisboa, onde me deslocava todos os meses. Depois disso só tive um trabalho passageiro com angariadora de publicidade. Aqui há empregos, mas não são para todos. Até já desisti de ir a entrevistas porque não vale a pena. Muitas vezes nem olham para os currículos. Cá também há poucas agências de viagens, logo o mercado nesta área é escasso e os empregos são raros ", contou.
A frequentar um curso de formação profissional de Gestão de Turismo no Centro de Emprego e Formação Profissional de Bragança, Isabel não tem esperança em arranjar emprego neste ramo. "Estou a gostar do curso, porque aprende-se muito. Conheço outras pessoas e os formadores são impecáveis. Agora se vai resultar para arranjar trabalho é que tenho muitas dúvidas", afirmou.
Raramente recebe propostas de trabalho do Centro de Emprego e, quando aparecem, não são na sua área profissional, por isso está disposta a aceitar outras ofertas. "Eu estou mentalizada para aceitar outros trabalhos, desde que apareçam. Não sou esquisita até porque aqui não há grande oferta e, quando alguma boa surge, já tem destinatário. O que aparece é para aproveitar logo, pode não surgir outra", confessou.
Com grande experiência em controlo de tarifas terrestres, Isabel começou a sua carreira ao balcão de uma agência de viagens, mas depois passou para tarefas de planeamento de deslocações de trabalho e de férias. "É uma área de que gosto muito, mas não sei se voltarei a trabalhar nisso", referiu.
Mudar o chip pode fazer sentido
Nos primeiros dias após o despedimento do banco onde trabalhou 31 anos e um dia, Jorge Soares passou por uma fase de euforia. "Até sabia bem sair daquele pesadelo de assédio e ameaças constantes. Decidi contestar o despedimento, com outros colegas, e fui a algumas entrevistas de emprego", relata o desempregado, de 53 anos. Os recrutadores foram-lhe minando a confiança, "queriam alguém mais novo". Com a passagem do tempo - e ainda não passou muito, mas Jorge já perde noites a achar que 810 dias de subsídio podem não chegar para encontrar novo trabalho -, começou "a entrar em depressão, com noites retalhadas por horas de insónia, sem objetivos para se levantar de manhã".
"Ainda não tomo medicação, que quero evitar, pois tive um enfarte no trabalho, há dois anos - até isso me fizeram! -, e já tomo drogas suficientes. Faço caminhadas, para me distrair e não pensar tanto", relata o bancário para quem a pandemia foi o início da estratégia de emagrecimento da empresa que "nunca deixou de ter lucros, nem tinha falta de serviço". O teletrabalho "forçado, para afastarem as pessoas do balcão, para não lhes darem trabalho" foi um estágio para os dias que, hoje, passa em busca de novo emprego ao computador.
"As ofertas do Instituto do Emprego e Formação Profissional não ajudam: só há empregos de 700 euros e, neste momento, pagam-me mais para estar em casa sem fazer nada. É frustrante", adianta. Quando começou a trabalhar, não tinha concluído o 9.º ano, por isso Jorge vai investir em "obter equivalências académicas" e até pondera mudar de área profissional.
"Pode fazer sentido mudar o chip, não faço questão de voltar para a Banca. Tem é de compensar financeiramente, caso contrário, quando acabar o subsídio de desemprego vou ter de ponderar vender a casa", acrescenta, partilhando uma das principais angústias que lhe consomem as noites.
"Tive de pedir à minha filha, que é recém-licenciada e, felizmente, trabalha em vários sítios, para começar a dar dinheiro para as despesas da casa. Nunca pensei ter de fazer isso, custa-me, mas a perda de 500 euros em rendimento não se aguenta facilmente. Se não conseguir emprego, vou ter de vender a casa", lamenta o profissional, que chegou a tentar negociar, com o mesmo banco que o despediu, uma carência de capital no crédito à habitação até à data em que teria acesso à reforma antecipada. "Negaram, friamente".