Nível de emprego acima do esperado, aumento dos rendimentos e efeitos de 2019 explicam subida quando a economia teve a maior queda em 50 anos.
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No ano passado, o Fisco arrecadou mais de 13,5 mil milhões de euros em receita de IRS. Trata-se do valor mais alto de sempre, num ano em que a economia terá registado a maior queda dos últimos 50 anos.
Os dados da síntese de execução orçamental, da Direção-Geral do Orçamento (DGO) podem ainda ser alvo de algum ajuste, mas a diferença não será relevante. O valor está também acima da previsão que o Ministério das Finanças inscreveu no Orçamento do Estado para 2021.
De acordo com os cálculos do JN/Dinheiro Vivo, trata-se de um desvio positivo de 2,7% face às contas que João Leão apresentou ao Parlamento em outubro do ano passado, correspondendo a mais 354 milhões de euros cobrados aos contribuintes.
Comparando com 2019 - quando a economia cresceu 2,2% -, a receita arrecadada no ano passado subiu 3%, o que significou mais 393 milhões de euros nos cofres do Estado.
A primeira estimativa do Instituto Nacional de Estatística (INE) aponta para uma queda histórica de 7,6% do produto interno bruto (PIB) em 2020. A economia afunda para o pior registo dos últimos 50 anos, mas a receita tem o melhor desempenho de sempre.
Emprego, salários e IRS
Os dados disponíveis ainda não permitem uma análise mais fina do que aconteceu ao certo, mas o Ministério das Finanças aponta algumas explicações para este comportamento aparentemente paradoxal da receita de IRS.
Em primeiro lugar, o nível de emprego parece estar imune à queda abrupta da atividade económica. "À partida, tendo em conta os dados do INE, o emprego caiu 1,1% em 2020. Uma queda muito ligeira face ao esperado", refere fonte das Finanças ao JN/Dinheiro Vivo.
A este dado junta-se o facto de o desemprego estar a atingir uma franja de trabalhadores pouco qualificados com salários baixos e que já não pagam IRS ou que têm retenções muito baixas. "No terceiro trimestre de 2020, comparação homóloga, onde por profissão a população empregada mais caiu, dois terços é nos trabalhadores não qualificados", refere a mesma fonte.
A análise do gabinete de João Leão aponta ainda outra justificação relacionada com o mercado de trabalho: as remunerações dos trabalhadores estavam a subir no terceiro trimestre do ano passado mais de 4% em termos homólogos.
Mas o principal motivo para o aumento de 393 milhões está relacionado com a "campanha de IRS" referente aos rendimentos de 2019 que acabou apenas em agosto/setembro. "Há um grande volume da receita que depende da campanha de IRS", notam as Finanças.
Há "um efeito de arrastamento" por causa dos acertos que é preciso fazer face às retenções e cujo valor apenas é apurado com a liquidação: ou recebe reembolso ou tem nota de cobrança para pagar ao Fisco.
"Para o excesso face a 2019 (393 milhões), 80% dizem respeito à campanha de IRS. Ou seja, mais ou menos 40% para as notas de cobrança e outros 40% para a variação dos reembolsos", detalha fonte das Finanças. "Só os outros 20% é que dizem respeito ao aumento das retenções na fonte ou das remunerações referente ao ano de 2020", conclui.
"É preciso ter em conta a dinâmica própria do IRS", sublinham as Finanças para rebaterem os argumentos de economistas que avisam para o agravamento das desigualdades com esta crise pandémica.
"As pessoas que sentiram o impacto maior foram as que estiveram em lay-off total, com cortes salariais e essas são pouco qualificadas, com salários baixos que já não pagavam IRS, por isso não teve efeito na receita", argumenta a economista Susana Peralta, da Nova SBE.
Agravamento
"Esta não é uma crise da burguesia. Os trabalhadores dos setores intelectuais ficaram em teletrabalho e não foram afetados", frisa Susana Peralta, da Nova SBE. "O aumento da receita do IRS é uma demonstração clara de que esta crise representa um agravamento das desigualdades", conclui.
Novas tabelas
O Governo mexeu nas tabelas de retenção para os rendimentos de 2021, com o objetivo de permitir, principalmente aos contribuintes com menos salários, ter mais rendimento disponível no fim do mês. Mas menos descontos por mês para o IRS vão significar menos reembolso em 2022: os valores que desaparecerem serão idênticos aos que resultam do somatório de poupança mensal com as taxas mais baixas aplicadas em 2021.