Reembolso de duas obrigações de Sócrates e Passos explica metade da redução da dívida
Pagamento de duas obrigações no valor de 16 mil milhões de euros "coloca Portugal com um rácio de dívida inferior ao da Bélgica, Espanha, França, Itália e Grécia, saindo do grupo dos mais endividados", diz o ministério de Medina.
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Não são apenas os excedentes orçamentais que o Governo e o Ministério das Finanças planeiam entregar neste ano e no próximo que explicam a queda significativa no peso da dívida pública.
De acordo com um levantamento feito pelo Dinheiro Vivo a partir de dados oficiais, aproximadamente metade da descida desse rácio - movimento que, segundo o ministro das Finanças, tirará finalmente Portugal do pódio das maiores dívidas europeias - vem do simples e inevitável facto de haver duas Obrigações do Tesouro (uma OT do tempo do Governo de José Sócrates, outra de Pedro Passos Coelho, ambas de valor muito elevado), que chegam agora à maturidade.
Terão de ser amortizadas junto dos credores internacionais e isso será uma ajuda incontornável para o ministro Fernando Medina aparecer como o rosto de mais este brilharete.
Estas duas amortizações estão avaliadas, no seu conjunto, em cerca de 16 mil milhões de euros, o equivalente a quase 6% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, aproximadamente metade da descida da dívida equivalente a 13% do PIB prevista por Medina na proposta de Orçamento do Estado para 2024 (OE 2024) entre o final de 2022 e o final do próximo ano.
Esta redução permitirá que Portugal saia finalmente do terceiro lugar das maiores dívidas da União Europeia (UE) e deixe de ser um dos mais endividados do chamado grupo dos países desenvolvidos.
Desde o início da crise soberana (e do programa de ajustamento da troika e do Governo PSD-CDS), em 2011, que o país ficou refém desse pódio, sempre atrás da Grécia e Itália.
Hoje, passados mais de dez anos, o atual Governo espera que Portugal não só abandone o referido pódio, como também que se afaste ainda mais, baixando para a sexta posição, a nível da UE, em termos de maior endividamento público.
Seja como for, segundo dados da agência da dívida pública (IGCP), há mais de dez anos que estes dois reembolsos aos credores internacionais (bancos, fundos de investimento, etc.) estavam contratualmente previstos.
O ano da nacionalização do BPN
Como referido, são duas as grandes operações que vão agora permitir abater automaticamente ao fardo do endividamento.
O primeiro grande reembolso tem lugar já daqui a uma semana, na próxima quarta-feira, dia 25.
Trata-se do pagamento de uma Obrigação do Tesouro (OT) originalmente emitida em meados de junho de 2008, em plena crise financeira e já a caminho da grande crise bancária global.
Em setembro desse ano, aconteceria a falência do gigante norte-americano Lehman Brothers.
Em Portugal, o primeiro banco a cair seria o Banco Português de Negócios (BPN), em novembro. Outros se seguiriam e, em 2009, começaria a crise económica com uma grave recessão. Outras seguir-se-iam.
Na altura, o Governo do primeiro-ministro José Sócrates e do ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, decidiu ir aos mercados internacionais pedir emprestados 9,4 mil milhões de euros através de uma obrigação com maturidade de 15 anos, a tal que vence na semana que vem.
A taxa de juro de cupão desta OT é elevada, mesmo para os parâmetros atuais, num quadro de subida agressiva dos juros: 4,95%, diz o IGCP.
Este pagamento vai permitir apagar da dívida pública numa assentada o equivalente a 3,6% do PIB, cerca de 40% da descida prevista no fardo da dívida só este ano.
Em 2024, Medina terá mais uma ajuda para brilhar. Desta feita, o pagamento já agendado há muito de uma OT emitida pelo Governo de Pedro Passos Coelho e do seu ministro das Finanças, Vítor Gaspar.
O ano do "enorme aumento de impostos"
Em meados de maio de 2013, o ano do "enorme aumento de impostos", como disse o atual diretor do FMI, o Executivo que aplicou o programa de austeridade para reduzir dívida, défice, salários e pensões, avançou com um pedido de empréstimo nos mercados (nova dívida) a uma taxa de juro (cupão) ainda muito elevada para os cânones atuais, de 5,65%.
Esta OT chega à maturidade em fevereiro do ano que vem, altura em que Medina poderá pagar e tirar diretamente à dívida portuguesa mais 6,1 mil milhões de euros numa assentada.
É o equivalente a 2,2% do PIB de 2024 (assumindo o PIB nominal projetado pelo Conselho das Finanças Públicas) e vale mais de metade da descida planeada por Fernando Medina no novo OE.
Quem são os maiores credores dos portugueses
Como referido, estes dois reembolsos vão ser decisivos para continuar a polir a imagem de Portugal junto dos investidores internacionais e dos credores a quem ainda deve imenso dinheiro, sobretudo os dois fundos europeus que financiaram o resgate de 2011 juntamente com o Fundo Monetário Internacional.
Segundo o IGCP, atualmente, o Estado português deve a todos os seus credores (externos e domésticos, como as famílias que subscreveram Certificados de Aforro) quase 293 mil milhões de euros.
Destes, diz a mesma agência, cerca de 56 mil milhões de euros dizem respeito a "empréstimos oficiais" como os do PRR e do SURE e ao "Programa de Assistência Económica e Financeira" (o da troika), cuja dívida associada ultrapassa ainda os 49 mil milhões de euros.
A UE e o ESM (mecanismo de empréstimos da Zona Euro) são os grandes credores na fila de espera.
Em cima disto, a República deve aos "mercados internacionais", como bancos e fundos privados, outros 167 mil milhões de euros em dívida de médio longo prazo.
Segundo as Finanças, o peso da dívida deve baixar para "103% do PIB no final deste ano e para 98,9% em 2024".
Assim, "será a primeira vez desde 2009 que Portugal regista um rácio de dívida pública inferior ao PIB. Segundo a Comissão Europeia, tal deverá colocar Portugal com um rácio de dívida inferior ao de Bélgica, Espanha, França, Itália e Grécia, saindo definitivamente do grupo dos países europeus mais endividados", diz o ministério na nova proposta orçamental para 2024.