O anúncio gerou estupefação, depois revolta dos empresários e agora uma vaga de cancelamentos das reservas feitas em alojamentos e restaurantes para a passagem de ano.
Corpo do artigo
O "travão a fundo" anunciado na quinta-feira pelo primeiro-ministro está a motivar duras críticas dos setores da restauração e alojamento. No caso dos restaurantes, já é certo que têm de fechar às 22.30 horas (antes poderiam estar abertos até à uma da manhã), mas os hotéis não sabem se vão ter de mandar as pessoas para o quarto. Todos censuram o cancelamento de um réveillon que já preparavam há duas semanas.
"As reservas estão a ser todas canceladas. Neste momento já temos a indicação que mais de 50% foram canceladas na maior parte dos nossos associados, um pouco por todo o país", resume Daniel Serra, presidente da Pro.Var (Promover e Inovar a Restauração Nacional).
A hipótese aventada pelo Governo, há 15 dias, de os restaurantes poderem trabalhar até à uma da manhã no réveillon "já era limitativa por causa da proibição de circulação entre concelhos", refere Daniel Serra. Agora, os clientes estão a cancelar pois "não vão querer fazer a sua passagem de ano por intervalos" e "vão acabar por remarcar em casa ou em casa de amigos", constata o presidente da Pro.Var.
13151308
JÁ COMPRARAM COMIDA
Há empresários que fizeram investimentos de milhares de euros que agora estão sem dinheiro e com a comida dentro de portas sem saber o que fazer. Um deles é Fernando Julião, dono do "Casa d"Armas", em Viana do Castelo, que anteontem de manhã investiu numa grande quantidade de marisco vivo e, à noite, viu António Costa retirar-lhe a possibilidade de o vender. "Foi um balde de água fria. Ninguém vai jantar fora e às dez e meia vai para casa, fazem tudo de raiz em casa", lamenta o empresário.
Em comunicado, a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) considera que as oscilações nas medidas de 15 em 15 dias "são dramáticas para as empresas, que precisam de planeamento para funcionar e já se estavam a preparar para o fim de ano".
luxo na uber eats
Pedro Maia, do movimento "Sobreviver a Pão e Água", dono de quatro restaurantes na Área Metropolitana do Porto, critica o que diz ser a "gestão por palpites de semana a semana" do Governo. O empresário fala de "um ataque político contra um setor" que "vai prejudicar milhares e milhares de pessoas por causa de uma hora e meia", sem evitar o risco de contágios pois "os convívios vão-se fazer na mesma em casa".
O efeito dominó da decisão também é sublinhado pelo chef Rui Paula, dono dos restaurantes DOC, no Douro, DO, no Porto, e Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira: "Então e tudo o que gravita à nossa volta? Os vinhos, produtos, carnes, peixes, mariscos, trufas e secos. Se eles disseram que se ia fazer a passagem de ano, as coisas planearam-se".
Há cerca de um mês, o DOP passou a estar disponível na plataforma Uber Eats. Apesar de ser de gama média/alta, aquela foi a solução possível para diminuir prejuízos: "É para ver se aguento os meus funcionários. É mais para isso, mas também não penso que é isso que me vai salvar".
Sem reservas, hotel desiste do programa de passagem de ano
A faturação com a passagem de ano no Hotel Rural Alves, em Braga, costumava ser o balão de oxigénio para os meses mais parados do inverno. Mas, este ano, o salão de jantar com capacidade para cerca de 160 pessoas vai estar totalmente vazio. Para os dez quartos desta unidade localizada na freguesia de Penso S. Vicente, também não há reservas. Celeste Alves, proprietária, culpa as "medidas drásticas" anunciadas pelo Governo.
Há 11 anos com a casa aberta ao turismo, o "réveillon" sempre foi celebrado com gente que chegava de todo o país, desde o Algarve ao Alto Minho. "Ocupávamos os nossos quartos e, ainda, fazíamos parcerias com outros hotéis mais próximos", recorda Celeste Alves, acompanhada da irmã Maria Alves, sócia do negócio que, este ano, sofreu uma quebra de cerca de 40%.
Até ao final do ano, não há perspetivas de melhorias. "Não tivemos qualquer reserva", admite a proprietária, sublinhando que chegaram a receber telefonemas de clientes com dúvidas sobre a festa de final do ano.
"Chegaram a perguntar-nos: então não vou poder dançar com o meu marido? E eu tive que dizer que não", conta Celeste Alves, para justificar a falta de adesão ao programa de "réveillon" que criaram e que, entretanto, vão cancelar. Vão, apenas, manter os quartos disponíveis para reserva, com pequeno-almoço incluído e "preços mais baixos".
"Vamos ser drasticamente afetados pela limitação de circulação entre concelhos. Até ao dia 4 é um absurdo. É muito dispendioso para os clientes", lamenta Maria Alves. A irmã reconhece a importância das medidas de contenção quanto aos jantares, mas pede ajuda do Governo. "Temos que nos aguentar, mas não oferecem nada em troca. Ainda não tivemos direito a ajudas", lamenta, falando em custos fixos "muito elevados" que têm de suportar, todos os meses, mesmo de portas fechadas.