Suspensão da dívida vale 46 mil milhões, mais do dobro das ajudas do Estado dadas ao setor desde 2008. Clientes pagam "juros negativos" devido aos encargos com contas, que superam os juros dos depósitos a prazo.
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O aumento de comissões anunciado por alguns bancos no arranque do ano poderá atenuar a crise que se avizinha com fim das moratórias já em setembro. A suspensão dos créditos vale 46 mil milhões, equivalendo a cerca do dobro das ajudas dadas pelo Estado à Banca desde 2008.
Por outro lado, os clientes têm atualmente uma relação invertida com as instituições financeiras: pagam para ter lá dinheiro depositado. Um depósito a prazo de 1000 euros terá uma taxa de juro média de 0,5%, o que rende cerca de cinco euros ao fim de 12 meses. Por ser obrigado a ter depósito à ordem e eventualmente outros produtos, o cliente paga em média 65 euros anuais por manutenção de conta. "Estamos perante algo equivalente a pagar juros negativos, na ótica do cliente", refere Nuno Rico, economista da Deco.
A margem financeira (diferença entre juros pagos e cobrados aos clientes) dos bancos baixou 224 milhões de euros nos primeiros nove meses de 2020. A receita líquida com comissões também recuou, mas em apenas 130 milhões. "Os bancos têm procurado outras fontes de rendimento, como as comissões, e ajustando a estrutura de custos [menos funcionários e balcões]", referiu o Banco de Portugal no final de 2020.
"A título de exemplo, registámos aumentos nas comissões de manutenção que chegam a ultrapassar os 28% na mensalidade da conta pacote do Banco BPI, a Conta Valor, assim como na conta à ordem tradicional para particulares. O banco Atlântico Europa terminou igualmente com a isenção que mantinha neste tipo de comissão", refere Nuno Rico.
Custos sobem em breve
Bankinter, CGD e Novo Banco já anunciaram, para breve, mexidas no preçário. Enquanto que o banco espanhol vai aumentar a comissão de manutenção trimestral de 15 para 20 euros, a CGD introduz, segundo a Deco, novos critérios para garantir a bonificação da mensalidade das contas pacote, passando a obrigar à utilização, no valor mínimo de 50 euros mensais, dos cartões de débito e/ou crédito associados à conta. No Novo Banco, são igualmente as comissões de manutenção o alvo das subidas.
Perante a ameaça do fim das moratórias, cuja existência implicou durante os últimos meses a suspensão de pagamentos aos bancos, a aposta em fontes de receita alternativas é inevitável. "Nota-se que os bancos intensificam o comissionamento como forma de compensar as taxas de juro baixas, assim como as limitações e proibições entretanto surgidas [interdição de cobrança de algumas comissões]", refere Nuno Rico.
Os bancos não escondem o problema do crédito malparado que está no horizonte. "Findo o período das moratórias, os impactos sobre o setor bancário da recessão provocada pela pandemia vão ser mais visíveis. Contudo, importa referir que, mesmo com as moratórias em vigor, os bancos não estão dispensados de avaliar regularmente o risco associado a estes créditos (...), como se pode verificar pelo reforço bastante significativo que tem ocorrido ao nível das provisões que, desde o início da pandemia, registaram um crescimento de dois mil milhões de euros", refere Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB). As provisões visam cobrir imparidades geradas pelo crédito malparado.
O lado dos clientes não é esquecido pelo setor. "A par do Banco de Portugal, a APB tem vindo a defender que o desenrolar das moratórias e a sua extinção devem ser adequadamente planeados. Este "soft landing" [aterragem suave] deverá passar por medidas de apoio aos devedores que, sendo viáveis, possam ainda não estar, findas as moratórias, em condições de gerar fluxos de tesouraria compatíveis com as suas obrigações creditícias", sublinha Faria de Oliveira.