Países nórdicos aliciam licenciados em saúde e engenharias. Laboram menos horas por mais dinheiro.
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Portugal consegue reter a maioria dos licenciados que forma, mas há uma crescente vaga de emigração para os países nórdicos, em particular nas áreas da saúde e das engenharias. Vão à procura de um salário três vezes maior, de um custo de vida suportável e de uma valorização profissional que cá não existe. Para que ficassem, teriam de ter melhores salários e casas, dizem os especialistas, ao JN.
Todos os anos há 50 mil licenciados que saem das universidades portuguesas e 20 mil que emigram. Estes números são de 2021 e não há mais recentes, pois ninguém pergunta aos emigrantes se têm curso. O que há são perceções de quem estuda a matéria, onde é clara a crescente fuga de cérebros para destinos como a Suécia, Noruega, Dinamarca e Países Baixos.
“Quando falamos em qualificados serão sem dúvida nenhuma os países escandinavos e os Países Baixos”, constata João Teixeira Lopes, sociólogo e docente da FLUP. Os destinos são corroborados por Rui Pena Pires, sociólogo do ISCTE, membro do Observatório da Emigração e coautor do “Atlas da Emigração Portuguesa”: “Até ao Brexit, a maioria da emigração qualificada ia para o Reino Unido, agora há uma atração pelos países escandinavos e Países Baixos”.
Média de 5500 euros
Ambos concordam que são os licenciados em saúde e engenharias que mais procuram estes destinos. Porquê? “Os salários e a habitação são absolutamente cruciais e o impacto para um orçamento de um jovem é brutal”, observa João Teixeira Lopes.
Ainda que um licenciado ganhe cá o salário médio (1525 euros brutos), lá fora consegue “duas ou três vezes” mais, acrescenta. De facto, o salário médio bruto nos Países Baixos é de 3000 euros, na Dinamarca é de 4800 euros e na Noruega é de 5500 euros. “Nós não vamos conseguir igualar esses salários. Nos Países Baixos não só têm salários elevados como têm aumentos salariais médios na ordem dos 8% por ano”, completa Rui Pena Pires.
A responsabilidade pela subida dos salários é em grande parte das empresas, mas também do Estado, que parece não estar a fazer tudo. Num estudo de 2023, a Associação BRP, que é composta pelas maiores empresas de Portugal, analisou a carga fiscal de um salário bruto anual de 28 mil euros. Tanto as empresas como os trabalhadores pagam, em Portugal, mais impostos do que nos territórios “concorrentes”.
Em Portugal, esse salário bruto tem um custo, para as empresas, quase 3000 euros superior ao dos Países Baixos, devido às contribuições para a Segurança Social e Finanças. Ao mesmo tempo, o trabalhador de cá ganha menos 5300 euros líquidos do que lá, devido aos mesmos impostos. Isto numa altura em que a Segurança Social está com um excedente recorde e o país sem défice.
Há outros fatores a empurrar os licenciados para fora do país, além do salário e do preço das casas, explica João Teixeira Lopes: “As empresas portuguesas ainda são muito conservadoras no que diz respeito à conciliação da vida profissional com a vida pessoal”. “Desconfiam muito do teletrabalho” e preferem trabalhar com base no horário do que “no cumprimento de objetivos”, diz ainda. Isto contrasta com países, como os escandinavos, onde “a semana de quatro dias já está em força”.
Perante este diagnóstico, o remédio é subir salários, baixar impostos e construir casas, concordam ambos. A Associação BRP acrescenta que as empresas devem incorporar, na remuneração, benefícios como habitação e de mobilidade, além de adotarem modelos flexíveis como o teletrabalho. Ao Estado, avisam, cabe flexibilizar a legislação e rever os incentivos aos jovens, fazendo, por exemplo, com que o IRS Jovem compense mais do que o programa Regressar.
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Remessas tendem a baixar
O dinheiro enviado pelos emigrantes portugueses para Portugal (remessas) até está a aumentar, mas pode ser por pouco tempo. Segundo João Teixeira Lopes, os jovens licenciados que emigram “querem ter melhor qualidade de vida, não passam o tempo a tentar poupar e são menos austeros em relação ao consumo”. Ou seja, “querem viajar e ter melhor casa”, em vez de pouparem para a reforma em Portugal.
Língua e Erasmus ajudam
Os novos destinos dos emigrantes licenciados têm, em comum, o facto de terem a língua inglesa como secundária, depois da língua nativa. Isso esbate fronteiras e reduz os receios de quem arrisca uma vida melhor. Além disso, as experiências de intercâmbio como o Erasmus também abrem a porta de países estrangeiros.