Lei nacional proíbe recurso a plástico de uso único a partir de 3 de setembro. Prazo e teor preocupam restauração e distribuição, que pedem harmonização com diretiva europeia. Governo está a analisar pedido.
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Se o Governo não recuar, dentro de 10 dias, a 3 de setembro, os estabelecimentos de restauração e bebidas deixam de poder servir aos clientes refeições em embalagens, pratos, tigelas, copos, talheres, palhinhas e palhetas de plástico de utilização única.
Quem está por detrás do balcão, garante que não é possível: estão pressionados pela pandemia, falta clareza na definição das regras e harmonia com a diretiva comunitária (ver coluna ao lado) e não há no mercado soluções alternativas a preços acessíveis.
Ana Jacinto, secretária geral da AHRESP-Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, sublinha que, num momento em que o setor está fragilizado devido à pandemia de covid-19, será difícil colocar a lei em prática.
"A lei tem suscitado muitas preocupações, ainda para mais agora que estamos a atravessar um momento difícil. No último inquérito que a AHRESP fez, 43% das empresas de restauração já alegavam que não tinha outra alternativa senão avançar para a insolvência", conta, explicando que o setor vive uma "situação dramática".
várias incongruências
A AHRESP defende que a lei nacional "só devia entrar em vigor na mesma altura da diretiva comunitária", em julho de 2021, alargando o período de preparação. Mas não só: o seu teor devia coincidir com o da diretiva.
"A diretiva proíbe pratos, talheres, palhetas e palhinhas de plástico e obriga apenas à redução dos copos e embalagens de plástico. A legislação nacional visa apenas o setor da restauração e bebidas e proíbe toda a louça de plástico de uso único, incluindo os copos e embalagens que a diretiva falava em reduzir.
Para além disso, a diretiva proíbe bioplásticos e plásticos biodegradáveis, a lei nacional já permite os plásticos biodegradáveis", concretiza Ana Jacinto. Portanto, "temos uma série de incongruências e de discrepâncias que precisamos que sejam clarificadas antes da legislação entrar em vigor, porque senão é uma trapalhada".
"Agora, obrigamos os empresários a cumprir com uma lei e, daqui a uns meses, temos outras regras diferentes e contraditórias. Há muito que solicitamos esclarecimentos, mas ainda não os conseguimos", lamenta.
Faltam alternativas
No mercado, há poucas alternativas e são caras. A lei nacional, exemplifica Ana Jacinto, "permite os plásticos biodegradáveis, que são uma alternativa atualmente no mercado, mas tem demasiadas limitações. Duram pouco e não têm muita resistência à humidade, não são compatíveis para alimentos e bebidas quentes". Outras louças, como bambu ou cortiça, "são excessivamente dispendiosas. Verificou-se com os fornecedores que o valor acresce cerca de seis vezes mais face aos produtos de plástico", explica a responsável.
"A pandemia não é desculpa para tudo, mas não podemos ignorar que estamos a passar um período diferente, que tem de ter implicações no calendário de aplicações deste tipo de solução e que há ainda uma falta de clareza", diz o diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), que representa os supermercados com serviço de takeaway.
Segundo Gonçalo Lobo Xavier, o takeaway "aumentou imenso" durante a pandemia, e, para se manter, precisa de "esclarecimentos sobre que materiais podem ser usados" e de ter no mercado "alternativas credíveis e consistentes" aos descartáveis plásticos, que "ainda não existem".
Ambos pedem ao Governo "bom senso", dando tempo para ultrapassar esta fase mais crítica, clarificar a lei e encontrar no mercado soluções a preços acessíveis.
O Ministério da Economia e da Transição Digital referiu apenas que "está a acompanhar este assunto em articulação com o Ministério do Ambiente e Ação Climática".
O que diz a lei nacional?
A Lei n.º 76/2019 determina a "não utilização e não disponibilização de louça de plástico de utilização única nas atividades do setor de restauração e/ou bebidas e no comércio a retalho". Em causa estão os utensílios usados "no consumo de alimentação ou bebidas, nomeadamente, pratos, tigelas, copos, colheres, garfos, facas, palhinhas, palhetas". Os estabelecimentos devem utilizar "louça reutilizável ou, em alternativa, louça em material biodegradável". Hospitais e situações de emergência social e humanitárias são exceções.
Quando entra em vigor?
A lei já entrou em vigor a 2 de setembro de 2019, mas prevê três períodos transitórios de adaptação. Os prestadores de serviços de restauração e/ou de bebidas dispõem de um período de um ano para se adaptarem à lei, ou seja, até 3 de setembro de 2020. Os prestadores de serviços não sedentários de restauração e/ou de bebidas, e os prestadores dos serviços que ocorram em meios de transporte coletivos, nomeadamente, aéreo, ferroviário, marítimo e viário de longo curso, têm dois anos (setembro de 2021). Para o comércio a retalho, o prazo é de três anos (2022).
O que diz diretiva europeia?
A Diretiva (UE) 2019/904 do Parlamento Europeu e do Conselho visa prevenir e reduzir o impacto de determinados produtos de plástico no ambiente e promover a transição para uma economia circular. A Diretiva é aplicável a artigos de plástico de utilização única, a produtos feitos de plástico oxodegradável e às artes de pesca que contêm plástico. Alguns utensílios são proibidos, mas outros só têm de ser reduzidos.
Quando tem de ser cumprida?
De acordo com a diretiva, os estados-membros têm de ter em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva até 3 de julho de 2021.