A Inspeção-Geral de Finanças (IGF) acredita que as remunerações dos gestores da TAP, no período em que foi parcialmente privatizada, foram pagas recorrendo a um contrato de prestação de serviços "simulado", permitindo que se eximissem a responsabilidades fiscais. O Governo enviou o relatório ao Ministério Público (MP).
Corpo do artigo
Segundo o documento, a que a Lusa teve acesso, e que dá conta das conclusões da auditoria da IGF às contas da TAP, as remunerações fixa e variável dos membros do Conselho de Administração da companhia foram revistas e ajustadas pela Comissão de Vencimentos (CV), mas "não foram encontradas evidências do pagamento àqueles administradores das remunerações estabelecidas pela CV, nem sequer registos contabilísticos ou recibos de vencimento".
No entanto, continuou, foi celebrado, em 18 de janeiro de 2016, entre a TAP, SGPS e a Atlantic Gateway, sociedade que comprou maioria do capital da transportadora, "um contrato de prestação de serviços de planeamento, estratégia e apoio à reestruturação da dívida financeira, incluindo a negociação com as entidades bancárias", sendo a faturação efetuada mensalmente e baseada numa estimativa apresentada até ao dia 31 de janeiro de cada ano, "o qual terá tido por objetivo suportar o pagamento das remunerações aos referidos gestores".
Segundo a IGF, foi "confirmado que o referido contrato de prestação de serviços suportou o pagamento das remunerações de tais administradores, conforme informação e cálculos fornecidos pela entidade auditada".
A instituição concluiu ainda que "entre os valores remuneratórios deliberados pela CV (3.524.922 euros) e os efetivamente cobrados pela Atlantic Gateway (4.264.260 euros) existe a diferença global de cerca de 739.338 euros a mais (21%), a qual foi justificada pela TAP como o resultado da aplicação da Taxa Social Única (TSU) aos valores deliberados em CV", embora não "tenha sido apresentada qualquer evidência que ateste tal justificação".
Ainda assim, realçou, "mesmo considerando a TSU, o valor (4.238 126 euros) é ainda inferior em 26.134 euros relativamente ao faturado".
A IGF detalhou ainda as remunerações de três administradores, com David Pedrosa a receber, entre 2015 e 2020, entre remuneração fixa, prémios e outros itens, mais de 2,6 milhões de euros. Humberto Pedrosa recebeu 436,8 mil euros, um valor igual ao de David Neeleman.
"Deste modo, os dados disponíveis levam-nos a concluir que o pagamento das remunerações aos administradores em causa foi efetuado através de um contrato de prestação de serviços simulado (pois aparentemente o fim não era o mesmo para o qual fora celebrado), apresentando-se apenas como instrumental para o efeito pretendido", destacou a IGF.
A entidade referiu que este "procedimento que se afigura irregular no pagamento/recebimento das remunerações aos membros do CA [Conselho de Administração], que, assim, eximiram-se às responsabilidades quanto à tributação em sede de IRS e contribuições para a Segurança Social".
A IGF disse ainda que "a entidade auditada não apresentou qualquer fundamentação suscetível de justificar a adoção deste procedimento inadequado".
Governo já enviou relatório da IGF ao Ministério Público
"O Governo recebeu o relatório na semana passada, homologou o relatório e enviou ao Ministério Público e à Assembleia da República, como lhe compete. Todo o cabal esclarecimento será feito", disse esta terça-feira o ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, aos jornalistas no Porto, à chegada a uma reunião com a Área Metropolitana.
O ministro, que à data da privatização da TAP em 2015 era secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações do governo de Pedro Passos Coelho (PSD/CDS-PP), disse que o processo "foi dos mais escrutinados na democracia portuguesa".
"Nada há a esconder, foi tudo transparente, é por isso que este Governo se pugna. Pugna por transparência, por total abertura dos processos. Foi isso que fizemos, aguardaremos os resultados", afirmou.
Miguel Pinto Luz recordou que "houve uma Comissão Parlamentar de Inquérito" sobre o assunto, e considerou que "não há nenhum facto novo" no relatório da IGF "que não tenha sido abordado" na comissão.
"Agora compete às autoridades competentes agirem. Hoje eu não falarei mais nada sobre o assunto", disse ainda.
O relatório da IGF sobre a TAP refere que a Atlantic Gateway, consórcio de David Neeleman e Humberto Pedrosa, adquiriu 61% do capital da TAP, SGPS, “comprometendo-se a proceder à sua capitalização através de prestações suplementares de capital, das quais 226,75 milhões de dólares americanos (MUSD) foram efetuadas através da sócia DGN Corporation (DGN) com fundos obtidos da Airbus".
Aquele montante de capitalização, acrescenta, “coincide com o valor da penalização (226,75 MUSD) assumida pela TAP, SA, em caso de incumprimento dos acordos de aquisição das 53 aeronaves (A320 e A330), o que evidencia uma possível relação de causalidade entre a aquisição das ações e a capitalização da TAP, SGPS e os contratos celebrados entre a TAP, SA e a Airbus”.
A IGF sugere o envio do relatório ao MP sobretudo tendo em conta as conclusões relacionadas com o processo de privatização da TAP e sua relação com os contratos de aquisição de 53 aviões à Airbus em 2015, bem como com as remunerações dos membros do Conselho de Administração.