José Reis, catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, falou com o JN sobre a dependência energética.
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A UE recomendou a redução da dependência energética. São reformas rápidas?
Rápidas não serão de certeza. Falamos de uma dependência forte e de um tipo de fornecimento que não se muda de um dia para o outro. A enorme intensidade energética das economias leva a que os efeitos a alcançar só sejam visíveis a médio prazo e a que tenham de corresponder a uma alteração muito profunda do paradigma. Há dois termos nessa quebra da dependência: um tem a ver com a intensidade energética, que só diminuirá se organizarmos a economia de outro modo. O outro é a lógica de autossuficiência da Europa, que deveria ser procurada até ao extremo. Em Portugal, a aposta nas renováveis é um bom exemplo.
A Alemanha abre mão do gás russo mas vira-se para o Qatar, país com fraco registo de direitos humanos. Não é irónico?
Tem razão. Isto não vai lá apenas com uma lógica de diversificação - ainda há pouco tempo discutíamos formas de contrabalançar a dependência do gás da Argélia. Também tem de haver uma reflexão forte. É a globalização que tem financiado a oligarquia russa, pelo que seria prudente, quando vemos que as sociedades são tão militarizadas, pensarmos nos termos dessa globalização. Não advogo uma regressão nacionalista mas, se os grandes blocos económicos fossem mais autossuficientes, provavelmente a máquina da guerra não estava tão armada. É preciso alterar as condições económicas que têm favorecido a interdependência excessiva entre os blocos, que leva a que uns financiem os próprios inimigos.
Haverá tempos difíceis na agricultura?
Sem dúvida. Portugal tem uma agricultura energética, de elevada intensidade, especializada e com muito uso de água. Muitas vezes, tem características extrativas - basta ver o caso de Odemira. Esses produtos não são pensados para o mercado interno mas para exportação, ao passo que os hipermercados estão entre os nossos principais importadores. Temos problemas de dependência que se vão revelar muito - e que colocam questões de abastecimento - mas temos, sobretudo, um modelo agrícola intensivo que, mal o mundo abana, fica em causa.