
Em apenas um ano, os combustíveis subiram 20%
Daniel LEAL-OLIVAS / AFP
Combustíveis subiram 20% no espaço de 12 meses, luz 3% no mercado regulado no início do mês e gás de garrafa saltou mais de 6% no primeiro trimestre.
A subida do preço dos combustíveis, da eletricidade e do gás de botija está a apertar as contas das famílias. Os gastos com estes tipos de energia representam 6,3% dos orçamentos, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística. "A situação começa a ficar complicada", resume ao JN Pedro Silva, especialista da Deco. Desde 1 de julho que os operadores voltaram a poder cortar o serviço a quem tem pagamentos em atraso.
O preço dos combustíveis subiu 20% num ano, o da eletricidade aumentou 3% no mercado regulado, no início deste mês, por decisão da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e o do gás engarrafado avançou mais de 6%, entre o quarto trimestre de 2020 e o primeiro de 2021 .
A decisão de ERSE significa agravamentos na fatura que vão de 1,05 a 2,86 euros por mês. Aplicam-se às 954 mil famílias do mercado regulado. Um casal sem filhos, com potência contratada de 3,45 kVA e consumo anual de 1900 kWh, verá a fatura mensal da luz passar para 37,11 euros, em média. Uma família de quatro pessoas (potência contratada de 6,9 kVA e consumo anual de 5000 kWh), pagará 92,60 euros.
O reflexo da subida de preços da energia no orçamento familiar já é notório, mas Pedro Silva acrescenta que vem mais a caminho. "Os custos de produção e do transporte de mercadorias também estão a ficar mais caros e em alguma altura serão transferidos para o consumidor". No fim de contas, "é mais um peso a suportar nestes tempos, que já não são fáceis".
Os preços dos combustíveis líquidos estão a ser influenciados por "cotações do petróleo que há muito não se viam, na casa dos 70 dólares por barril". Já o aumento do preço da eletricidade é consequência da forte alteração nas taxas de carbono (CO2) e nos custos de produção. As taxas de carbono rondam entre 50 e 60 euros por tonelada de carbono, quando no início de 2020 valiam três vezes menos. O preço do gás natural para as centrais aumentou mais de 400% durante os últimos doze meses. Isto refletiu-se nos mais de 100 euros já pagos por "megawatt hora" no Mercado Ibérico de Energia Elétrica (Mibel), quase o dobro dos cerca de 50 euros que vigoraram durante parte de 2020.
Mercado liberalizado
Enquanto o mercado regulado já sofreu um aumento de 3% este mês, quem está no mercado livre não deverá sentir já o impacto. A EDP Comercial disse ao JN que a empresa, com 4,7 milhões de clientes, "decidiu não mexer nos preços até ao final deste ano". Fonte da Iberdrola assegura que segue "uma estratégia de aprovisionamento que protege o cliente durante o período contratual". Todavia, se a pressão nos preços grossistas se mantiver elevada, a empresa "terá de ir refletindo, na menor medida possível, ajustes mediante uma revisão de valores".
Nuno Ribeiro da Silva, CEO da Endesa, assegura que "não será efetuado aumento nos contratos já feitos com os clientes", mesmo que em certas situações esteja "a perder dinheiro". E mesmo para novos contratos, "não está previsto, para já, refletir nos clientes o aumento do mercado grossista", embora o cenário possa alterar-se. No caso do gás, apesar da pressão, "há contratos com fornecedores com algum prazo, que têm permitido que não haja uma repercussão imediata nos preços".
DETALHES
Esperança nas renováveis
Como não é crível que a taxa de carbono baixe, antes pelo contrário, só a implementação de energias renováveis e uma menor dependência das centrais a gás natural pode levar a um abrandamento dos preços, mesmo que lento.
Espanha alivia preços
Para mitigar a pressão do Mercado Ibérico de Energia Elétrica (Mibel), o Governo espanhol decidiu baixar, este mês, o IVA sobre a eletricidade de 21% para 10% para todos os consumidores. Nuno Ribeiro da Silva gostaria de ver uma medida semelhante por cá.
Não se percebe porque sobem tanto os combustíveis
Família de Freixiel, Vila Flor, queixa-se que a vida está cada vez mais cara e o dinheiro não estica.
O aumento do preço dos combustíveis é aquele que, no âmbito das energias essenciais, a família Pires está a sentir mais. A fatura da luz mantém o custo já suportado nos últimos meses, à volta de 85 euros. Nas duas botijas de gás que consome mensalmente, gasta 50 euros, mais coisa, menos coisa.
Com dois carros em casa, em Freixiel, concelho de Vila Flor, atestar os depósitos "significa já bastantes euros a mais", de acordo com Isidro Pires, embora não consiga precisar o valor exato. Tem mais noção do consumo na carrinha da padaria com a qual faz, diariamente, a volta por várias povoações para entregar pão e pastelaria. "Do verão passado para este, são mais 15 euros por depósito". Normalmente abastece seis vezes por mês e já procura ir a marcas brancas de gasóleo para conseguir preços mais baixos.
"Não se percebe porque sobem tanto os preços de tudo, sobretudo do gasóleo e da gasolina", acrescenta a mulher, Anabela, que desconfia sempre das intenções do mercado. "Cá para mim, como não subiram os preços no ano passado por causa da pandemia, arranjaram forma de aumentar agora tudo de uma vez".
E o pior é que está convencida de que, "por causa do aumento do custo do gasóleo, não tarda vai começar a subir o preço de tudo". "O pão não pode ficar mais caro, senão as pessoas não aguentam", atalha o marido, que lembra que "os ordenados não sobem da mesma forma".
O filho, Alexandre, estudante universitário, ainda não sabe muito bem como é fazer contas domésticas. Quem paga são os pais, mas mesmo assim acha caro o serviço de televisão e Internet que tem em casa, cuja velocidade é "uma vergonha". A fatura é mais cara que a da luz. Não vai ser aumentada, por agora, por estar no mercado não regulado e a EDP Comercial já ter garantido que não vai subir os preços até ao final do ano.
Na casa dos Pires, está contratado um pacote de eletricidade que inclui seguros de saúde e, por isso, dá desconto. Agora, Anabela, empregada doméstica, espera bem que "não haja mais aumentos", pois o preço já lhe parece bem alto. É que se começar a somar tudo, entre luz, gás, comunicações e água, "não chegam 300 euros mensais".
