As alterações climáticas ameaçam a produção vinícola do Douro Superior e do Alentejo e mudarão a paisagem vinhateira, que é hoje Património da Humanidade. Dentro de apenas 30 ou 40 anos e até 2100, a paisagem do Douro Superior sofrerá modificações com a deslocalização de vinhas. A cultura vinícola poderá ser inviável, se não forem tomadas medidas como a rega, embora a água seja cada vez mais escassa.
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"Não se pode antecipar já se a viticultura vai continuar a sobreviver daqui a 40 anos", mas será necessário aplicar muitas medidas, avisa o climatologista João Carlos Santos, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Com o aumento global das temperaturas, a diminuição das quantidades de precipitação, secas mais frequentes e intensas, sobretudo na primavera e no outono, grande parte das sub-regiões e denominações de origem dos vinhos do país vai ser afetada. Portugal é, hoje, um dos principais produtores mundiais de vinho.
É uma das conclusões, para o território luso, do projeto internacional Clima4Vitis - Mitigação do Impacto das Alterações Climáticas na Viticultura Europeia, coordenado por uma equipa da UTAD, que produziu uma base de dados sobre as mudanças na Europa, um livro branco com recomendações e dezenas de artigos. Nos cenários de alterações climáticas mais gravosos, a vitivinicultura poderá ser inviável, porque as temperaturas elevadas afetarão o ciclo vegetativo da planta e a fotossíntese e faltará água com menos chuvas e maior evapotranspiração.
Num artigo sobre as condições bioclimáticas das denominações de origem portuguesas, investigadores da UTAD concluem que as regiões do Sul e do Alto Douro apresentam secura moderada, o noroeste é predominantemente húmido e as restantes são sub-húmidas.
Secura extrema
Esperam-se condições mais quentes e secas em todo o país, áreas húmidas diminuirão substancialmente e desaparecerão mesmo no cenário mais severo e as regiões do sudeste e do Douro Superior terão condições de extrema secura.
No Douro Superior e no Alentejo, projeta-se seca severa. A irrigação, que não é tradicional na vinha, será exigível para manter a produção e a qualidade próximas dos níveis atuais. Se a rega for inviável, devido à escassez crescente de água, as condições para a viticultura serão inadequadas. Já nas regiões dos Vinhos Verdes, Lisboa e Beira Atlântico, as mudanças poderão beneficiar parcialmente com climas mais quentes.
Combinando o Índice de Secura e o Índice de Huglin, que considera as temperaturas, o estudo chegou a onze classes bioclimáticas - de 1 (de húmido e muito frio) a 11 (excessivamente seco e muito quente).
No horizonte 2071-2100, a região dos vinhos verdes, a mais húmida (classes 1 ou 2) passará, no cenário mais severo de aumento da temperatura (RCP8.5), para as classes 4 e 5 (sub-húmida a moderadamente seca e temperada a quente). O Douro Superior (e Cima-Corgo), que já vive intenso stress hídrico no verão, passará da classe 5 para 9 (muito seca e muito quente).
O Alentejo chegará às classes máximas, com climas muito secos e muito quentes, e a viticultura poderá ser significativamente limitada. As denominações de origem Granja-Amareleja e Reguengos registarão os climas mais quentes e secos.
Moreto e Antão Vaz só nas zonas secas
As castas Espadeiro, Borraçal e Vinhão da região dos Vinhos Verdes deverão manter-se nas zonas frescas e húmidas, mas em condições mais quentes e mais secas. No futuro, as variedades Moreto, Antão Vaz e Castelão, características do Alentejo, poderão vir a ser encontradas apenas nas zonas mais quentes e secas, como são mais adaptadas a climas muito quentes. A casta Alfrocheiro, nativa do Dão e também presente no Alentejo, Tejo e Palmela, será predominante nos climas muito quentes e secos. Tal como o Castelão, característico do Tejo, Lisboa, Península de Setúbal e Alentejo.
Quando já é preciso aplicar protetor solar às videiras
Apesar de a vinha ser uma cultura mediterrânica bastante adaptada, "nas condições futuras" e nalgumas regiões, esta cultura tradicionalmente de sequeiro terá de ser ajudada com irrigação através de "sistemas gota a gota, de forma controlada e com sensores que avaliam o potencial hídrico das plantas e as necessidades que lhes permitam sobreviver", avisa o coordenador do projeto Clima4Vitis.
É uma das estratégias de adaptação preconizadas no "Livro Branco Viticultura e Alteração Climática na Europa", produzido no projeto. Mas todas têm de ser estudadas caso a caso. "O Douro Superior não é a mesma coisa que o Baixo Corgo ou Viana do Castelo ou o Alentejo", nota João Carlos Santos.
A medida, de longo prazo, mais visível é a relocalização de vinhas para latitudes e altitudes mais elevadas, zonas costeiras e com radiação solar mais baixa. Mas com atenção, para que não se produzam alterações dramáticas nas regiões onde a viticultura pode vir a ser económica e ambientalmente insustentável.
"No caso das mais velhas e "castigadas" que seja preciso arrancar, pode-se pensar já em mudar a localização, ou quando se planifica novas, pode-se pensar noutros locais, em zonas de microclima", avança. A receita, sujeita a estudo local, tem orientações genéricas: além de zonas mais altas, locais que exponham menos a planta à radiação solar intensa, mais orientadas a poente do que a nascente.
Poda adaptativa
Deve-se pensar, também, no sistema de condução da vinha, na orientação das fileiras, em podas adaptativas, de forma a que a vinha fique com mais capacidade para resistir a temperaturas mais altas e ao stress hídrico ou térmico. A poda no final do inverno pode atrasar o início da brotação e a fase de amadurecimento e a redução da relação entre área de folhas e peso do fruto pode reduzir o consumo de água e retardar a maturação.
Outra medida já em uso nalgumas zonas, para proteger as folhas e as uvas do escaldão pela radiação elevada, é a aplicação de soluções de argilas quimicamente inertes, como caulino. Este protetor solar, com camada branca que forma, reflete a luz do sol e não bloqueia a fotossíntese. Embora não resolva completamente o problema, reduz a temperatura foliar, explica o cientista.
O "Livro Branco" alude, também, à utilização de telas de proteção da vinha - redes de sombreamento que já podem observar-se nalgumas explorações.
A proteção dos solos, coberturas vegetais designadamente com leguminosas como a tremocilha, que permitam reter água, combater a escassez hídrica e incorporar nutrientes, é outra medida preconizada.
João Carlos Santos considera importantíssimo fazer melhor seleção de castas com variedades e clones mais aptos para as futuras condições. "A limitação é que ainda há muita investigação a fazer, porque ainda falta muita informação".