Odemira tem uma das mais elevadas taxas do mundo de suicídio. Especialistas reclamam verbas para combater o flagelo na região alentejana.
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O concelho alentejano de Odemira tem uma das mais altas taxas de suicídio do mundo. "O número de mortes chega a ultrapassar as 50 por 100 mil habitantes", diz Sofia Tavares, psicóloga e membro da Associação Sobre Viver, instituição sedeada em Évora que nasceu este ano para ajudar e apoiar o sobrevivente durante a sua jornada de luto, combatendo o estigma em volta do suicídio.
O tema do suicídio perpassou o debate "Descobrir Mentes" realizado, ontem, na Rádio Telefonia do Alentejo, no âmbito de uma parceria entre o JN, a TSF e a farmacêutica Janssen. Os números explicam a importância do tema na região. "A taxa de suicídio no Alentejo é o dobro da média nacional", refere Ana Matos Pires, diretora do serviço de Psiquiatria do Baixo Alentejo. Os últimos dados oficiais publicados em 2017 pelo Instituto Nacional de Estatística mostram que, na região alentejana, há 54,2 mortes por suicídio por 100 mil habitantes, contra 22,4 no restante território nacional.
É também no Alentejo que problemas como a depressão, a ansiedade e a demência ganham maior expressão em Portugal. O estado da saúde mental nesta região é, na verdade, uma espécie de círculo vicioso. Fatores como as dificuldades económicas, o desemprego, o isolamento, a iliteracia e o envelhecimento, associados à falta de redes sociais de apoio, reclamam um olhar atento. Sucede que a crónica falta de recursos humanos, sobretudo nas áreas da psicologia e da psiquiatria, associada às dificuldades de acesso aos cuidados de saúde e à falta de "estruturas física decentes", para usar a expressão de Ana Matos Pires, não permitem responder eficazmente ao problema.
Teresa Reis, psiquiatra e presidente da MetAlentejo, associação para o bem-estar psicossocial da comunidade, não vê outra saída: "É preciso dinheiro", assinalou, para acrescentar: "E é preciso que, como tem acontecido historicamente, o dinheiro que é suposto vir para a saúde mental não seja, à última hora, desviado para outro lado. Depois, é ainda necessário que as verbas sejam bem distribuídas. As IPSS [Instituições Particulares de Solidariedade Social] que trabalham nesta área não podem ficar fora dessa distribuição". Sofia Tavares concorda: "São as IPSS que muitas vezes assumem o papel que cumpre ao Estado. Se assim não fosse, estaríamos num "deserto" ainda maior", no que diz respeito aos cuidados de saúde mental prestados no Alentejo.
Sofia Tavares soma mais um exemplo da escassez. "Temos 250 psicólogos nos cuidados de saúde primários em Portugal, o que dá uma relação de um psicólogo por cada 40 mil utentes. Ora, as recomendações internacionais apontam para um psicólogo 5 mil utentes. Sem isso, colocamos em causa não só o diagnóstico atempado dos doentes, mas também a adequada continuidade dos tratamentos necessários".
A pandemia tenderá a agravar a situação? Teresa Reis julga que sim. "É expectável que, em regiões com níveis socioeconómicos baixos, como o Alentejo, o impacto tenha sido maior. Já notamos, nos hospitais e em instituições como a MetAlentejo, um número de pedidos de ajuda para os quais não temos capacidade de resposta."
Como sair daqui? "O principal passo é a verdadeira integração de cuidados", responde Ana Matos Pires. "A saúde mental não pode estar fechada dentro de um hospital, tem que fazer-se com a comunidade e com os cuidados de saúde primários. Se não for assim, daqui a 10 anos estaremos rigorosamente na mesma."