Rui Reininho e Tóli César Machado revisitam percurso de mais de quatro décadas. Histórica banda é uma das atrações do JN North Festival, de 26 a 28 de maio.
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A um mês e meio do arranque do JN North Festival, os GNR antecipam o concerto na Alfândega do Porto com que vão assinalar mais de quatro décadas de carreira. Numa conversa sem filtros, Rui Reininho e Tóli César Machado recordam um percurso invulgarmente rico e revelam que já há canções para um novo disco, ainda sem data de lançamento.
Ao cabo de tantos anos e concertos, tocar no Porto ainda tem um significado especial para vocês?
Tóli César Machado (T.C.M.) Claro que tem. E em frente ao rio, mais ainda.
Não deve haver muitos locais no Porto onde ainda não tenham tocado...
T.C.M. Curiosamente, tocámos há poucas semanas no Pavilhão Rosa Mota, o que nunca tinha acontecido.
Rui Reininho (R.R.) Temos histórias absurdas. Recordo-me que fomos convidados para atuar na apresentação de um festival e depois não fomos convidados para o festival. Lembras-te?
T.C.M. Não me lembro... Não foi o Porto 2001?
R.R. Sim, sim! Que história... De resto, o único sítio emblemático onde nos falta atuar é o Teatro São João.
O que estão a preparar para o JN North Festival?
T.C.M. Vamos ter um repertório mais pequeno e eficaz.
Baseado nos êxitos?
T.C.M. Não necessariamente. Mais forte, sem a habitual parte lenta. Será sempre em quinta velocidade.
Quando começaram, as bandas atuavam em qualquer lado. Como veem as mudanças ocorridas?
T.C.M. Foi uma evolução normal. Há 15 anos, as coisas mudaram. Para melhor.
O improviso não acicatava o lado mais criativo?
T.C.M. Nem sempre. Recordo-me que, num concerto no Algarve, nem palco havia! Era uma lona no chão. Nem havia corrente suficiente...
R.R. E aquele concerto em Lourosa, onde as couves eram mais altas do que as torres de iluminação?
T.C.M. Mas isso já era um palco de luxo, à beira de outros que tivemos!
R.R. Sim. Em Ferreira do Alentejo foi em cima dos tratores. Foram situações dessas que nos deram o toque de grupo de todo o terreno.
T.C.M. Os públicos eram diferentes. Havia os que atiravam coisas para o palco...
Vivia-se de forma mais apaixonada?
T.C.M. Em certas coisas, sim. Eram outros tempos.
R.R. Também tínhamos outra disponibilidade para levar com um tomate na cabeça e ir lá abaixo... Agora há uma maior indiferençazinha no geral. Houve uma fase em que as pessoas saíam a meio. Isso acontece nos festivais. Vieram tornar as pessoas tribais, interessadas em ver a sua banda preferida e ficar nos bares o resto do tempo.
Poucas bandas chegam aos 40 anos e a maioria teve períodos de hibernação, o que não é o vosso caso. Isso dá outro significado à vossa longevidade?
R.R. É extraordinário. Vemos gente a fazer comemorações um pouco estranhas. Este ano, por exemplo, eu faço 30 anos de casado, só que estou separado há 20... [risos] A toda a hora, vemos estes reaparecimentos e ameaças de que agora é que vão mesmo acabar. Nós nem a tiro. De morteiro.
T.C.M. Claro que, no nosso caso, tem outro sabor. Nunca parámos. Nem tivemos um ano sabático sequer.
R.R. A gente às vezes quer parar um bocado. O Tóli é que não deixa...
Como procuraram manter a proximidade nos dias da pandemia?
T.C.M. Enquanto houver espetáculos, não é preciso haver grandes ensaios. As coisas vão fluindo. Claro que a experiência também conta. São muitos anos a assar frangos.
R.R. Comigo, é curioso, porque o piloto automático salta nesse período. No outro dia, quando apareci no sound check já estavam a fazer o som e, mesmo sem ensaio, teletextos ou pautas, interpretei tudo. Não sei se foi do Memofant, mas as coisas estão na memória.
Esse é o lado bom de estarem juntos há tanto tempo. Mas como procuram evitar cair na rotina?
T.C.M. Enquanto nos estivermos a divertir, a chama mantém-se.
R.R. É preciso gostarmos das pessoas e que elas gostem de nós.
T.C.M. Há músicos bons que tocaram connosco e, ao fim de um ano, fartam-se. Não gostam de tocar ao vivo. Ficam cansados e param.
A capacidade de se reinventarem tem-vos ajudado a superar os anos?
T.C.M. Modéstia à parte, é uma característica que temos. De disco para disco, fazemos sempre diferente. O que não acontece com os Xutos e outras bandas, que seguem sempre o mesmo rumo. Por vezes, isso levou-nos a dar uns tiros no pé.
Esses "tiros nos pés" têm a sua importância?
T.C.M. Há que correr riscos. Se calhar, as editoras queriam que fizéssemos sempre o "Rock in Rio Douro".
Sofreram pressões?
T.C.M. Por acaso, nunca sentimos isso na pele.
R.R. Essa recusa acabava por dar-nos mais trabalho, porque surgiam discos que não eram óbvios. Mas isto mudou muito entretanto. Não será surpresa nenhuma se, daqui a um ou dois anos, estes novos formatos substituírem os anteriores por completo. O streaming é um assalto à mão armada.
O retorno financeiro é baixo para os artistas?
R.R. Não sei para onde vai a massa toda. Não dá para comprar umas sapatilhas novas sequer. O retorno é ridículo. As verbas devem ir para outro lado. Se ao menos fossem para as ONG... É um bocado como os governos: as verbas vão para companhias de aviação que não aterram no Porto.
Como lidaram com a popularidade excecional que chegaram a ter depois do "Rock in Rio Douro"?
T.C.M. Assustou-nos um bocadinho. Foi por isso que começámos a mudar um pouco e a arriscar mais. Depois da saída desse disco, decidimos não fazer mais televisão. O que hoje em dia não faz sentido nenhum. É um suicídio.
R.R. E playbacks? Nunca mais. Já não tenho cara para aquilo. Obrigava-me a decorar pontualmente as letras que tinha escrito.
T.C.M. Não estávamos mentalmente preparados para um êxito assim.
Há sete anos que não lançam um disco de originais. É para breve?
R.R. Penso nisso. Acordo todos os dias com esse desejo e angústia. Mas tem que ser qualquer coisa de especial.
Tem que ser diferente de tudo o que já fizeram?
R.R. Tem que ser...
T.C.M. Tenho um ponto de vista diferente. Há coisas gravadas e quando o Rui quiser pode-se tentar...
A pandemia obrigou-vos a alterar as celebrações dos 40 anos da banda. Ficam adiadas para os 50?
R.R. Os 50 já são uma proveta idade. Tenho a memória de ver o Sinatra a cantar e de alguém a dizer "Frank, os primeiros 80 anos".
T.C.M. Mas com essa idade ele já não sabia onde estava.
R.R. Sim, de Las Vegas para a Maia.
Preferem planear ano a ano?
T.C.M. Claramente. Abusa-se muito dos aniversários.