Estamos em plena “silly season” e seria de esperar uma certo relaxe por parte de produtores e consumidores. Sabemos que, face às constrições de mercado, é a atitude certa. Este verão, contudo, está a mostrar-se capaz de nos surpreender com propostas muito sérias.
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Com o sugestivo nome de Génese, o mago da casta Alvarinho Luís Cerdeira lançou mais um vinho com o filho Manuel, e parece que a torrente tende a crescer. Bom para nós, que apreciamos o talento. Também da região dos vinhos verdes, José Domingues, enólogo criador de vinhos de quem podemos esperar sempre o melhor, acaba de lançar um muito original branco da casta Cainho. A Barcos Wines, da Adega de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez, tem nesta seleção o vinho mais pontuado: acaba de colocar no mercado um estreme de Loureiro estagiado em madeira de acácia que mostra uma configuração inédita da casta. Da Quinta de Arcossó, em Trás-os-Montes, vem um tinto genial e exemplar, mostrando a vitalidade acrescida de uma região que não pára de nos surpreender. O Douro marca presença com dois vinhos de grande elegância, fora dos cânones usuais, reforçando o seu ecletismo. Do Dão selecionámos um vinho cheio de charme e carga familiar, feito com uvas colhidas por avô e neta. Da Bairrada chega-nos um Maria Gomes de gabarito. Da região de Lisboa um branco surpreendente e cativante. E, do Alentejo, um vinho que promete tornar-se clássico. Mais matizado é impossível – prepare-se para abastecer a sua cave com o inteiramente novo. Boas provas!
Génese
Alvarinho Monção e Melgaço Verdes branco 2024 (12,5%)| Vinevinu
15 euros
Pontuação: 17,5/20
Estreme da casta Alvarinho, em que Luís (pai) e Manuel (filho) são particularmente fluentes. Vinevinu é de resto o projeto inaugural a dois. O Génese é um vinho de encosta, solos graníticos, arenosos e baixo teor de argila. Fermentação alcoólica lenta em inox com malolática parcial. Vinte por cento do lote estagiou em barricas mixtus, produzidas a partir de madeiras diferentes. O resultado é intenso e ao mesmo tempo harmonioso. Notas aromáticas vibrantes, cítricas e tropicais. Na boca é copioso, sem perder a elegância. Excelente com salmão fumado.
Ponte da Barca Loureiro Acácia Sobre Lias
Verdes branco 2022 (11%) | Barcos Wines
50 euros
Pontuação: 19/20
A casta Loureiro é central na história e desempenho na região dos vinhos verdes, é aí que se manifesta em todo o seu esplendor. O vinho absolutamente notável que a Adega Cooperativa de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez acaba de lançar é um dos melhores exemplos de excelência a que a casta conseguiu chegar. Será talvez preconceito da minha parte, mas nunca esperei que de uma adega cooperativa viesse tal exemplo. É mais expressivo na boca do que no nariz, entra suave e revela-se em camadas de forma cativante e única. Excelente com bacalhau à Gomes de Sá.
Quinta de Arcossó Grande Reserva
Trás-os-Montes tinto 2021 (14,5%)| Quinta de Arcossó
22 euros
Pontuação: 18/20
A região de Trás-os-Montes representa uma certa resistência face às regiões vizinhas mais antigas e mais enraizadas. Amílcar Salgado tem raízes em Arcossó e juntamente com o enólogo Francisco Montenegro tem vindo a trabalhar cada bago das suas videiras como preciosidades. Sintoma dessa atitude é a tríade de castas componentes, com vinhas a 400 metros de altitude e declive de 20%: Touriga Franca (50%), Tinta Roriz (25%) e Tinta Amarela (25%). Pisa a pée estágio em barrica, sem qualquer manipulação química. Irá muito bem com perdiz estufada.
Preguiça Reserva
Douro tinto 2023 (14%)| Casa António Fraga
12 euros
Pontuação: 17/20
Vinhas no Cima Corgo, autêntico legado familiar, gerido como tal, o que significa intervenção mínima. A verdade é que estamos perante um caso de história a ser criada em tempo real. Encepamento clássico, castas Touriga Franca (50%), Touriga Nacional (30%) e Tinta Roriz (20%). O regime de produção é quase de “field blend”, pelo que a comparação do que se obtém de um ano para o outro resulta da expressão direta da vinha. Estágio de seis meses em barricas de carvalho francês. Aromas de frutos vermelhos e bagas de arbusto, boca copiosa com tonalidades cítricas. Ideal para feijoada à transmontana.
Truques
Douro branco 2024 (13%) | Quevedo
9 euros
Pontuação: 17/20
Óscar Quevedo tem um longo historial de vinhos no vale do Douro. Na série que intitulou de Truques, pretende mostrar a versatilidade e modernidade do grande vale vinhateiro, através de vinhos simples mas cheios de intencionalidade. Neste branco, utilizou Viosinho (37%), Arinto (34%), Gouveio (19%) e Fernão Pires (10%), conferindo-lhe por um lado grande ecletismo em termos de harmonizações possíveis com comida, por outro forte tropicalidade, que não é apanágio dos brancos durienses. Este branco tem ampla aptidão para a mesa, acompanhando bem bacalhau gratinado no forno.
Vinha da Neta
Dão branco 2022 (12%) | Quinta do Sobral
35 euros
Pontuação: 18,5/20
Aqui está um vinho branco que representa tudo o que o Dão advoga e defende. Elegância, carácter e longevidade. Composto pelas castas Encruzado, Cerceal, Malvasia e Barcelo, enologia a cargo de Patrícia Santos. O proprietário Nélson Simões quis produzir este vinho muito especial com a sua neta Marta Simões e assim construir um legado eminentemente familiar. As uvas que compõem este vinho branco foram exclusivamente colhidas por avô e neta, criando de imediato uma ligação familiar que passa pelo compromisso de o continuar. Boa ligação com caril de frango à goesa.
Beta Maria Gomes
Bairrada branco 2024 (13%) | Beta
19 euros
Pontuação: 17,5/20
Produzido a partir da casta Maria Gomes, colhida manualmente em Ventosa do Bairro, este vinho branco teve fermentação parcial em inox e estágio em barricas de 500L com bâtonnage. Os vinhos Beta têm forte carga experimental e pretendem constituir novos horizontes enológicos. Igor Lima é o mentor e autor da marca, com muito ainda para dar à enologia portuguesa. Aprecia-se particularmente a elegância e a acidez fixa, a que se junta um grupo de amargos que tornao vinho particularmente gastronómico. Desempenho surpreendente com cozido à portuguesa.
Quinta do Monte d’Oiro
Lisboa branco 2024 (13,5%)
11 euros
Pontuação: 17/20
Produção em modo biológico. Lote constituído por uvas das castas Viognier, Arinto e Marsanne. Excelente vinho branco, preço claramente imbatível. Impressionou-me sobretudo pela precisão e foco de todos os componentes, contribuindo para que a impressão em boca se mostrasse majestosa. Fermentou em inox e estagiou cinco meses em cuba inox. Pode ser consumido como vinho de aperitivo, mas é brilhante com queijos de pasta mole e pratos com cogumelos. A ligação mais eficaz foi com sushi e tempura, ganhando jovialidade e crocância.
Havendo Tempo
Alentejo branco 2023 (13%) | Adega Cooperativa de Borba
40 euros
Pontuação: 18/20
A Adega de Borba acaba de revelar esta nova marca, focada em vinhos sofisticados e que devem ser apreciados com calma e paixão. Uma filosofia rara numa adega cooperativa, supostamente mais orientada para o consumo e circulação rápida do que para a produção de vinhos de guarda. Produzido a partir de uvas das castas Roupeiro, Rabo de Ovelha e Arinto, estagiou seis meses em barricas de carvalho francês, americano e castanho. O tempo passado em cave escura tornou o vinho apto a harmonizações especiais. Excelente com ensopado de borrego.