Valorizar o trabalho das bordadeiras da Madeira, o seu talento e arte, é o que pretende o projeto Bailha. Arrancou em 2021 pelas mãos de David Oliveira, que, juntamente com a sua mãe Helena, está a resgatar estas artesãs da invisibilidade, contrariando a lógica da indústria.
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David Oliveira cresceu a ver a sua mãe e a sua avó a bordar. Nascido no Estreito de Câmara de Lobos, na ilha da Madeira, viveu a infância na ruralidade. “A minha freguesia tinha uma cultura muito forte de bordado. Lá se encontravam o maior número de bordadeiras da ilha”, conta. A indústria, impulsionada desde meados do século XIX por ingleses e alemães, deu visibilidade à ilha e à arte, mas não às mulheres que de facto a faziam. É desta invisibilidade que o projeto Bailha quer resgatar as artesãs.
O arquiteto de 30 anos, que estudou no Porto e em Oslo, na Noruega, é desde há muito, um interessado na paisagem cultural da sua ilha e na sua valorização. Já esteve envolvido no projeto de candidatura Levadas da Madeira à Lista do Património Mundial da UNESCO e fez o mestrado sobre a paisagem vitícola da Madeira.
“Quando regressei a casa, comecei a pensar como fazer sentido das experiências que tive fora enquanto arquiteto e investigador.” Todas o levaram ao Bailha, que cruza arte, cultura local e consciência social. O nome remete para os bailes madeirenses, sendo a forma popular de se dizer “bailar”. Além disso, era alcunha dos seus avós, que na vila piscatória de Câmara de Lobos tinham um pequeno restaurante. “O meu avô tocava acordeão e a minha avó bailava para animar os clientes. Mas o bailhar não se resume a isso, pois “há também ilha no bailhar”, refere.
Neste projeto, que junta a sua mãe, Helena da Silva, a outras duas bordadeiras, Sara Faria, de 85 anos, e Dorina Pita, de 50, quer dar-se um novo sentido ao bordado, dignificando as mulheres que o fazem. “O bordado como indústria, promoveu a submissão das bordadeiras. São exímias e talentosas no que fazem, mas nunca foram bem recompensadas”, lamenta.
“Temos consciência que a atenção deve estar na bordadeira e não apenas no produto. É importante saber em que condições o fazem e qual a sua qualidade de vida.” A mãe Helena, já reformada, “adora bordar”, mas essa não é a realidade de todas as bordadeiras da ilha. “Muitas mulheres ainda olham com dor e repulsa para o bordado”, porque foram exploradas. O Bailha foi assim desenvolvido como “crítica à indústria”.
A ideia é trabalhar o bordado em vestuário, com desenhos que remetem para a cultura madeirense (bananas, papaias, flores, vilhões, entre outros motivos), seja de t-shirts, sweatshirts ou camisas (sem indicação de género) e também em tote bags. E como é tudo bordado individualmente, não há lugar para duas peças iguais. David considera que é também importante “perceber a origem da matéria-prima”. Por isso, o tecido utilizado é de qualidade premium. Além das t-shirts em algodão orgânico, há camisas de linho com bordados mais complexos.
O projeto desenvolve também workshops com a comunidade local e várias parcerias, como foi o caso dos guardanapos para o hotel Barceló Funchal Oldtown ou o Trégua, uma residência de bordado no Estabelecimento Prisional do Funchal onde os reclusos aprenderam a bordar. As peças podem ser descobertas online, na página bailha.pt ou em lojas como A Vida Portuguesa e a D’Olival Casa . Os workshops vão regressar em setembro ao Centro Cívico do Estreito de Câmara de Lobos.