São cinco os restaurantes que Vasco Mourão gere atualmente. Entre comida italiana, petiscos sofisticados e cozinha de influência francesa, os espaços do empresário destacam-se pelo cosmopolitismo. No entanto, o Cafeína, que veio dar nome ao grupo que gere, não foi a sua primeira aventura na restauração.
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Em 1989, era estudante de Direito. O que o levou a enveredar pelo negócio da restauração, com a Esplanada da Praia da Luz?
Estava desencantado com o curso, estudava por pressão familiar. Um dia, um amigo falou-me de uma concessão balnear. Na altura, as esplanadas que existiam eram exploradas por pessoas que não eram daqui da Foz e muitas nem do Porto. A minha geração tinha alguma tendência para se lamentar. Vinham pessoas de fora descobrir isto e nós andávamos a dormir.
O que quiseram fazer na Praia da Luz?
Abriu como um negócio um pouco improvisado. No primeiro ano, foi rudimentar. Mas logo a seguir tivemos a concorrência da Praia de Gondarém, que na altura pertencia aos Cafés Buondi, que eram da RAR [Refinarias de Açúcar Reunidas]. Tinham capacidade financeira e muito bom gosto.
Isso mudou o negócio?
Sim, porque eram nossos concorrentes diretos. Por outro lado, descobri naquela atividade o gosto e a vocação que até aí não tinha encontrado. O facto de ter um concorrente exigente fez com que a Praia da Luz evoluísse rapidamente. Foi sobretudo a partir de 1991 que a Praia da Luz se tornou uma esplanada emblemática.
Depois, cobriram parte da esplanada.
Isso foi na minha reta final. Saí em 1997. O meu sócio ficou com a Praia da Luz e eu fiquei com o Cafeína, aberto em 95, e com o Café na Praça, nos Clérigos.
Foi devido à sazonalidade da esplanada que quis abrir um espaço fechado como o Cafeína?
Andava às voltas com essa questão. Porque no Café na Praça a maioria dos lugares era também ao ar livre. Nessa altura, estive na Alemanha e conheci bem os cafés e restaurantes, como havia na maior parte das cidades da Europa. Sítios animados, em casas antigas. Eu vim de lá com aquela ideia e disse a um amigo que, se me arranjasse um espaço com essas características, ficava meu sócio. E assim foi. Ele passou aqui uns dias antes da Páscoa de 1994 e viu o letreiro para alugar. O edifício tinha sido uma casa de habitação e estava muito degradado.
Pensou logo em servir uma cozinha de influência internacional?
Na altura, contratei um chef da Escola de Hotelaria do Porto para fazer a consultoria. Portanto, teve logo uma cozinha mais sofisticada.
Como é que era o Porto na altura? Havia restaurantes com essas propostas?
O Porto vivia uma época de grande animação. Era o período da discoteca Indústria, do Quando Quando. Era uma zona onde as pessoas vinham à noite para se divertirem. E havia bons restaurantes tradicionais. Na Foz, tinham uma conceção algo burguesa em tudo: no layout, na comida... Eram restaurantes normalmente explorados por antigos concessionários de clubes de ténis ou de golfe e que traziam o tipo de comida que se fazia nesses sítios, gratinados, era a cozinha burguesa dos anos 60 e 70.
O Cafeína quis quebrar com isso?
O Cafeína foi uma pedrada no charco, até em termos de atmosfera. Os estrangeiros que vinham ao Porto, vinham em trabalho. Esse tipo de clientes acabou por cair cá todo. Viram no Cafeína um restaurante com semelhanças com o que encontravam em grandes cidades europeias. Era isso que eu pretendia. O chef elaborou uma carta que misturava comida portuguesa e influências francesas. E resultou.
Sempre teve muitos clientes do meio artístico?
Sim, e isso ajudou a projetar o Cafeína para lá da Foz. Essa ligação deu-se durante os anos iniciais do Café na Praça. Tornei-me muito amigo do Paulo Abrunhosa [irmão de Pedro Abrunhosa]. E quando o Cafeína abriu, também vieram. O espaço vivia de uma mistura: as gentes da Foz, os estrangeiros e o meio artístico.
Ao longo destes 30 anos, o que foi mudando na cozinha?
Manteve-se nesse tipo de comida, mas mudando. Durante os primeiros anos ,era eu que orientava a cozinha, agora tenho o Camilo Jaña. Mas sempre houve compromisso entre aquilo que os clientes gostam e aquilo que queremos implementar. Um restaurante, para manter o sucesso ao fim dos 30 anos, tem de evoluir. Mas isso também tem a ver com a minha maneira de ser, sou uma pessoa muito irrequieta.
Há algum prato que tenha na carta desde o início?
O mais emblemático é o tornedó Wellington e é o que vendemos mais. Durante a covid, fizemos uma grande reformulação e quando reabrimos tínhamos uma nova versão do Wellington, que acho melhor do que a anterior.
Depois do Cafeína, vieram outros restaurantes e descobriu o chef Camilo Jaña, agora responsável pela cozinha de todos os espaços.
Em 99, já tinha tido um restaurante em Matosinhos, o Trinca Espinhas. Aqui na Foz, em 2000, abri o Oriental, que em 2004 se transformou no Terra. O Camilo Jaña entrou em 2006. Com ele, abri o Porta Rossa, a Casa Vasco, o Panca (que já fechou). E agora também temos o Lucrécia. Sinto a necessidade de ter espaços para diversos tipos de cozinha.
Em tantas décadas, o país passou por várias crises. Como aguentou os negócios?
A crise económica de 2010-12 foi realmente difícil e eu estava sempre a pensar em fazer coisas para animar o negócio. Acabei por contrariar a crise com o famoso bacalhau à Dilma.
Um prato dedicado à então presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Como é que isso aconteceu?
Ia ser o Dia Internacional da Mulher e eu estava a pensar no que fazer para atrair clientes. A Dilma estava de viagem e parou no Porto. O embaixador do Brasil sugeriu à presidente vir cá comer um prato de bacalhau que fazia parte da carta do Terra. Decidi dar-lhe o nome de bacalhau à Dilma. Isso teve uma grande repercussão no Brasil. Durante dois anos, muita gente veio ao Cafeína de propósito para comer o prato. Passados uns anos, tive de o retirar porque muita gente deixou de gostar da Dilma, mas isso também foi notícia no Brasil. Esse episódio ajudou-me a ultrapassar a crise.
Em 2018, o Grupo Cafeína foi comprado pelo Grupo José Avillez, tendo o Vasco passado a sócio minoritário. E em 2020, durante a pandemia, voltou a comprar tudo.
Essa época foi muito radical e fui confrontado com a emergência da situação. Ou eu dava esse passo ou podia correr mal.
Tem algum sonho de restauração ainda por concretizar?
Não posso ver este negócio como "sonhos", porque é difícil. Em teoria, gostava de ter uma marisqueira, mas contei isso a um conhecido meu de um restaurante de peixe e ele disse-me logo: "Nem pense nisso! Já imaginou um dia entrar na marisqueira de manhã e ver o stock a boiar?!". A verdade é que todas as noites morrem bichos no aquário. Pois, o tipo tem razão [risos].
Nova carta em parceria
A carta de outono do Cafeína está a ser feita a quatro mãos. Será uma parceria entre Camilo Jaña e o chef Francisco Meireles. Isto porque, para celebrar os 30 anos da casa, os dois chefs fizeram um jantar em conjunto. E correu tão bem que decidiram colaborar na próxima carta.