No debate televisivo com Luís Montenegro, a coordenadora do BE usou o caso da avó para criticar a lei do Novo Regime de Arrendamento Urbano (conhecida por lei Cristas) e atacar o líder do PSD. A verdade é que o assunto ainda faz correr tinta. Mas, afinal, o que disse Mortágua e de que lei se trata? Nós explicamos tudo.
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O que disse Mariana Mortágua sobre a renda da sua avó?
Mariana Mortágua trouxe o exemplo da sua avó para cima da mesa, pela primeira vez, no frente a frente com o líder do PSD, na TVI, no dia 10 de fevereiro, para criticar as medidas para a habitação defendidas por Luís Montenegro. “Lembro-me de uma lei das rendas, em que as pessoas idosas recebiam uma carta e, se não respondessem durante 30 dias, a renda aumentava para qualquer valor e podiam ser expulsas. Vi idosos a serem expulsos, conheço o pânico que era receber uma carta do senhorio. Vi o sobressalto da minha avó ao receber cartas do senhorio, porque não sabia o que é que lhe ia acontecer e essa foi uma responsabilidade do PSD que esvaziou as cidades”, disse Mariana Mortágua.
Dois dias depois, no dia 8 de fevereiro, na SIC, Mortágua voltou ao tema para considerar que se trata de uma lei “muito cruel”: “Toda a gente conhece a lei das rendas e a sentiu na pele. Um idoso que falhasse uma comunicação ou que não respondesse durante 30 dias poderia ter um aumento ilimitado ou até uma situação de despejo”. E reafirmou: “A minha avó e muitas avós sentiram esse sobressalto”.
Líder do BE voltou ao tema para clarificar?
Esta terça-feira, depois da notícia da revista Sábado, que dá conta da salvaguarda da familiar de um despejo devido ao critério da idade, a coordenadora do BE notou que se trata de uma “campanha da extrema-direita". "Só alinha na campanha de extrema-direita quem tem mesmo muita vontade de alinhar em campanhas da extrema-direita. O que eu disse e mantive é que a minha avó viveu 69 anos na mesma casa. Tinha 80 anos quando descobriu que aos 85 a sua renda podia saltar. Artigos 35 e 36 da lei", reiterou.
Segundo a líder bloquista, esse aumento das rendas “teria acontecido se a geringonça não tivesse suspendido a aplicação da lei Cristas”, ou seja, a lei das rendas.
Mas, afinal, o que dizia a lei das rendas?
O Novo Regimento do Arrendamento Urbano (NRAU) entrou em vigor a 12 de novembro de 2012 e veio permitir fundamentalmente a atualização das rendas mais antigas (anteriores a 1990) e a transição destes contrato para este novo regime.
Caso transitasse para o NRAU, o senhorio podia denunciar o contrato ao fim de cinco anos e a renda aplicada passaria a ser baseada em 1/15 do valor patrimonial atualizado (valor do imóvel).
O contrato só não transitava para o NRAU nos casos dos arrendatários com carências económicas, com 65 ou mais anos de idade e/ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.
Mesmo assim, o valor da renda poderia ser atualizado, dependendo dos rendimentos dos inclinos. De acordo com António Machado, secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, se “o rendimento fosse inferior a dois salários mínimos pagava uma taxa de esforço de 10%, se fosse inferior a três salários mínimos a taxa de esforço era de 15% e inferior a cinco salários mínimos pagava 25%. Acima deste pressuposto (cinco salários mínimos) o valor era calculado tendo em conta 1/15 do valor patrimonial”, explicou. Esta explicação está contida nos artigos 35 de 36 da lei, referidos pela líder do BE.
E a avó da Mariana Mortágua enquadrava-se em algumas destas situações?
A avó da Mariana Mortágua, nascida em 1934 de acordo com os registos oficiais, teria 78 anos em 2012, segundo a revista Sábado. Além disso, a idosa paga uma renda antiga (celebrada antes de 1990), com um valor mensal de 400 euros, por um apartamento na Avenida de Roma, em Lisboa. Trata-se de uma mensalidade por uma habitação de uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), a Fundação Octávio Maria de Almeida, cujos responsáveis disseram à revista que nunca foram enviadas cartas que pudessem assustar inquilinos sobre valor das rendas nem despejos.
Na prática, o contrato da avó da Mariana Mortágua não podia transitar para o NRAU (idade superior a 65 anos). Mas nada impedia que o valor da renda fosse atualizado, tendo em conta os pressupostos explicados anteriormente.
E, mesmo assim, a familiar podia ter recebido uma carta do senhorio?
Sim. Todos os arrendatários podiam receber uma carta do senhorio a propor um aumento de renda ou a imposição de transitar para o NRAU. O arrendatário tinha 30 dias para responder e alegar a sua condição (mais de 65 anos ou deficiência superior a 60%).
Se o arrendatário não respondesse neste prazo legal, aplicava-se o regime proposto pelo senhorio. Existia ainda a possibilidade de se estabelecer um acordo entre as duas partes.
Ao JN, António Machado, da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, notou que “muitos dos inclinos mais idosos ao receber a carta ficaram em pânico e assustados. A maioria das situações (80%) abrangia situações de pessoas com mais de 65 anos”.
A geringonça reverteu a aplicação desta lei?
No dia 16 de julho de 2018, foi publicada, em Diário da República, a lei n.º 30/2018, que “estabelece um regime extraordinário e transitório para proteção” de pessoas que residam há mais de 15 anos na habitação e tenham idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.
Na prática, esta lei veio estabelecer que o senhorio só pode opor-se à renovação, ou proceder à denúncia, do contrato de arrendamento nas seguintes situações:
- “Para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes às do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento”;
- “Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação”.