Aos 59 anos, Ana Bustorff não acusa o peso da idade. Prefere o presente que a tem ocupado. Com projetos ainda por estrear, "A herdade" e "Surdina", está nomeada para os prémios Sophia como melhor atriz secundária, pelo papel no filme "Ruth", de António Pinhão Botelho.
Corpo do artigo
Na véspera da festa do cinema português, amanhã, no Casino Estoril, sem muita vontade para poses na passadeira vermelha, conversou com o JN. Recordou os tempos em que esteve sem trabalho, do cancro que ultrapassou, do prazer de ser avó e do gosto em representar sem a ambição de inflamar o ego.
Está nomeada para os prémios Sophia como melhor atriz secundária pela prestação no filme "Ruth"...
Exatamente, como D. Marina, uma mulher engraçada, despachada, com afeto, mas que também se zanga.
A Ana é muito despachada?
Ui! Essa descrição faz parte de mim. Acho que tenho uma alma guerreira, sim.
Pronta para a passadeira vermelha, amanhã?
Se eu pudesse fugir... Mas lá estarei. Deu-me muito prazer o filme "Ruth", de um menino que podia ser meu filho, o António Pinhão Botelho. Adorei o argumento da mãe dele, a Leonor Pinhão, que escreveu os papéis a pensar nos atores.
Sente que é reconhecida?
Eu não sei muito bem... Sei que noto que as pessoas na rua - onde me sinto anónima como elas - abordam-me e dizem que têm saudades minhas. Isso é bom, mas no que respeita aos empregadores, não sei qual é o reconhecimento.
Mas não tem parado de trabalhar...
Parei. Tive uma fase em que estive bastante parada e que não foi assim muito fácil. Foi talvez há cinco anos.
Sentiu dificuldades?
Não. As dificuldades passam por estar viva. O resto ultrapassa-se bem.
Há três anos, foi operada a um tumor na bexiga...
Mas agora está tudo ótimo. Aliás, ficou logo resolvido na altura e até deveria estar a trabalhar. Senti falta desse trabalho. Para mim, o trabalho é terapêutico. Fez-me falta e fez-me sentir um pouco só. A saúde é um bem maior e foi tudo contornado.
Prefere agarrar-se às coisas boas?
Exatamente! Quero é trabalhar com muito prazer. Isso mantém-me viva, alimenta-me a alma. Esta profissão dá-nos a sabedoria da vida, se estivermos atentos e não quisermos só trabalhar o ego ou ser reconhecido e ter uma grande carreira. Isso a mim não me interessa!
O "Donos disto tudo" na RTP foi o último trabalho em televisão... Gosta do registo cómico?
Fiz um mês com eles e gostei muito. Mas gosto de qualquer registo e acho que um ator tem de ter elasticidade. Não me vou descrever porque é difícil, mas sou considerada uma trágico-cómica. Acho que isso tem a ver com a minha família e uma infância muito lúdica, muito vivida, muito louca, isso ajudou-me muito enquanto atriz. Mesmo se eu estiver a falar de uma coisa muito trágica, as pessoas riem-se.
O que pode trazer 2019?
Por acaso, estou com um bom feeling, esperançosa. Não só pela idade que tenho, mas também passei a ter uma agente que faz toda a diferença. Não sou uma pessoa que ande por aí.
Continua muito ligada ao Porto, de onde é natural?
Sim, parte da minha família está no Porto, onde nasci, gosto muito da cidade e tenho o meu filho [Frederico, de 36 anos] em Braga.
E a neta... Ser avó é um papel que a orgulha?
Então, não? Para já, obriga-me a perceber que o tempo passou rapidamente e que a linha da vida e da morte estão sempre muito próximas. Mas sempre tive essa noção e gosto de sentir que a morte está sempre por perto. Assim é mais fácil lidar com ela.
Tem medo da idade?
Não tenho nenhum medo e nem a imagem pode ser um problema para mim. Acho uma mais-valia a passagem do tempo. Não sou o tipo de atriz que quer arranjar o rabo, as bochechas, o peito, sei lá... Não tenho nada para arranjar. O arranjo tem de ser mental e temos de cuidar disso e dos afetos.