Os tempos em que a televisão apenas oferecia ilusão e finais felizes são passado e, atualmente, as novelas que preenchem os serões são bastante inspiradas pela atualidade. Assuntos que dominam a agenda noticiosa inspiram os guiões, até porque, "nunca deixando de ser entretenimento, não fogem à realidade", assumiu a autora de "Terra brava", na SIC, Inês Gomes.
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O público foi-se tornando um bocadinho mais exigente
No caso de Rui Vilhena, o argumentista de "Na corda bamba", da TVI, a referência a temas da vida real "é gritante", até porque considera que "o marketing social é muito importante". "No meu caso, leio muitos jornais e revistas e vou anotando ideias num caderninho", revelou em conversa com o JN, recordando que a inspiração para a novela "Tempo de viver" (transmitida pela estação de Queluz de Baixo entre 2006 e 2007), "veio do programa da Oprah Winfrey".
Em "Na corda bamba" há a empresa Diamond Homes que "tem muito a ver com a questão da especulação imobiliária de que tanto se fala", ou a papelaria que "reflete a dificuldade que o comércio de rua tem para sobreviver". Mas o centro da história está em Lúcia e Pipo, o casal cujas crianças que criam como filhos mas que foram raptadas, pois "todos os dias lemos sobre crianças desaparecidas, mas eu não queria que isso fosse muito óbvio", explicou Vilhena, notando que gosta de "originalidade".
Sem deixar de ser entretenimento, as novelas são agora mais elaboradas pois, reconhece Inês Gomes, "o público foi-se tornando um bocadinho mais exigente". "Nós fomos acompanhando essa exigência, criando histórias mais densas e, de certa forma, mais interessantes". Em "Terra brava", a argumentista da SP somou muitos reflexos "da realidade e do que se passa à nossa volta", da crise económica à crise de valores, além de factos históricos que são do conhecimento geral.
"novelas não ensinam nada"
Também na SIC, estreada em setembro, "Nazaré" depressa conquistou audiências. Um incêndio, fruto de fogo posto, marcou o primeiro episódio e deixou pontas soltas para todo o enredo, numa alusão à tragédia que assolou a Região Centro em 2017. Houve quem nas redes sociais apontasse o pormenor como um "mau exemplo"e até de instruir criminosos. Mas, sem particularizar, Inês sublinha que "na maior parte das vezes, as novelas não ensinam nada". "Pelo menos, eu tenho essa preocupação. Por exemplo, se há uma personagem que consome drogas, nós não mostramos como se faz. Também há uma certa responsabilidade social que temos de ter. Acho que, quase sempre, se quer alertar para um problema e não ensinar nada", acrescentou.
"Tudo o que passa na televisão tem a responsabilidade de ser pedagógico"
Especialista em psicologia forense, Carlos Poiares defende que "tudo o que passa na televisão tem a responsabilidade de ser pedagógico, até porque é difícil controlar quem vê e, mesmo que seja a uma hora tardia, há sempre miúdos e adolescentes que apanham os conteúdos e é preciso ter cuidado".
O também professor universitário diz que, assim como a realidade motiva a ficção, "aquilo que se passa na TV também se pode passar na sociedade": "Tudo o que se passa nas novelas pode levar os sujeitos a adotar comportamentos suscetíveis de causar danos, por ter sido legitimado pela televisão. Afinal, para muitos, se passou é porque é realidade e isto pode começar a criar algum desejo de repetição, mesmo que se saiba que está errado".