A gestão financeira da Escola Nacional de Bombeiros (ENB), em Sintra, bem como as contratações de quadros levadas a cabo pelo seu presidente, José Ferreira, estão a ser passadas a pente fino.
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Em causa estarão suspeitas de má aplicação de fundos públicos e eventuais desvios para fins não contratados do orçamento da instituição, que atinge mais de 19 milhões de euros anuais. A escola é propriedade da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) e da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC).
A auditoria incide nas contas de 2015, 2016 e 2017, e está a ser realizada pela Proteção Civil, que admite ter encontrado ali um cenário "complexo". Cabe à ANPC não só financiar a escola desde sempre, como pagar através dela aos mais de 600 elementos da Força Especial de Bombeiros (FEB) e a cerca de 300 operadores das centrais de socorro, que, na prática, não têm o Estado como entidade patronal direta, mas a ENB.
Os auditores terão entrado na instituição após uma denúncia, apurou o JN. Mas, em 2017, o Tribunal de Contas tinha chamado a atenção da ANPC para a relação que mantém com a ENB, como já havia feito no passado. A escola, que no seu site não disponibiliza nomes do corpo docente, foi colocada debaixo de fogo pelas comissões técnicas aos incêndios de 2017, que apontaram diversas falhas na formação dada.
Apesar de a ANPC ter imposto o final do ano como data-limite para a conclusão da investigação, alguns "cenários inesperados" encontrados nas contas da ENB e as declarações de parte dos cerca de 80 funcionários do quadro têm provocado diversos contratempos, explicaram ao JN alguns elementos ligados à instituição.
Prazo alargado de auditoria
De acordo com a ANPC, a auditoria "financeira" e ao "funcionamento" da ENB foi pedida pelo presidente da Proteção Civil, Mourato Nunes, em maio de 2018.
"A auditoria incide na relação existente entre a ENB e a ANPC, fundada em protocolo existente, que prevê o financiamento da ENB pela ANPC e a afetação de património para o seu funcionamento", admitiu a Proteção Civil, ao JN, acrescentando que a fiscalização abarca a "área financeira e o universo organizacional da ENB, para aferição da correta aplicação das verbas públicas transferidas", entre janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2017.
Sobre os prazos, a ANPC confirma que a auditoria deveria terminar em dezembro de 2018, mas "prevê-se que apenas venha a estar concluída em fins de março de 2019". Na origem do atraso está a "complexidade e vastidão da realidade encontrada".Houve uma outra fiscalização da ANPC à ENB, em 2012, durante a tutela do ex-ministro Miguel Macedo (PSD/ /CDS), da qual nunca se conheceram as conclusões.
Voluntários aplaudem
O presidente da LBP, Jaime Marta Soares, admitiu ao JN desconhecer "que decorria uma auditoria com esses contornos". Mas disse não acreditar "que haja suspeitas sobre as contas que foram aprovadas sem dúvidas de ninguém". O JN tentou ouvir José Ferreira, que não mostrou disponibilidade.
Para a Associação Portuguesa dos Bombeiros Voluntários (APBV), "não há nenhuma estranheza com a auditoria". "Há muito que a ANPC mete ali dinheiro e a Liga faz o que entende, tendo em conta a proteção que tem tido do Estado. Da auditoria de 2012, constou que o cenário encontrado era um caso de polícia. Como o Governo escondeu o relatório, não se sabe se era verdade ou mentira", explicou Rui Silva, líder da APBV.
O presidente da Fénix-Associação Nacional de Bombeiros e Agentes de Proteção Civil defendeu que "a ENB precisa de ser restituída à sua primeira e única função: a formação profissional e académica". "Tem de ser feita uma reestruturação e uma forte aposta na formação de qualidade. E não, como atualmente se verifica, com a aposta exclusiva na quantidade", sublinhou Carlos Silva, que entregou ao secretário de Estado da Proteção Civil uma proposta de alteração da ENB.