Compostos encontrados nas algas podem ajudar a reduzir uma doença grave do trato digestivo.
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Roberto Saldana tinha 16 anos quando desenvolveu fortes dores de estômago e diarreia, mas passariam mais dois anos até lhe ser diagnosticada uma doença inflamatória intestinal ou DII.
Saldana, agora com 41 anos e residente em Madrid, disse que inicialmente foi diagnosticado com pancreatite, uma inflamação do pâncreas que é rara em crianças e que se desenvolve normalmente após anos de abuso do álcool.
Avenida das algas
"A dor era horrível", afirma. "Quando os sintomas regressaram pela segunda vez, os médicos decidiram que devia ficar internado enquanto tentavam descobrir e resolver o problema. Acabei por ficar dois meses."
A ajuda, de uma fonte invulgar, pode estar agora a caminho para pessoas como Saldana.
Um grupo de cientistas está a explorar as propriedades anti-inflamatórias das algas – algas marinhas e microalgas. Fazem parte de um projeto denominado Algae4IBD, que recebeu financiamento da União Europeia (UE) para investigar o potencial para a saúde destes organismos naturais.
Os ambientes diversos e extremos em que as algas crescem levaram-nas a produzir substâncias com efeitos antioxidantes, antibacterianos, antivirais ou anti-inflamatórios.
"Estas propriedades são de grande valor para a medicina e podem ser muito importantes na luta contra as doenças crónicas", afirma a Dorit Avni, imunologista e bioquímica no Instituto de Pesquisa da Galileia (MIGAL), em Israel. Coordena o Algae4IBD, que decorre durante quatro anos até maio de 2025.
Há 2,5 milhões de pessoas na Europa e 10 milhões em todo o mundo que sofrem de DII, um termo geralmente utilizado para descrever várias patologias autoimunes que provocam a inflamação crónica do trato gastrointestinal.
As duas formas mais comuns da DII são a doença de Crohn e a colite ulcerosa.
Ambas perturbam a capacidade do organismo para digerir os alimentos, absorver nutrientes e eliminar os resíduos de uma forma saudável. Os sintomas, que frequentemente são graves, incluem dor e cólicas abdominais, diarreia e perda do apetite.
Causas desconhecidas
Saldana tem a doença de Crohn e considera-se sortudo. Ao contrário de muitas pessoas com DII, é maioritariamente assintomático e a sua inflamação intestinal é mantida sob controlo através de medicação.
Saldana é o coordenador da inovação e do envolvimento dos doentes para a Federação Europeia das Associações de Crohn e Colite Ulcerosa. Representa grupos de doentes com DII em vários países europeus.
Não há cura para a DII e, na pior das hipóteses, esta pode levar a coágulos de sangue, cancro do cólon e até à morte.
Um dos principais desafios para investigadores como Avni é aprender mais sobre os fatores biológicos subjacentes à doença, como a genética, as hormonas e a nutrição. Uma das principais preocupações é o facto de a DII estar a afetar cada vez mais os jovens, sendo possível que os regimes alimentares e os micróbios desempenhem um papel importante.
Segundo Avni, "não saber as causas exatas dificulta a procura de uma cura". "Contudo, o que sabemos é que o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e a falta de estratégias adequadas para evitar os micróbios de origem alimentar significa que mais pessoas estão a adoecer e que os doentes são cada vez mais jovens. Algumas crianças com apenas sete anos apresentam sintomas."
Estirpes promissoras
Geralmente, como primeira linha de ataque – e normalmente apenas a curto prazo – são prescritos medicamentos anti-inflamatórios a um doente com DII para manter os sintomas sob controlo.
Embora sejam frequentemente utilizados outros medicamentos para controlar os sintomas a longo prazo, nenhum é infalível. É muito frequente que um doente apresente uma melhoria inicial e que o tratamento deixe de funcionar mais tarde.
A equipa do Algae4IBD já revelou que algumas estirpes de algas contêm as propriedades anti-inflamatórias necessárias para combater os sintomas da DII.
Descobriu também que alguns tipos de algas são "prebióticos" potentes; nutrientes que alimentam os micróbios saudáveis do cólon para restabelecer o equilíbrio do microbioma intestinal e diminuir os "criadores de problemas da DII" como a bactéria E. coli.
"Estamos agora a identificar os compostos responsáveis por esta resposta e a caracterizar a sua composição química", disse Avni.
Até ao momento, os 21 parceiros do Algae4IBD criaram um banco de espécies com base em mil variedades de algas. Os espécimes originais foram retirados do fundo dos oceanos, lagos e rios.
Os investigadores estão a concentrar-se nos 150 espécimes mais promissores e preparam-se para testar as suas propriedades curativas em ratos e em biópsias retiradas de doentes com DII. De acordo com Avni, os espécimes provêm de países da UE, incluindo a Alemanha, Estónia, França, Hungria, Irlanda e Portugal, bem como Israel.
"O nosso objetivo final é adicionar as algas mais bioativas aos produtos farmacêuticos e alimentares", afirma. "Um dia, em breve, podemos estar a manter-nos saudáveis com iogurte, batidos e pão enriquecidos com algas."
Diagnóstico não invasivo
No caso da DII, é típico que os episódios de doença ativa sejam seguidos por períodos de remissão. Durante as crises, os doentes precisam de ser acompanhados de perto para verificar se os medicamentos estão a fazer efeito e se o intestino está a sarar.
Os métodos de controlo do estado das pessoas afetadas são intrusivos e pouco populares entre estas.
A endoscopia é o padrão de ouro para monitorizar a doença. Um médico introduz um tubo flexível, equipado com uma câmara e um instrumento de recolha de amostras de tecido, através da boca do doente e até ao intestino delgado ou introduz um tubo semelhante no intestino através do reto.
Os doentes devem preparar-se para o procedimento, que muitas vezes requer sedação, fazendo jejum e tomando medicamentos para esvaziar o conteúdo do cólon.
"São procedimentos extremamente invasivos e desconfortáveis e os doentes merecem melhor", disse Christian Wiest, diretor executivo da iThera Medical, um fabricante alemão que colabora com instituições de investigação europeias para inventar um método não invasivo de diagnóstico e controlo da DII.
Laser e ecografia
Foi testada uma tecnologia de imagiologia desenvolvida pela iThera Medical num projeto de investigação diferente financiado pela UE. Denominado EUPHORIA, o projeto decorreu de janeiro de 2019 a junho de 2022.
A técnica, denominada tomografia optoacústica multiespectral ou MSOT, utiliza uma combinação de laser e ultrassons para medir a concentração de sangue na parede do cólon, um indicador do grau de inflamação.
A luz laser de pulsação curta é direcionada ao intestino através da parede do estômago. As ondas sonoras são refletidas, apresentando a saúde do tecido do trato gastrointestinal num ecrã.
"A experiência para o doente é semelhante à de uma ecografia, com um operador a mover uma sonda pelo estômago", afirma Wiest.
Os investigadores ainda estão a avaliar os resultados do ensaio, mas a análise efetuada até ao momento sugere que a MSOT é promissora.
"Existe definitivamente uma correlação entre a atividade da doença e o sinal que recebemos através da parede do cólon", declara Wiest.
Embora ainda não se saiba se a MSOT irá um dia tornar a endoscopia uma coisa do passado, está confiante que a nova técnica tem um papel a desempenhar.
"Ainda não sabemos se a nossa técnica é tão boa como a endoscopia", disse Wiest. "Com um ónus muito menor para os doentes, será, no entanto, possível monitorizar mais de perto a progressão da doença e ajustar o tratamento conforme adequado."
A investigação neste artigo foi financiada pela UE. Os pontos de vista dos entrevistados não refletem necessariamente os da Comissão Europeia.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.