Com o mundo a voltar-se para as energias renováveis, há ainda um grande desafio por resolver: o armazenamento eficiente de energia. Uma equipa de investigação financiada pela UE está a explorar a utilização de ar comprimido para armazenar o excesso de energia recolhida pelos painéis solares.
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Uma central-piloto na Plataforma Solar de Almería, um centro de investigação de tecnologia solar no sul de Espanha, pretende demonstrar um conceito a que chamam energia solar térmica, apresentando uma alternativa sustentável e económica ao armazenamento tradicional em acumuladores.
Ao captar e armazenar energia térmica (calor), esta abordagem inovadora garante que a energia solar pode ser acedida mesmo depois do pôr do sol, ajudando a estabilizar a rede energética e a acelerar a transição da Europa para um futuro de energia limpa.
Equilíbrio entre a oferta e a procura
A raiz do problema, segundo David Sánchez, especialista em sistemas energéticos da Universidade de Sevilha, em Espanha, é que aumentar a capacidade instalada de painéis fotovoltaicos não vai ajudar a fornecer energia durante a noite nem garantir que a eletricidade esteja disponível sempre que for necessária.
Em teoria, o sol fornece energia em abundância. Segundo a Comissão Europeia, a energia solar já contribui significativamente para o cabaz energético da Europa e, com base nas atuais tendências do mercado, tem potencial para satisfazer até 20% da procura de eletricidade da UE até 2040.
Mas os painéis solares produzem eletricidade quando há menos procura: a meio do dia. É à noite, quando o sol já se pôs e a energia solar já não está disponível, que a procura de eletricidade dispara. "A energia renovável é desperdiçada porque não temos armazenamento suficiente", disse Fritz Zaversky, engenheiro de investigação do Centro Nacional de Energias Renováveis em Espanha.
Armazenamento mecânico
Tanto Zaversky como Sánchez fazem parte de uma iniciativa de investigação de quatro anos financiada pela UE, denominada ASTERIx-CAESar, que está a desenvolver uma central de energia solar térmica inovadora e de elevada eficiência que integra dois conceitos distintos: energia solar concentrada e armazenamento de energia por ar comprimido.
"O armazenamento de ar comprimido não é um conceito novo e já foi demonstrado à escala comercial", afirmou Zaversky.
Atualmente, existem três instalações de armazenamento de energia a ar comprimido em funcionamento a nível mundial, na Alemanha, nos EUA e na China. Outros locais estão a ser explorados e desenvolvidos.
O armazenamento de ar comprimido utiliza eletricidade excedente de baixo custo para comprimir o ar até uma pressão elevada. Este ar comprimido é armazenado e depois utilizado para acionar turbinas para gerar eletricidade quando é necessário.
Ao contrário das baterias, estas tecnologias não dependem de matérias-primas críticas, para as quais existe concorrência de outras tecnologias baseadas em baterias, como os automóveis elétricos.
Se, além disso, for possível utilizar um reservatório subterrâneo, como uma caverna ou uma antiga mina, os custos serão ainda mais reduzidos, explicou Sánchez. Mas há um problema.
A necessidade dos fósseis
O ar comprimido arrefece durante o armazenamento e tem de ser aquecido antes de poder ser utilizado. Normalmente, este passo recorre a combustíveis fósseis, o que compromete as credenciais ecológicas do processo. "O conceito não é neutro em carbono porque se queima gás natural", afirmou Zaversky.
Para resolver este problema, a equipa ASTERIx-CAESar, composta por especialistas em energia e académicos de oito países da UE, da Suíça e do Reino Unido, procura combinar o armazenamento de energia por ar comprimido com outra forma de energia renovável conhecida como energia solar concentrada.
"A energia solar concentrada utiliza muitos espelhos para focar a luz do sol num único ponto, normalmente no topo de uma torre", disse Zaversky.
Nas centrais convencionais de energia solar concentrada, a energia térmica gerada é utilizada para aquecer um líquido, normalmente sais fundidos, que atua depois como armazenamento de energia térmica. Quando é necessária energia, o sobreaquecimento do líquido é utilizado para criar vapor e acionar uma turbina para gerar eletricidade.
No entanto, de acordo com Zaversky, os custos das centrais convencionais de energia solar concentrada são demasiado elevados para serem competitivos face a outras energias renováveis. Os investigadores propõem, portanto, combinar a tecnologia da energia solar concentrada com o armazenamento de energia do ar comprimido, aquecendo o ar comprimido com o calor solar antes de o expandir na turbina.
"A nossa abordagem consiste em utilizar o calor solar em vez do gás natural, para tornar o armazenamento de energia por ar comprimido neutro em carbono", disse Zaversky.
O sistema que estão a desenvolver, usa eletricidade renovável de baixo custo para comprimir o ar que será armazenado durante o dia, e a energia solar concentrada para alimentar um sistema de armazenamento de energia térmica.
Quando a procura de energia é elevada, a energia térmica é utilizada para aquecer o ar comprimido à medida que este vai sendo libertado do armazenamento para acionar as turbinas.
Altas temperaturas
Sánchez salienta que o principal desafio será desenvolver uma tecnologia capaz de converter a energia solar concentrada em energia térmica a cerca de 800 °C e armazená-la a essas altas temperaturas.
Isto é importante, explicou, porque corresponde às temperaturas usadas na queima do gás natural. Além disso, temperaturas mais elevadas aumentam a potência e a eficiência do processo.
A central-piloto em Espanha pretende pôr estas ideias em prática. Para criar o sistema híbrido, vão atualizar uma torre de energia solar concentrada já existente, acrescentando-lhe armazenamento de energia por ar comprimido, utilizando tanques de armazenamento de alta pressão.
A equipa pretende demonstrar que o seu conceito híbrido funciona em pequena escala. Depois disso, Zaversky acredita que será necessário desenvolver uma central de demonstração a uma escala intermédia. Se os resultados forem positivos, a tecnologia poderá começar a ser utilizada.
Eficiência solar
O objetivo desta equipa é construir uma central de energia solar térmica altamente eficiente que possa garantir a disponibilidade de energia renovável 24 horas por dia, 7 dias por semana. Conseguindo capacidade de armazenamento suficiente, poderá oferecer a tão necessária estabilidade da rede e contribuir para a adoção de energias renováveis.
Prevê-se que a eficiência de conversão da energia solar em energia elétrica deste sistema seja de cerca de 40%, ou seja, o dobro dos painéis solares atualmente disponíveis no mercado, que atingem uma eficiência de 15 a 24%.
De acordo com Zaversky, existem vários locais na Europa onde este conceito poderia funcionar, especialmente nos países do sul da Europa, como França, Grécia, Itália e Espanha.
"As ilhas gregas são particularmente favoráveis, porque têm uma elevada disponibilidade de energia solar e há locais onde o ar comprimido pode ser armazenado no subsolo."
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE