Investigadores da UE estão a tentar aumentar o fornecimento de combustíveis limpos para a aviação, produzindo mais a partir de fontes agrícolas.
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David Chiaramonti está a olhar cá para baixo para ajudar a resolver um problema no céu: as emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros poluentes dos aviões. Especialista em sistemas energéticos e produção de eletricidade na Universidade Politécnica de Turim, em Itália, Chiaramonti quer que os terrenos não utilizados, marginais e degradados produzam combustíveis limpos para os aviões a jato.
Plantas ricas em óleo
Os combustíveis seriam obtidos a partir de plantas oleaginosas como a Camelina sativa - nativa da Europa e da Ásia Central - e substituiriam o querosene, um combustível fóssil que tradicionalmente alimenta os aviões. O querosene agrava as alterações climáticas ao libertar CO2 e óxidos de azoto para a atmosfera.
Chiaramonti liderou um projeto de investigação que recebeu financiamento da UE para aumentar o fornecimento do único tipo de combustível de aviação sustentável atualmente disponível: ésteres e ácidos gordos hidroprocessados, conhecidos coletivamente como HEFA. Denominado BIO4A, o projeto foi concluído em meados de 2023, após cinco anos.
O HEFA é um biocombustível produzido principalmente a partir de óleos alimentares usados e de gorduras animais que sobram da produção de carne, fontes que, na melhor das hipóteses, podem satisfazer 2% das necessidades de combustível da aviação. Chiaramonti acredita que a camelina, também conhecida como falso linho e cultivada em países como Itália e Espanha, pode ajudar a ultrapassar este estrangulamento sem afetar as culturas alimentares.
"Concentrámo-nos em solos muito pobres, em terras muito secas e áridas e perdidas para a produção alimentar, mas que podem ser recuperadas", afirmou.
Consequentemente, a camelina oferece a perspetiva de aumentar as quantidades globais de HEFA e de combater a degradação dos solos, que afeta muitos países, especialmente na região mediterrânica, em resultado das alterações climáticas e da agricultura intensiva.
"O maior problema atual dos combustíveis sustentáveis para a aviação é a obtenção de lípidos sustentáveis", afirmou Chiaramonti, que é também presidente de uma organização italiana de investigação sobre energias renováveis denominada RE-CORD. "Investigámos a forma de produzir lípidos sustentáveis em terrenos marginais e degradados".
Emissões muito elevadas
As emissões de CO2 do sector da aviação mundial aumentaram mais rapidamente nas últimas décadas do que as dos sectores rodoviário, ferroviário e marítimo. A aviação é atualmente responsável por 2%-3% das descargas globais de CO2.
Além disso, ao contrário do que acontece com o transporte rodoviário e ferroviário, a eletricidade ainda não surgiu como uma opção para a aviação em geral, porque as tecnologias de baterias atuais só conseguem alimentar aeronaves ligeiras, como os drones.
Este facto intensifica a atenção dada aos combustíveis sustentáveis para a aviação, também conhecidos como SAF. Em outubro de 2023, os governos nacionais da UE aprovaram legislação que exigirá que os fornecedores de combustíveis para a aviação na Europa assegurem uma quota de mercado de SAF de pelo menos 2% em 2025, 6% em 2030 e 70% em 2050.
A lei faz parte de um grande pacote de legislação europeia que sustenta o objetivo da UE de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 55% até 2030, em comparação com os níveis de 1990. O objetivo de redução de 55% é mais ambicioso do que um plano anterior da UE para reduzir as emissões em 40% durante esse período.
Sucesso tradicional
O HEFA tem uma estrutura química semelhante à dos combustíveis fósseis, o que facilita a tarefa de o tornar adequado para os motores a jato.
Ao mesmo tempo que testavam terrenos não utilizados para produzir HEFA a partir da camelina, os investigadores do BIO4A avançavam com métodos de produção tradicionais.
O projeto utilizou uma refinaria que produz HEFA a partir de óleos alimentares usados e de gorduras animais provenientes da produção de carne a uma escala industrial completa.
Esta atenção explica a participação no projeto de duas grandes empresas petrolíferas europeias: a Total em França e a Eni em Itália.
"Produzimos mil toneladas de HEFA a partir de óleos residuais, o que, até à data, foi o maior volume alguma vez produzido industrialmente na Europa no âmbito do programa de investigação da UE", afirmou Chiaramonti.
Rotação das culturas
De volta à terra não utilizada, a equipa estava interessada em mostrar que a produção de HEFA a partir de plantas como a camelina pode ser feita ao mesmo tempo que se apoia o cultivo de culturas para alimentação humana e animal.
A ideia centra-se na utilização de composto, bem como de biochar (um produto semelhante ao carvão, mas que não contém petróleo), que é feito a partir de biomassa vegetal e animal, melhora a qualidade do solo e contribui para a neutralidade ou mesmo negatividade do carbono.
Os investigadores acreditam que o cultivo de culturas energéticas pode ajudar os agricultores a melhorar a qualidade dos solos marginais, de modo a que os biocombustíveis e a produção alimentar possam coexistir em vez de competir.
Segundo Chiaramonti, os mercados energéticos poderiam pagar aos agricultores para recuperarem a qualidade do solo com composto e biochar.
"Assim, num ano, o solo pode produzir culturas energéticas como a camelina e, no seguinte, produzir cevada, por exemplo", afirmou.
Os resíduos vegetais seriam compostados e/ou transformados em biochar por aquecimento a altas temperaturas e devolvidos ao solo. Isso não só melhoraria a saúde do solo, como também fixaria o carbono, diminuindo ainda mais a pegada ambiental do combustível para aviões resultante.
"Demonstrámos que os biocombustíveis podem ser negativos em termos de carbono", afirmou Chiaramonti. "É um resultado inovador".
Os investigadores testaram a sua abordagem em parcelas de terrenos degradados perto da capital espanhola, Madrid, e na região italiana da Toscânia.
Experimentaram diferentes métodos de recuperação do solo e cultivaram alternadamente cevada e camelina, que tolera melhor a seca do que outras culturas energéticas e foi anteriormente utilizada para produzir combustível para aviões à base de HEFA.
Etapas paralelas
Embora as terras degradadas possam aumentar o fornecimento de HEFA, muitos investigadores pensam que os combustíveis sustentáveis para aviões a jato terão, de qualquer modo, de ser produzidos também a partir de recursos mais abundantes, como os resíduos de biomassa, que não são ricos em óleos.
Isto é muito mais complicado do que produzir HEFA a partir de biomassa oleosa e é um desafio que está a ser enfrentado por outro projeto de investigação financiado pela UE. Denominado HIGFLY, o projeto tem uma duração de quatro anos, até ao final de 2024, e é gerido pela Universidade de Tecnologia de Eindhoven, nos Países Baixos.
Os investigadores estão a analisar resíduos agrícolas, resíduos da indústria alimentar e certos tipos de algas, tudo o que contenha açúcares mas não seja comestível, segundo a Dra. Fernanda Neira D'Angelo, investigadora principal do HIGFLY e especialista em engenharia química na universidade holandesa.
Este tipo de material é designado por biomassa lignocelulósica.
Transformar matéria à base de açúcar em óleo energético que poderia permitir aos aviões descolar envolve várias etapas, segundo Fernanda D'Angelo.
"O processo requer muito mais energia e etapas de processamento do que transformar biomassa oleosa em combustível para jactos HEFA", afirmou.
Os investigadores estão a tentar maximizar a eficiência durante cada etapa, de modo a que a maior parte da biomassa e da energia utilizadas no processo permaneçam no combustível resultante.
Processam a biomassa em moléculas orgânicas cíclicas chamadas furânicas e depois fundem-nas para produzir óleos que podem ser posteriormente refinados em combustíveis. A equipa pretende testar as primeiras amostras do seu combustível para aviões à base de biomassa em laboratórios dentro de meses.
Embora os resultados do projeto sejam promissores, serão necessários anos para que esse combustível à base de biomassa possa alimentar os aviões, uma vez que a certificação de novos combustíveis e a introdução de novas tecnologias no mercado levam tempo, explica a investigadora.
"Dependendo dos resultados que obtivermos neste projeto, podemos avaliar possíveis melhorias na composição do combustível e também os passos necessários para a comercialização", disse.
Questões de custo
Para além da procura de material suficiente para os combustíveis para aviação à base de plantas, o seu desenvolvimento enfrenta um obstáculo económico significativo: o custo.
Os combustíveis para jatos à base de HEFA custam atualmente pelo menos o dobro dos combustíveis fósseis. E o preço dos combustíveis provenientes de resíduos de biomassa será talvez três vezes superior.
Segundo Fernanda D”Angelo, isto significa que, para os combustíveis de aviação à base de plantas serem competitivos em relação ao combustível fóssil para aviões, serão necessárias alterações políticas e mais investimento em investigação e desenvolvimento.
"Podemos torná-lo competitivo se tivermos investimento e regulamentação que o apoiem", afirmou.
Chiaramonti concorda, afirmando que os progressos resultarão de uma série de medidas, incluindo incentivos regulamentares e melhorias na produção e fornecimento de matérias-primas.
"A solução que são resultará de uma única medida", afirmou.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.