"Bebés inteligentes e saudáveis": empresa cobra milhares para testar QI em embriões
Empresa norte-americana de investigação genética cobra milhares de euros por exames a embriões de casais submetidos a tratamentos de fertilização in vitro. O objetivo é possibilitar a seleção das características genéticas desejadas pelos clientes, mas o conceito levanta sérias preocupações entre especialistas da área.
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A startup norte-americana Heliospect Genomics tem prestado serviços a casais que querem testar o Quociente de Inteligência (QI) dos seus embriões, usando uma tecnologia controversa que levanta questões éticas sobre a seleção ou manipulação genética (processo utilizado para selecionar ou modificar intencionalmente material genético de um ser vivo com o objetivo de obter indivíduos com determinadas características).
A empresa em causa já trabalhou com mais de dez casais em processos de fertilização in vitro, cobrando até 50 mil dólares (o equivalente a 46 mil dólares) a clientes que procuram fazer testes em 100 embriões, avança o jornal britânico "The Guardian", que teve acesso a filmagens secretas que desvendaram detalhes sobre a operação da startup.
Nas gravações, feitas pelo grupo ativista "Hope Not Hate", que se infiltrou na empresa com o objetivo de a investigar, os responsáveis pela Heliospect Genomics gabam-se de ajudar futuros pais a escolher as características dos futuros filhos com base em previsões genéticas de inteligência, notando que os seus métodos experimentais podem produzir um ganho de mais de seis pontos de QI. Um campo de minas no patamar ético, dizem os especialistas da área.
Num dos vídeos, cuja autenticidade foi confirmada pelo jornal de referência britânico, um funcionário da Heliospect, que tem recrutado clientes, descreve como os casais podem classificar até 100 embriões com base no “QI e outras características”, incluindo sexo, altura, risco de obesidade e risco de doença mental.
Contra a lei britânica
A startup diz que as suas ferramentas de previsão foram construídas com dados fornecidos pelo UK Biobank, um depósito financiado por contribuintes de material genético doado por meio milhão de voluntários britânicos, que visa partilhar dados apenas para projetos que sejam "de interesse público". Selecionar embriões com base no alto QI previsto não é permitido pela lei do Reino Unido, mas é legal nos EUA, onde a embriologia é regulamentada de forma mais leviana.
Questionada pelo "The Guardian", a Heliospect, que tem sede nos EUA, defende que opera dentro de todas as leis e regulamentações aplicáveis, adiantando que a empresa está ainda a desenvolver os seus serviços e a atuar de "modo furtivo" antes de um lançamento público. Acrescentaram também que os clientes que examinaram menos embriões pagam cerca de quatro mil dólares (3600 euros).
Questões éticas
O CEO da Heliospect, o dinamarquês Michael Christensen, ex-investidor de mercados financeiros, defende que a seleção genética promete um futuro brilhante, no qual “todos podem ter todos os filhos que quiserem, livres de doenças, inteligentes e saudáveis”. Mas renomados especialistas das áreas genética e bioética dizem que o conceito levanta uma série de questões morais e médicas.
O professor de genética reprodutiva Dagan Wells, da Universidade de Oxford, defende que "estes testes vão vai longe demais" e que, atualmente, "este é um debate em que o público ainda não teve a oportunidade de se envolver totalmente”. Por seu turno, Katie Hasson, diretora da ONG "Center for Genetics and Society", da Califórnia, argumenta que um dos maiores problemas da análise de QI e outras características em embriões é que "normaliza a ideia de genética ‘superior’ e ‘inferior’”, reforçando "a crença de que a desigualdade vem da biologia e não de causas sociais”.