Calce os sapatos de dança! A IA e a realidade virtual juntam-se para trazer a festa até si
Ficar em casa para dançar a noite toda pode em breve ser a próxima grande novidade. Investigadores financiados pela UE estão a utilizar a IA para criar uma pista de dança em linha para ser partilhada por pessoas em todo o mundo.
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O excesso de tempo passado nas redes sociais pode aumentar a sensação de isolamento. "A Internet é uma ferramenta fantástica, que está verdadeiramente a mudar a forma como as pessoas interagem", disse Pieter van der Linden, cofundador da empresa francesa de soluções digitais Vivitnet. Mas a forma como utilizamos a Internet pode inibir as verdadeiras ligações humanas.
"Atualmente, a interação online é passiva. É uma atividade cerebral. Está centrada no ato de pensar e muito pouco voltada para o sentimentos e para as emoções", afirmou. "Para muitas pessoas, a Internet está a isolar em vez de as aproximar."
Esta é uma situação que van der Linden e uma equipa de investigadores da Alemanha, Finlândia, Reino Unido e França se propuseram alterar. O seu objetivo é ultrapassar as limitações da interação em linha, alargando-a ao movimento. E escolheram a dança para o seu principal âmbito de utilização.
A dança da alegria
Van der Linden faz parte de um projeto de investigação apoiado pela UE, denominado CAROUSEL, que juntou IA e tecnologias interativas imersivas para permitir que as pessoas se liguem e dancem com um parceiro, real ou virtual, em linha.
Enquanto a solidão tem demonstrado ser prejudicial para a saúde física e mental, o a dança oferece exatamente o contrário. A dança oferece inúmeros benefícios para a saúde que vão do bem-estar físico, ao mental e emocional.
"Dançar é uma atividade profundamente humana", afirmou van der Linden. "A dança é utilizada em celebrações, rituais e também por simples diversão."
Para os investigadores, o aspeto mais interessante do seu trabalho é a ligação profunda criada pela dança, em que temos de nos concentrar na outra pessoa e seguir os seus movimentos.
"Dançar é muito natural. Não é algo que se tenha de aprender, até os bebés e as crianças pequenas dançam espontaneamente", disse van der Linden.
Uma das motivações da equipa de investigação era encontrar uma forma de ajudar a combater a solidão na sociedade, particularmente na sequência da pandemia de covid-19. Num inquérito realizado em toda a UE em 2022, 13% dos inquiridos declararam sentir-se sozinhos a maior parte ou a totalidade do tempo durante as quatro semanas anteriores ao inquérito, enquanto 35% declararam sentir-se sozinhos pelo menos uma parte do tempo. Na sequência da pandemia, a solidão é cada vez mais reconhecida como uma questão de importância pública, juntamente com os problemas de saúde mental.
Manter a sincronia
A investigação está a ser conduzida pelo Centro Alemão de Investigação em Inteligência Artificial em Kaiserslautern, Alemanha, que estabeleceu uma parceria com a Grassroots Arts and Research UG, uma PME sediada em Colónia, Alemanha, bem como com a Universidade Aalto na Finlândia, a Universidade Edinburgh Napier no Reino Unido e a Vivitnet.
A equipa de investigação criou uma combinação de tecnologias que permite aos utilizadores sentirem a presença e o movimento uns dos outros, mesmo que não estejam fisicamente no mesmo espaço.
Primeiro, as câmaras captam os movimentos dos bailarinos. Em seguida a IA traduz os corpos em avatares que reproduzem com precisão os movimentos no ecrã. Um dos desafios técnicos consistiu em eliminar qualquer desfasamento temporal na comunicação, o que dificultaria a sincronização entre os bailarinos.
Tentámos utilizar os equipamentos mais normalizados possível: óculos de realidade virtual, rastreadores de movimento e câmaras 3D. No futuro, os investigadores preveem a possibilidade de utilizar telemóveis e auscultadores normais.
"O nosso sonho é tornar isto acessível ao mercado de massas, por isso temos de aproximar o preço do equipamento ao de um telemóvel", disse van der Linden.
Desligar para ligar
Alexandra Schmuklermann, bailarina profissional alemã, é assistente de investigação no projeto CAROUSEL. A sua experiência como bailarina foi preciosa para o esforço da equipa e ela está entusiasmada com os resultados.
"Penso que é um ótimo complemento para o mundo da dança por muitas razões", afirmou. "O facto de duas pessoas de diferentes lugares do mundo poderem dançar juntas no mesmo ambiente digital é espantoso, mesmo para bailarinos profissionais.
Se quiser colaborar com um coreógrafo que vive nos Estados Unidos, por exemplo, pode ser muito caro", afirmou. "Mas podemos encontrar-nos neste espaço digital e dançar juntos, até mesmo coreografar em conjunto."
Para Schmuklermann, a capacidade de desligar completamente e de se sintonizar com outro mundo também é importante.
"Somos imediatamente transportados para um mundo diferente e isso ajuda a nível psicológico", afirmou. "Mesmo num local com muita gente, posso usar esta atividade para desligar o mundo à minha volta."
Nem demasiado fácil, nem demasiado difícil
Para tornar o sistema acessível a todos, independentemente da idade ou nível de preparação física, a equipa reconheceu que era importante selecionar movimentos e danças que fossem criativos e fáceis de replicar.
"É um desafio", disse Schmuklermann. "Os movimentos de dança têm de ser criativos, mas também não podem ser demasiado loucos. As pessoas não podem ter medo de dançar com o sistema."
Para evitar acidentes é definido um raio de ação, um espaço virtual, antes do início da atividade. O utilizador é alertado que quando esse espaço é ultrapassado, a atividade encerra o espaço virtual de
imediato, para que o utilizador esteja apenas no local onde se encontra e possa ver os possíveis obstáculos.
Os utilizadores também podem escolher o ambiente em que querem dançar. Van der Linden reconhece que, embora algumas pessoas gostem de entrar nos mundos de realidade virtual criados pela atividade, não é assim para toda a gente.
Sendo assim, a equipa também criou um modo de realidade aumentada para uma aplicação. Em vez de estarem imersos num ambiente imaginário, os utilizadores podem convidar outras pessoas para o seu próprio espaço físico.
"Para muitas pessoas, isto pode ser tranquilizador", afirmou.
Avatar na pista de dança
Para além de parceiros de dança virtuais reais, os investigadores do CAROUSEL conceberam avatares de dança alimentados por sistemas de IA.
"São uma espécie de quebra-gelo digital", afirmou van der Linden. "Faz com que dançar com outras pessoas seja menos estranho."
Os bailarinos com IA foram treinados utilizando várias abordagens e algoritmos diferentes. Para entrar no espírito da coisa, a equipa de investigação gravou-se a si própria a dançar uma dança tipo salsa, bem como a um grupo de dançarinos semi-profissionais de lindy hop.
Estas sessões foram gravadas no estúdio experimental de captura de movimentos do Instituto Max Planck de Sistemas Inteligentes em Tubingen, na Alemanha. Adam, o bailarino de discoteca avatar da IA, foi treinado por dois bailarinos profissionais na Finlândia, que usavam fatos com detetores de movimento.
Mente sã, corpo são
Embora ainda haja muito trabalho a fazer para transformar esta atividade num produto de massas, os investigadores já estão a contemplar os próximos passos. A visão é ter uma aplicação para o mercado de massas que possa ser utilizada por qualquer pessoa, mas que também esteja orientada para as necessidades médicas.
O objetivo é combater o isolamento e a solidão, e também promover um estilo de vida saudável. O CAROUSEL incentivará as pessoas a mexerem-se em vez de ficarem sentadas nas suas secretárias, por exemplo.
"O movimento tem muitos benefícios, e há muitos estudos que o demostram", disse van der Linden. A dança é também um ótimo estimulante do humor, ajudando as pessoas a sentirem-se felizes e ligadas umas às outras. "O projeto procura basicamente isso", disse van der Linden.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE