Face aos desafios ambientais, uma espécie de formiga torna-se melhor na produção de alimentos e uma espécie de vespa africana pode tornar-se mais cooperativa.
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Armados com lanternas na cabeça e pinças, o ecologista evolutivo americano Jonathan Shik e a sua equipa passaram mais de 100 horas deitados no solo de uma floresta tropical no Panamá a observar formigas-cortadeiras a fazerem o seu trabalho.
Em primeiro lugar, os investigadores quiseram conhecer os percursos e as preferências das formigas em termos da procura de alimentos. Depois, com pinças, retiravam das mandíbulas das formigas pequenos pedaços de plantas e colocavam-nos em "sacos de provas" especialmente marcados.
Pequenas agricultoras
Este trabalho de campo meticulosamente lento foi necessário para responder a um dos mistérios sobre as formigas: como é que estes insetos com cérebros minúsculos evoluíram de forma a tornarem-se agricultores de grande sucesso num ambiente em constante mudança?
"As formigas desenvolveram a agricultura apenas através da seleção natural, sem os benefícios da tecnologia ou da cultura", disse Shik, que liderou uma equipa da Universidade de Copenhaga na Dinamarca e do Smithsonian Tropical Research Institute no Panamá. "As formigas prosperaram ao longo de 60 milhões de anos de alterações climáticas globais. Os seres humanos praticam a agricultura há apenas 10 mil anos e a sustentabilidade dos nossos sistemas está ameaçada."
Existem dezenas de espécies de formigas-cortadeiras e todas colhem pedaços de vegetação fresca, escolhendo cuidadosamente entre muitas espécies de plantas.
De volta ao ninho, transformam o material vegetal recolhido numa espécie de composto e utilizam-no para cultivar o seu próprio tipo de fungo domesticado. Este, por sua vez, torna-se um alimento que as formigas comem.
Este comportamento é semelhante às práticas agrícolas da humanidade. Contudo, enquanto a agricultura humana se esforça por lidar com as variações climáticas, as formigas-cortadeiras conseguem cultivar o seu alimento de fungos numa série de ambientes, desde a Argentina até ao estado americano do Texas.
Para compreender esta resiliência agrícola, Shik e a sua equipa realizaram uma combinação de investigação de campo e experiências laboratoriais durante um projeto da UE de cinco anos denominado ELEVATE. A iniciativa decorreu de fevereiro de 2018 a janeiro de 2023.
Foco fúngico
"Esta cultura de fungos tem certas necessidades nutricionais de componentes como o nitrogénio, o fósforo e o cálcio, pelo que descobrir como as formigas selecionam a nutrição certa para os seus fungos entre centenas de espécies de árvores numa floresta tropical foi uma parte fulcral da investigação", afirmou Shik.
No campo, os cientistas recolheram também amostras da cultura de fungos em ninhos subterrâneos de formigas para análise.
"Estas bolas de fungos, que se assemelham a pequenos cérebros, podem ser encontradas em pequenas câmaras semelhantes a cavernas no interior dos ninhos", disse Shik. "Normalmente, utilizávamos uma colher para retirar cuidadosamente partes pequenas."
De volta ao laboratório da Universidade de Copenhaga, a equipa montou cerca de 150 colónias artificiais de formigas, simulando diferentes temperaturas e humidades em câmaras especiais com controlo climático. Os investigadores desenvolveram combinações de nutrientes para as formigas recolherem e transportarem para estes ninhos artificiais.
Ao analisar as culturas de fungos produzidas, a equipa conseguiu compreender quais as misturas nutricionais ideias para os fungos. Os resultados laboratoriais correspondem a uma combinação de nutrientes que as formigas recolhem na floresta do Panamá.
"O que observámos, por exemplo, é que o excesso de proteínas na dieta é tóxico para o fungo", refere Shik. "Portanto, quando oferecemos dietas ricas em proteína às formigas no laboratório, elas preferiram deixar o seu jardim de fungos morrer à fome do que transportar esses nutrientes para o ninho."
Assistência das lagartas
Exploraram também a forma como esta simbiose evoluiu ao longo do tempo.
Em comparação com os seus antepassados mais primitivos, as formigas-cortadeiras estão a cultivar fungos mais nutritivos. Mas a sua cultura desenvolveu necessidades nutricionais mais específicas, tornando-se cada vez mais dependente das formigas agricultoras para fornecer as condições de crescimento adequadas.
Os resultados principais do projeto foram publicados na revista "Nature Ecology and Evolution" e as descobertas inesperadas estão a inspirar novas investigações.
Por exemplo, a equipa está agora a tentar compreender por que razão algumas formigas que cultivam fungos utilizam pedaços de excrementos de lagartas para fertilizar as suas culturas.
Os investigadores suspeitam que algumas folhas da floresta tropical contêm substâncias químicas tóxicas, que são removidas pela digestão da lagarta.
Vespas não tribais
Em África, outro tipo de inseto está a ser forçado a adaptar o seu comportamento social às variações climáticas.
O biólogo inglês Patrick Kennedy, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, passou os últimos dois anos em paisagens africanas variadas para descobrir se as diferenças climáticas conduzem a um comportamento mais altruísta entre as vespas.
No mundo animal, os indivíduos ajudam normalmente os parentes com os mesmos genes. No entanto, algumas descobertas recentes sugerem que nas zonas temperadas, locais como a Europa com alterações sazonais distintas no inverno e no verão, as vespas que não partilham uma relação trabalham em conjunto com mais frequência do que as que vivem nos trópicos.
Os investigadores consideram que as zonas temperadas obrigam as vespas a hibernar no inverno e, uma vez terminada a hibernação, perdem mais frequentemente o contacto com os seus parentes próximos. Para sobreviverem e prosperarem, as vespas não têm outra hipótese senão trabalhar com indivíduos que não têm necessariamente os mesmos genes.
Este comportamento é aparentemente menos frequente nas zonas tropicais, onde as vespas podem construir ninhos durante todo o ano. Através de um projeto financiado pela UE denominado WaspCLIM, Kennedy está a investigar o comportamento social de uma espécie de vespa africana que se encontra numa grande variedade de condições climáticas. A iniciativa teve início em janeiro de 2021 e decorre até ao fim deste ano.
Kennedy juntou-se a cientistas africanos para realizar experiências de campo nos Camarões tropicais e na África do Sul, que conta com uma maior diversidade climática, onde as temperaturas no inverno podem descer até aos 15 graus Celsius. O grupo incluiu peritos das universidades de Iaundé e Duala nos Camarões.
Asas e picadas
No campo, os cientistas marcaram centenas de vespas com sistemas de cores diferentes. Colocaram entre um e três pontos na asa esquerda como código para um ninho específico, enquanto uma marca na asa direita indicava um indivíduo específico.
Tiraram também um pedaço minúsculo de uma das patas da vespa para uma amostra de ADN.
"Normalmente, retiramos as vespas do ninho, uma a uma, com uma pinça, usando luvas de borracha", disse Kennedy. "É preciso ter muito cuidado para não as perturbar, mas mesmo assim somos picados muitas vezes."
Quando tudo estava pronto, os investigadores deram às vespas a oportunidade de trabalharem em conjunto ou de não cooperarem. Isso significava construir o seu próprio ninho ou agir como subordinados de outra, enquanto as suas escolhas comportamentais eram acompanhadas com câmaras de investigação.
Curiosidade local
As experiências atraíram frequentemente a atenção de residentes curiosos.
Numa vila na região leste dos Camarões, Kennedy foi abordado por um homem que lhe pediu ajuda para remover vespas da casa da sua avó. Quando Kennedy lá chegou, recebeu mais do que estava à espera.
"Nos Camarões, as vespas são consideradas uma defesa contra as bruxas", disse Kennedy. "A avó entusiasmou-se e acabou com mais de 20 ninhos de vespas na casa."
No que acabou por ser um resultado vantajoso para todos, removeu alegremente os ninhos e utilizou-os para investigação.
Segundo Kennedy, as vespas são insetos particularmente interessantes porque, ao contrário das abelhas bem-comportadas, o seu comportamento assemelha-se mais ao das pessoas. Por exemplo, os ninhos de vespas estão cheios de dramas familiares, traições e lutas pelo poder.
Dito isto, as vespas também podem ser muito úteis para os seres humanos.
"A ciência demonstrou que os fatores climáticos influenciam a cooperação entre os animais", afirmou Kennedy. "As vespas são a janela perfeita para observar como isto ocorre."
A equipa está a explorar o que motiva as escolhas das vespas, enquanto procura utilizá-las como potenciais aliadas na luta contra as pragas nas culturas em África.
A investigação neste artigo foi financiada pela UE através do Conselho Europeu de Investigação (CEI) e da MSCA (Marie Skłodowska-Curie Actions).
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.