Colmeias inteligentes e abelhas robóticas dançarinas impulsionam a apicultura sustentável
Investigadores europeus estão a utilizar grandes volumes de dados e tecnologias inteligentes para melhorar as condições da vida das abelhas e oferecer orientações aos apicultores.
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Com um "ping" eletrónico, o Professor Dirk de Graaf recebe um alerta no seu telemóvel. É um aviso de que há um problema numa colmeia. De Graaf, professor de fisiologia biomédica e de fisiologia de insetos, e diretor do Laboratório de Entomologia Molecular e Patologia Apícola da Universidade de Gand, na Bélgica, passou os últimos cinco anos a desenvolver um sistema de recolha de dados para colmeias com o qual espera poder melhorar significativamente as taxas de sobrevivência destes sistemas complexos.
Colmeias inteligentes
No âmbito de uma iniciativa de investigação à escala europeia financiada pela UE, o projeto denominado B-GOOD, de Graaf e uma equipa de investigadores de 13 países europeus uniram esforços entre meados de 2019 e novembro do ano passado para explorar a forma como as novas tecnologias poderiam ajudar a apoiar tanto a saúde das abelhas como a sustentabilidade da apicultura.
Os investigadores criaram um sistema de monitorização que pode identificar problemas numa colmeia e dar conselhos personalizados ao apicultor sobre a forma de intervir. Este sistema é um aliado potencialmente crucial para os apicultores, que, segundo as estimativas, eram 615 mil na UE em 2021.
Desenvolveram um favo digital - uma placa de circuito fina equipada com vários sensores à volta dos quais as abelhas constroem os seus favos. Várias destas placas em cada colmeia podem então transmitir dados aos investigadores, proporcionando uma monitorização em tempo real.
A etapa seguinte consistiu em determinar a melhor forma de interpretar os dados. "O desafio era descobrir quais os parâmetros que mais contribuem para o estado de saúde de uma colónia", afirmou de Graaf.
Ao longo de três estações do ano, a equipa monitorizou cerca de 400 colónias, espalhadas pelos 13 países participantes, o que lhe permitiu criar algoritmos para ajudar a interpretar os dados recolhidos pelos favos digitais.
"Verificámos que o peso é um bom indicador da sobrevivência de uma colónia durante o inverno", diz de Graaf. "Com a nossa tecnologia, podemos agora identificar as colónias que necessitam de intervenção. Esta informação é depois comunicada aos apicultores através de alertas personalizados com instruções específicas".
Apicultura com tecnologia
As abelhas são uma espécie-chave, essencial para a polinização de plantas selvagens e de muitas culturas alimentares, incluindo o chocolate, o café, o tomate e os mirtilos. Estima-se que cerca de quatro em cada cinco espécies de plantas cultivadas e de plantas com flores silvestres presentes na Europa dependem, pelo menos em certa medida, da polinização por insetos.
No entanto, o número de polinizadores selvagens na Europa, e no mundo, está a diminuir rapidamente devido ao impacto combinado das alterações climáticas, da perda de habitat e da utilização generalizada de pesticidas. De acordo com a Lista Vermelha Europeia, as populações de cerca de uma em cada três espécies de abelhas, borboletas e moscas sirfídeas estão ameaçadas. O nosso entrevistado considera os efeitos dos pesticidas particularmente nefastos.
"Muitas vezes, as abelhas não morrem imediatamente quando são expostas a pesticidas, mas desenvolvem problemas de memória e acabam por não regressar à sua colmeia", disse de Graaf.
A recolha automática de dados sobre as colmeias já está a ser utilizada por alguns apicultores, sobretudo os mais jovens e com conhecimentos de tecnologia. Agora o objetivo é promover a utilização destas ferramentas em toda a comunidade apícola, o que permitirá uma recolha de dados em maior escala. Para o efeito, os investigadores estão a trabalhar em estreita colaboração com a EU Bee Partnership, uma plataforma de gestão de dados e de saúde das abelhas à escala da UE criada em 2017.
"Mais apicultores a confiar neste sistema seria uma mudança radical; iria ajudar-nos a olhar para a saúde das abelhas de um ângulo diferente", disse de Graaf.
A tecnologia desenvolvida pode também ajudar os apicultores a planear as futuras colmeias. A equipa B-GOOD utilizou os dados para criar paisagens virtuais que preveem a forma como uma colmeia responderá a determinadas condições ambientais. "Isto funciona um pouco como um simulador de voo, mas para apicultores", disse ele.
O financiamento em curso da UE permitirá que os investigadores do B-GOOD continuem o trabalho através da iniciativa de investigação BETTER-B, que se prolongará até maio de 2027.
Vistas por dentro
Thomas Schmickl, professor de zoologia na Universidade de Graz, na Áustria, dedicou também os últimos cinco anos a explorar a utilização de tecnologia de ponta para apoiar a saúde das abelhas, no âmbito de outra iniciativa de investigação financiada pela UE, denominada HIVEOPOLIS, que decorreu entre 2019 e março deste ano.
Schmickl é o fundador do Laboratório de Vida Artificial (ALL) da Universidade de Graz, um laboratório de investigação internacional e interdisciplinar que desenvolve investigação nas áreas da inteligência de enxames, auto-organização, robótica de enxames e algoritmos de inspiração biológica.
Grande parte do trabalho realizado no ALL baseia-se na inspiração da natureza para informar os avanços da robótica. Na HIVEOPOLIS, os investigadores estão a inverter a situação e a analisar a forma como os avanços na robótica podem ajudar a apoiar a natureza. Schmickl chama a este conceito ecosystem hacking (ataque ao ecossistema).
"As abelhas melíferas são extremamente poderosas. Se as apoiarmos, estaremos a apoiar o ambiente que as rodeia", afirmou Schmickl. "A polinização só pode ser mantida com a ajuda das abelhas.".
Salienta que, com menos polinização por insetos, os rendimentos dos agricultores diminuirão, provocando o aumento dos preços dos alimentos. Isto, por sua vez, pressiona os agricultores a adotarem métodos agrícolas intensivos e prejudiciais ao ambiente, que conduzem a um maior declínio das populações de insetos. É um ciclo vicioso.
Tal como a equipa B-GOOD, os investigadores da HIVEOPOLIS desenvolveram um favo de mel digital equipado com sensores. Ao medir as temperaturas em diferentes pontos da colmeia, os investigadores podem efetivamente mapear o que se passa no seu interior.
Por exemplo, isto permite aos apicultores identificar onde se encontra a criação numa colmeia, o chamado "ninho de criação". Os apicultores podem então abrir a colmeia sem perturbar a zona sensível do ninho de criação.
Manter-se quente
Mas os favos digitais da HIVEOPOLIS não são apenas sensores, podem ser ativados para aquecer certas partes de uma colmeia, o que, segundo Schmickl, pode fazer uma grande diferença nas taxas de sobrevivência.
"Muitas colónias de abelhas morrem no inverno", afirmou. "Precisam de mel para sobreviver, mas, por vezes, estas reservas estão fora de alcance, pelo que as abelhas morrem de frio ao tentar alcançá-las.". Ao ajudar a manter as abelhas quentes durante o inverno, os apicultores podem aumentar a taxa de sobrevivência das colónias.
"Esta é a primeira vez que podemos alterar a temperatura a partir do interior do favo, enviando diretamente o comando através da Internet. Nunca ninguém o tinha feito antes", afirmou.
Inicialmente, não era claro como é que as abelhas iriam reagir à tecnologia. As experiências confirmaram, no entanto, que não só as colónias reagiram positivamente, como a inteligência dos enxames responde às mudanças de temperatura reduzindo a produção de calor das próprias abelhas, ajudando-as a poupar energia.
Abelhas dançarinas
Inspirada pelo trabalho do investigador austríaco Karl von Frisch, a equipa da HIVEOPOLIS também investigou o potencial de comunicação com as abelhas de uma forma particularmente original.
Em 1973, von Frisch foi galardoado com o Prémio Nobel pelo seu trabalho na decifração da dança do abanar das abelhas melíferas - uma dança utilizada pelas abelhas para comunicar a localização de fontes de alimento.
Postulou que o ângulo em relação à colmeia, a formação da dança e a velocidade com que se abanam se combinavam para indicar a direção e a distância até à fonte de alimento. Este tipo de comunicação através do movimento parece ser único no mundo dos insetos e continua a fascinar os investigadores.
Tim Landgraf, professor de inteligência artificial e coletiva na Freie Universität Berlin, na Alemanha, um dos parceiros da HIVEOPOLIS, aprofundou o seu trabalho anterior. Este projeto envolveu o desenvolvimento de uma abelha robótica dançarina, a RoboBee, e mostrou as primeiras indicações de que as abelhas podem estar dispostas a seguir o exemplo de um parceiro digital.
Na HIVEOPOLIS, o laboratório de investigação de Landgraf criou um sistema para observar as danças reais das abelhas melíferas e traduzi-las para um mapa, para as analisar mais de perto.
Em última análise, a equipa da HIVEOPOLIS acredita que um robô deste tipo pode potencialmente guiar as abelhas para locais de alimentação seguros e afastá-las de áreas perigosas, tais como locais contaminados por pesticidas ou doenças.Mas primeiro têm de entender melhor as suas danças.
Schmickl afirmou que espera que os apicultores façam bom uso do trabalho efetuado. "Temos os protótipos, agora cabe ao mercado livre utilizar estas tecnologias em maior escala.".
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.