De cogumelos a uma nova arquitetura: edifícios vivos e com capacidade de autorreparação

Um cogumelo na floresta é apenas a ponta do icebergue. Escondida por baixo dele está uma enorme rede de micélios
Foto: Wikimedia
Investigadores financiados pela UE estão a cultivar fungos em resíduos agrícolas para criar materiais de construção mais inteligentes e ecológicos, capazes de se adaptar e reagir ao ambiente, e até mesmo de se reparar.
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No seu gabinete na Holanda, Han Wösten segura um bloco duro semelhante a uma esponja. É um material que criou em 2012, usando a complexa rede de raízes dos fungos, com previsões ousadas sobre o potencial desse material. "Daqui a dez anos, deveremos ter os primeiros edifícios fúngicos", diz Wösten, professor de biologia molecular na Universidade de Ultrech.
Não está a falar de paredes bolorentas, mas de algo muito mais emocionante: materiais vivos, sustentáveis e cheios de potencial. Wösten estuda a forma como diferentes fungos operam dentro de um micélio, a Internet da natureza, uma rede viva de filamentos que nutre fungos e conecta plantas, compartilhando recursos e informações. Está agora a desenvolver "filamentos" fúngicos como alternativas sustentáveis e biodegradáveis ao plástico, madeira e couro - materiais que já estão a despertar novos usos na moda, mobiliário e construção.
Edifícios "vivos" preparados para o futuro
Wösten faz parte de uma equipa de investigadores da Bélgica, Dinamarca, Grécia, Países Baixos, Noruega e Reino Unido que está a explorar uma ideia radical: e se os materiais com que construímos pudessem crescer, reparar-se a si próprios e até mesmo sentir o seu ambiente?
Esta iniciativa de investigação financiada pela UE, a Fungateria, está a desenvolver materiais vivos desenvolvidos (ELMs) através da fusão de micélios fúngicos com bactérias, criando materiais adaptáveis e com capacidade de autorreparação que fazem o que os produtos convencionais não conseguem. Ao contrário dos materiais tradicionais, como o betão ou o plástico, os ELMs podem crescer, reparar-se, detetar alterações no seu ambiente e, por vezes, até adaptar-se ao longo do tempo.
Os investigadores pretendem conceber estes materiais de forma a combinar a resistência do crescimento natural, com a funcionalidade da engenharia. Por exemplo, paredes que consertam as suas próprias rachaduras, blocos de construção que absorvem CO₂ ou superfícies capazes de purificar o ar.
O objetivo é criar materiais sustentáveis e com baixo nível de resíduos que funcionem em harmonia com a natureza, em vez de contra ela, abrindo caminho para uma arquitetura e produtos mais inteligentes e ecológicos.
"Já podemos fabricar materiais semelhantes ao couro ou painéis de isolamento a partir destas redes fúngicas alargadas", afirma Wösten. "Agora, pretendemos avançar para a próxima fase e cultivar edifícios, mas de forma controlada."
Baixo desperdício, alta eficiência
O setor da construção gera mais de um terço do total de resíduos da UE. As emissões de gases com efeito de estufa provenientes da extração de materiais e da fabricação de produtos de construção, bem como da construção e renovação de edifícios, contribuem com cerca de 5% a 12% do total das emissões nacionais dos Estados-Membros da UE. Uma maior eficiência dos materiais poderia reduzir 80% dessas emissões.
Fundamentalmente, enquanto a produção de betão emite quantidades muito elevadas de CO₂ para a atmosfera, contribuindo para as alterações climáticas, os edifícios compostos por fungos poderiam reciclar resíduos agrícolas em materiais de construção, reduzindo simultaneamente as emissões de carbono.
A ideia de organismos vivos em edifícios pode incomodar algumas pessoas. Mas para Phil Ayres, pioneiro no campo da arquitetura bio-híbrida na Academia Real Dinamarquesa de Arquitetura, Design e Conservação em Copenhaga, esta é uma adaptação social que irá ocorrer ao longo do tempo.
"Há centenas de anos que consumimos alimentos com organismos vivos. Nos últimos 20 anos, temos analisado apenas as potenciais aplicações desses organismos no setor da construção civil." Ayres, que coordena o trabalho da equipa de investigação da Fungateria, deseja reverter o dogma dos seus colegas arquitetos de que os materiais são controláveis e têm propriedades fixas.
"Com o passar do tempo, todas as construções sofrem alterações drásticas. Se começássemos a pensar nos edifícios mais como organismos em constante mudança, poderíamos criar uma arquitetura ecologicamente mais sustentável", afirmou.
Ao unirem campos da microbiologia, arquitetura e ética, os investigadores também envolvem o público através de exposições, como a Bienal de Veneza, e de workshops que desafiam as ideias tradicionais sobre o que os edifícios podem ser.
Controlo do crescimento
Um cogumelo na floresta é apenas a ponta do icebergue. Escondida por baixo dele está uma enorme rede de micélios, que por vezes pesa toneladas.
Para a construção, as hifas fúngicas, filamentos semelhantes a fios, podem ser estimulados a alimentar-se de resíduos agrícolas para formar um composto forte, leve e isolante. Mas controlar este crescimento é fundamental para criar estruturas seguras e duradouras.
A espécie de fungo utilizada pelos investigadores é o cogumelo splitgill, ou Schizophyllum commune. Cresce principalmente em madeira em decomposição, o que representa um risco potencial. O crescimento do micélio precisa ser interrompido quando a estrutura estiver concluída, para que não comece a corroer os suportes de madeira.
Um dos métodos utiliza sinais da própria natureza, nomeadamente luz e temperatura, já que estes estimulam o crescimento ou a interrupção do desenvolvimento do fungo. Outro envolve bactérias geneticamente modificadas na Universidade de Ghent, na Bélgica.
Essas bactérias fornecem nutrientes essenciais ao fungo. Portanto, matar as bactérias interrompe o crescimento do fungo. As mesmas bactérias podem ser programadas para libertar compostos antifúngicos em resposta a um estímulo, proporcionando uma camada extra de segurança.
À prova do futuro
Os investigadores da Fungateria, que continuarão a sua colaboração até o final de 2026, já demonstraram que o fungo pode crescer e sobreviver em condições adversas, como seca e altas temperaturas. Isso significa que é resistente ao possível impacto das alterações climáticas.
A equipa de investigação já está a imaginar um futuro em que os edifícios serão construídos com madeira e fungos cultivados em resíduos agrícolas, num processo de construção vivo.
"No futuro, imagino que seremos capazes de fazer edifícios completos, cuja estrutura de suporte será toda em madeira com fungos a crescerem ao longo dessas estruturas e entre elas", disse Wösten.
À medida que a procura global por soluções sustentáveis se intensifica, esta investigação aponta para um futuro em que a arquitetura não é apenas inspirada pela natureza, mas feita a partir dela, viva, adaptável e entrelaçada com os ecossistemas ao seu redor.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.
