A extração de ouro, prata e outros produtos a partir de produtos descartados tem benefícios industriais, geopolíticos e ambientais para a UE.
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John Bediako percorreu o mundo durante toda a sua vida. Nasceu e cresceu no Gana, concluiu um doutoramento na Coreia do Sul e, atualmente, trabalha na Finlândia num desafio crucial para a Europa: a reutilização dos resíduos eletrónicos. "É um tópico relevante", diz Bediako, investigador na Faculdade de Ciências de Engenharia da Universidade de Tecnologia Lappeenranta-Lahti. "Poderíamos limpar o ambiente e, ao mesmo tempo, alimentar a nossa economia. Isso fascina-me."
Desafio de extração
A economia europeia de tecnologia de ponta depende de matérias-primas como o cobalto, a platina, o paládio e o ouro, que estão presentes em tudo, desde telemóveis a painéis solares.
No entanto, estes materiais são frequentemente extraídos em locais distantes da Europa e de formas que prejudicam o ambiente. Por exemplo, a China fornece 97 % do magnésio da UE, que é utilizado em produtos metálicos que têm de ser resistentes, mas leves, como bicicletas, escadas e computadores portáteis. A China também é a fonte das terras raras utilizadas em ímanes, um componente essencial dos carros elétricos e das turbinas eólicas.
Uma resposta para a Europa é reciclar matérias-primas essenciais, desde que possam ser extraídas dos produtos eliminados. Mas é mais fácil dizer do que fazer. Certos materiais estão presentes em quantidades tão pequenas que é difícil removê-los. Ou, muitas vezes, os processos não permitem uma remoção completa.
Cientistas como Bediako estão a descobrir formas novas para transformar montes de resíduos em verdadeiras minas de ouro.
Objetivo geopolítico
Para além de trazer benefícios ambientais, o sucesso nesta frente reforçaria a posição geopolítica da UE, tornando-a menos dependente das matérias-primas importadas que também provêm da Rússia, da República Democrática do Congo e de outros países.
"A Europa carece de muitos materiais preciosos", afirma Elisabet Andres Garcia, gestora de projetos na TECNALIA, um centro privado de investigação aplicada e desenvolvimento tecnológico em San Sebastián, Espanha. "A melhor maneira de evitar que o progresso da Europa dependa dos países externos é reciclar."
A invasão russa da Ucrânia, em 2022, provocou um aumento do preço de paládio, um metal branco prateado extraído principalmente na Rússia e utilizado na produção de carros, componentes eletrónicos e até obturações dentárias. Para garantir o seu acesso a estes materiais, a UE está a focar-se na sua própria produção e na investigação.
Em março de 2023, a Comissão Europeia tomou medidas para aumentar a produção interna da UE de produtos de base essenciais através de um projeto de lei. Denominado Regulamento Europeu Matérias-Primas Críticas, a legislação proposta fixaria objetivos de, pelo menos, 10 % para a extração, 40 % para o processamento e 15 % para a reciclagem destas substâncias na Europa.
Recuperadores de ouro
Paralelamente, a UE está a desenvolver investigação anterior sobre a extração de resíduos eletrónicos. Um novo projeto recebeu o financiamento da UE para impulsionar a recuperação de metais preciosos, incluindo ouro, platina e prata. Andres Garcia coordena o projeto, denominado PEACOC e que decorre durante quatro anos até o final de abril de 2025.
Reúne 19 participantes de nove países: Áustria, Bélgica, Espanha, França, Grécia, Itália, Países Baixos, Reino Unido e Turquia. Os participantes vão desde o ramo de investigação da marca italiana de carros Fiat até ao fabricante neerlandês de impressoras 3D para cerâmica e metais, Admatec Europe.
"Estamos a alargar os fluxos de resíduos que podemos tratar", afirma Andres Garcia. "Estamos, por exemplo, a reciclar certas placas de circuito a partir das quais podemos extrair metais preciosos, como o ouro."
Uma placa de circuito de, por exemplo, uma televisão avariada pode ser triturada e submetida a processos químicos criados pela PEACOC.
Este processamento acaba por extrair metais preciosos dos resíduos, algo que, até agora, só era feito numa escala limitada. Os processos foram desenvolvidos num projeto anterior financiado pela UE, denominado PLATIRUS, e estão agora a ser concebidos para operações maiores.
Trituração de resíduos "faça você mesmo"
Bediako está concentrado em volumes mais pequenos, mas não menos importantes, na qualidade de responsável por outro projeto de investigação financiado pela UE. Chama-se IONIC BARRIER e decorre durante dois anos até janeiro de 2024.
Neste projeto, Bediako está a tentar desenvolver novos processos químicos para extrair materiais cruciais dos resíduos eletrónicos, mesmo quando estes se encontram em pequenas quantidades.
"Por vezes, a concentração dos metais alvo é tão baixa que os métodos existentes não são capazes de os capturar", disse. "Com a tecnologia que estou a desenvolver, poderíamos recuperar certos materiais seletivamente, mesmo quando se encontram em concentrações muito baixas e em misturas complexas."
Bediako está a aperfeiçoar o seu processo no laboratório.
Esmaga manualmente os resíduos eletrónicos, separa o plástico do metal e, em seguida, submete-o a vários passos: submergir o metal numa solução, lixiviar a mistura resultante e tratar os elementos com absorventes.
No final do processo, tudo o que resta é ouro, paládio e platina.
Bediako comparou as quantidades de ouro em telefones descartados e na terra para sublinhar o valor da sua investigação.
"Há cerca de 350 gramas de ouro por tonelada de resíduos eletrónicos de telemóveis", declara. "Se desenterrarmos o minério do solo, só há cerca de cinco a 30 gramas de ouro por tonelada. É apenas uma questão de bom senso para melhorar as nossas capacidades de reciclagem."
Olhos em Atenas
Uma questão fundamental é saber se estes processos podem ser realizados de forma económica e ambiental.
Por outras palavras, os investigadores precisam de tornar as suas operações suficientemente eficientes para competir com a exploração mineira sem ser prejudicial para o ambiente.
No âmbito do PEACOC, está prevista a realização de ensaios em grande escala em 2025 em Atenas, na Grécia, nas instalações de uma empresa chamada Monolithos, que seleciona e processa os catalisadores para automóveis. O objetivo é saber se os métodos podem ser aplicados à escala comercial.
"Estamos a estudar várias formas de utilizar os metais que ganhamos com a reciclagem", disse Andres Garcia. "Poderão ser utilizados na impressão 3D, na construção de novos catalisadores para automóveis, mas estamos igualmente a considerar o fabrico de joias."
Uma coisa é certa: A Europa não pode continuar a dar-se ao luxo de deixar que recursos valiosos fiquem inutilizados nas inúmeras pilhas de bens eliminados que as economias modernas geram.
"As nossas indústrias de tecnologia de ponta e a transição energética necessitam de novas matérias-primas", afirma Bediako. "O mínimo que podemos fazer é não deixar que todos estes resíduos sejam desperdiçados."
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.