O impacto ambiental das alterações climáticas - mudanças nos padrões meteorológicos ou desaparecimento da biodiversidade - é amplamente reconhecido. Mas será que compreendemos verdadeiramente o impacto que o aumento das temperaturas está a ter na saúde humana?
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Os membros do Climate-Health Cluster, uma rede de investigadores europeus financiada pela UE, consideram que não. A sua missão é medir esses riscos para a saúde e desenvolver estratégias para proteger as pessoas à medida que o planeta aquece.
Para isso, estão a criar protocolos para proteger as pessoas vulneráveis durante ondas de calor extremas e a oferecer recomendações para tornar os sistemas de saúde mais reativos à evolução das ameaças que as alterações climáticas acarretam.
Porquê focar-nos na saúde?
Uma parte importante do trabalho desta equipa é encontrar formas eficazes de comunicar esses riscos. De acordo com Cathryn Tonne, epidemiologista ambiental do Instituto de Saúde Global de Barcelona, muitas pessoas continuam indiferentes à crise climática global.
"Conceitos como impacto zero, subida do nível do mar ou derretimento das calotas polares podem parecer distantes e abstratos. Para tornar estas questões mais compreensíveis e urgentes, precisamos de destacar a sua importância para a saúde", afirmou Tonne, que coordena o CATALYSE, uma iniciativa de investigação de cinco anos financiada pela UE, com duração até setembro de 2027.
"As alterações climáticas têm sérias implicações para a saúde, mas não temos sido muito eficazes em explicar isso ao público, nem os benefícios para a saúde das ações climáticas."
Mensagens claras e consistentes
O CATALYSE, um dos seis projetos de investigação financiados pela UE sobre clima e saúde, reúne uma equipa de investigadores de 10 países da UE, além da Suíça e do Reino Unido. Uma das áreas que estudam é a forma como os impactos das alterações climáticas são comunicados ao público.
Tonne destacou que as mensagens sobre o clima mudaram ao longo do tempo, criando confusão.
"O aquecimento a lenha já foi promovido como uma opção amiga do clima, mas evidências posteriores revelaram o seu impacto negativo na qualidade do ar", afirmou. Da mesma forma, a mudança dos veículos a gasolina para os a diesel foi inicialmente vista como algo positivo para o clima, até que surgiram os dados sobre a poluição do ar.
As alterações climáticas como questão de saúde
Tonne acredita que reformular as alterações climáticas como uma questão de saúde é fundamental para mobilizar tanto as pessoas como os decisores políticos.
"Acreditamos que isso acabaria por levar a um maior envolvimento político, idealmente com os países da UE a acelerarem a implementação das políticas climáticas da UE."
A ideia subjacente é simples. Quanto mais as pessoas perceberem que as alterações climáticas põem vidas em risco, mais estarão dispostas a agir, o que acabaria por beneficiar tanto o ambiente como a saúde. Mas nem sempre é assim tão simples.
Por exemplo, a equipa CATALYSE está a analisar os benefícios ambientais das bicicletas e considera que o aspeto da saúde não é suficientemente destacado.
"Temos uma meta de emissões líquidas zero juridicamente vinculativa, mas precisamos perguntar quais estratégias são mais suscetíveis de proporcionar os maiores benefícios para a saúde", afirmou Tonne. "Será através da geração de energia limpa, de veículos elétricos movidos a eletricidade renovável ou, como pensamos, fazendo com que as pessoas deixem os carros e passem a andar de bicicleta?"
Stresse térmico e programas de alerta de calor
O stresse térmico é outra preocupação crescente, especialmente nos países mediterrânicos. A Europa registou mais de 61 000 mortes no verão de 2022 e mais de 47 000 em 2023, de acordo com estimativas oficiais e estudos revistos por pares. Globalmente, a Organização Mundial da Saúde estima que as alterações climáticas causarão pelo menos 250 000 mortes adicionais por ano entre 2030 e 2050.
Para resolver isso, os investigadores estão a recolher dados e a trabalhar com agências meteorológicas para desenvolver sistemas de alerta precoce. O objetivo é enviar alertas personalizados a grupos vulneráveis, como a mulheres idosas, aconselhando-as a permanecer em casa ou tomar precauções adicionais nos dias em que o risco de golpe de calor é elevado.
Trabalhadores ao ar livre em risco
Outro grupo que suscita preocupação é o dos trabalhadores ao ar livre. Na Europa, todos os anos são contratados entre 800 000 e 1 milhão de trabalhadores sazonais para trabalhar ao ar livre, principalmente na agricultura, o que os coloca em risco crescente de doenças relacionadas com o calor. Na maioria dos casos, trata-se de trabalhadores migrantes.
Nos últimos três anos, os investigadores do CATALYSE colaboraram com ONG de Espanha, Itália e Áustria para recolher dados durante os meses de pico do verão. O objetivo era compreender melhor a extensão do risco de exposição ao calor extremo entre os trabalhadores ao ar livre e desenvolver recomendações para protegê-los.
"As condições de trabalho e de vida desses trabalhadores são muitas vezes terríveis, e o calor extremo está a piorar ainda mais a situação", disse Tonne.
A vida no "pomar da Europa"
Daniel Izuzquiza, diretor da SJM-Jesuit Migrant Service, uma ONG que colabora com a CATALYSE, partilhou as suas perspetivas sobre a região espanhola de Almeria, apelidada de "pomar da Europa".
"É uma região muito quente no verão e as pessoas trabalham em condições muito difíceis, agravadas por más condições de alojamento", disse ele. "Muitos vivem em barracas ou casas precárias com pouca ventilação, o que significa que suportam temperaturas perigosamente altas de dia e de noite."
Poucas medidas estruturais abordam essa realidade e as que existem, como a pintura de estufas com cal, parecem estar mais voltadas para o bem-estar das plantações do que das pessoas, de acordo com Izuzquiza.
Talvez a constatação mais alarmante seja o quanto essas condições se tornaram normalizadas. "As pessoas precisam de acesso a água potável e melhores condições de alojamento. Precisamos de sensibilizar os empregadores, os trabalhadores e os consumidores sobre como vivem os trabalhadores migrantes e como as condições precisam de melhorar."
Tornar visíveis as ligações entre o clima e a saúde
Para Tonne e os seus colegas, o desafio não é apenas científico, mas também comunicativo: tornar a ligação entre o clima e a saúde visível, urgente e passível de ação.
Isso significa elaborar mensagens claras e consistentes e reformular a ação climática como um investimento no bem-estar, não apenas uma necessidade ambiental.
"Quanto mais as pessoas compreenderem que as alterações climáticas colocam vidas em risco, mais provável será que apoiem políticas que protejam tanto o planeta como a saúde pública", afirmou Tonne.
Ao reconhecer estas ligações, a Europa pode garantir que, ao trabalharmos para proteger o ambiente, também salvaguardamos a saúde e o bem-estar de todos.
A investigação deste artigo foi financiada pelo Programa-Quadro Horizonte da UE. Os pontos de vista dos entrevistados não refletem necessariamente os da Comissão Europeia. Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.