Os padrões de vida ajudam os seres humanos e outros animais a permanecerem em sincronia com a natureza e em boa forma.
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Durante vários dias após cada lua cheia de novembro, ocorre um espetáculo maravilhoso na Grande Barreira de Coral da Austrália: os corais libertam milhares de milhões de ovos e espermatozoides na água, que se unem para formar larvas flutuantes. Estes acabam por fixar-se, dando origem a novas colónias de corais.
Os corais não são as únicas criaturas a sincronizar a reprodução à luz da lua. Geralmente, estes ritmos são controlados por relógios circalunares, uma forma de relógios biológicos controlados por proteínas, sintonizados com o ciclo de 29,5 dias entre as luas novas.
Sincronizações
Muitos organismos multicelulares têm, ou acredita-se que tenham, algum tipo de relógio biológico inato e muitos processos importantes, incluindo alimentação e reprodução, que dependem de tempos precisos. A capacidade de se manterem "sincronizados" é essencial para a sobrevivência.
"Entender como a interligação temporal entre indivíduos da mesma espécie e entre espécies funciona é crucial para sistemas ecológicos estáveis", afirmou Kristin Tessmar-Raible, neurobióloga da Universidade de Viena, na Áustria.
Outra forma, talvez mais familiar, de relógio biológico – o circadiano – modula o ciclo sono-vigília de 24 horas em resposta a estímulos ambientais, como luz e temperatura. O nome do relógio provém das palavras latinas "circa", que significa "em torno de" e "dies", que significa "dia".
Este sistema complexo regula tudo, desde o sono e digestão até ao metabolismo e humor. Os investigadores estão a lançar alguma luz sobres fatores ambientais que podem dessincronizar estes ritmos biológicos.
Mas ainda se desconhecem muitos aspetos sobre "cronobiologia", incluindo os mecanismos envolvidos a nível genético e molecular.
Sinais do luar
Para aprofundar o tema, Tessmar-Raible tem estudado os ritmos circalunares em animais aquáticos como parte do projeto financiado pela UE Mari.Time, que terá duração de cinco anos até 2024.
Um dos seus objetos de estudo é um anelídeo marinho denominado Platynereis dumerilii, que habita águas costeiras de mares de águas temperados a águas tropicais.
"A maior lição que conseguimos tirar até agora é que descobrimos um fotorrecetor – ou célula sensível à luz – que fornece informações ao organismo sobre o tipo de luz e duração do luar no céu", afirmou Tessmar-Raible.
A proteína L-Cry identificada pelos investigadores pertence a um grupo de moléculas sensíveis à luz designadas por criptocromos. A proteína é importante porque pode ajudar a explicar como é que os organismos são capazes de se sincronizar com uma fase da lua específica.
A pesquisa sugere que a L-Cry atua como uma guardiã que permite que apenas a luz "certa" afete os vermes. Também consegue distinguir entre os níveis de luz em diferentes fases lunares e entre luz solar e luz da lua.
"Tal pode explicar como é que os vermes individuais são capazes de sincronizar o seu relógio circalunar para a mesma fase da lua", referiu Tessmar-Raible. "Descobrimos que a luz da lua, além do seu papel no cronograma mensal, também programa a hora exata da enxameação noturna para os momentos mais escuros das noites, provavelmente para otimizar a sobrevivência e a reprodução".
A esperança é que o Mari.Time ofereça novas pistas sobre como as influências humanas, como a luz artificial e as mudanças climáticas, afetam a estabilidade dos ecossistemas e sugira formas de reduzir os efeitos.
O projeto pode até ajudar a pesquisa em saúde humana, dada a crescente evidência de que a lua afeta aspetos como o sono e a depressão.
"Muitas hormonas nas espécies de vermes que estudamos têm contrapartes humanas estreitamente relacionadas", afirmou Tessmar-Raible.
Referiu que a investigação dos mecanismos do ciclo lunar em espécies marinhas pode melhorar a compreensão de outros padrões mensais. Estes incluem o ciclo menstrual e padrões de humor em determinadas doenças mentais.
Noite e dia
Johanna Meijer, que investiga relógios biológicos na Universidade de Leiden, nos Países Baixos, estuda ritmos circadianos em animais há mais de 30 anos.
De acordo com Meijer, ainda há muito para descobrir sobre o relógio circadiano, incluindo como funciona em espécies diurnas, ou ativas durante o dia, como os seres humanos.
Sabemos muito mais sobre animais noturnos, pois essas espécies, como os ratos normalmente usados em laboratórios, tornaram-se mais fáceis de examinar a um nível molecular, de acordo com Meijer. O projeto DiurnalHealth financiado pela UE liderado por Meijer está a explorar as diferenças entre animais diurnos e noturnos.
Os ritmos circadianos são regulados por um grupo de células nervosas no hipotálamo conhecido como o núcleo supraquiasmático (SCN), que atua como o principal relógio do corpo.
Porque é sensível à luz, o SCN ajuda a regular o ciclo sono-vigília sincronizando-o com o da luz natural-escuridão do ambiente.
Quando o SCN é perturbado, por exemplo, durante viagens de longa distância ou trabalho por turnos, há indícios de que pode levar a vários problemas de saúde, incluindo distúrbios do sono, depressão, diabetes e até mesmo cancro.
O trabalho pioneiro de Meijer sobre o SCN em roedores diurnos, como a ratazana do Sudão e uma espécie de esquilo terrestre diurno está a fornecer novas informações sobre a forma como os ritmos circadianos são gerados e sincronizados.
A investigação também permite compreender como os estímulos ambientais, como a luz, a temperatura e a atividade física, são utilizados para aperfeiçoar o relógio interno do corpo.
"O SCN consegue aperceber-se da entrada de luz e da informação comportamental e essa informação comportamental pode fortalecer o relógio", afirmou Meijer. "Não é extraordinário? Desta forma, o nosso próprio comportamento faz, de facto, parte de um ciclo de feedback".
Isto significa que os estímulos externos podem ser potencialmente utilizados para corrigir as perturbações dos ritmos internos do corpo. A luz é o primeiro candidato, mas outros fatores como o exercício, a temperatura e as horas das refeições também desempenham um papel importante.
Níveis e cores de luz
Os avanços na tecnologia de imagem utilizados pela equipa tornaram possível observar o SCN com um detalhe sem precedentes.
Os resultados sugerem que as células dos roedores diurnos são menos sensíveis à luz do que as dos seus congéneres noturnos.
"Isto indica que, para que os animais diurnos e os seres humanos tenham luz suficiente para o seu relógio, precisam de mais luz do que um animal noturno", afirmou Meijer.
Numa investigação separada, os níveis de luz parecem influenciar a síntese de serotonina em ratazanas diurnas de forma mais acentuada do que em ratazanas noturnas. Uma vez que a serotonina afeta o humor, as emoções e o apetite, estas descobertas podem ter implicações em doenças como a depressão.
A equipa também encontrou indícios mais diretos de que o relógio circadiano é afetado por diferentes cores de luz, e não apenas pela parte azul do espectro visível, frequentemente responsabilizada pelos efeitos nocivos das luzes noturnas artificiais e dos ecrãs dos aparelhos eletrónicos.
A luz azul é conhecida por perturbar os ritmos circadianos e fazer com que as pessoas se sintam alerta em vez de cansadas. Mas, das cores testadas pela equipa, a luz verde e a laranja também afetaram o relógio circadiano e apenas a violeta teve pouco impacto.
"É uma espécie de aviso de que, se não quisermos perturbar o nosso relógio, não podemos limitar-nos a manter-nos afastados da luz azul", afirmou Meijer.
Implicações à escala global
O que está a emergir de ambos os projetos é uma compreensão muito mais detalhada dos mecanismos precisos dos relógios biológicos internos dos seres vivos e da sua importância para a forma como os seres humanos e outros animais funcionam.
Os resultados podem conduzir a recomendações novas e eficazes para melhorar os padrões de estilo de vida e proteger os ambientes naturais.
Meijer sublinhou a importância da forma como estes aspetos afetam não só as pessoas, mas também todos os ecossistemas.
"Após milhares de milhões de anos de evolução, o ciclo luz-escuridão é bom para os animais", afirmou. "Agora, estamos a lançar luz sobre a Terra como se fosse inofensiva – e não é".
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.