A sequenciação do ADN oferece a esperança de explicar as alterações ocorridas nos animais de criação e de ajudar a combater as suas atuais doenças.
Corpo do artigo
Os vencedores da revolução agrícola, pelos números, são óbvios. Atualmente, vivem no mundo 30 mil milhões de galinhas, mil milhões de vacas e quase 800 milhões de porcos.
Embora o início da agricultura tenha ocorrido entre 8 a 10 mil anos atrás, só no último século é que a relação da humanidade com a agricultura e os animais de criação mudou drasticamente.
Mudanças e desafios
"Passámos da utilização de animais principalmente para tração e agricultura em pequena escala - galinhas de quintal e alguns porcos num curral - para a agricultura industrial", diz Laurent Frantz, professor de paleogenómica animal na Universidade Ludwig Maximilian de Munique, Alemanha.
Não só a escala da agricultura mudou, como os próprios animais de criação foram profundamente transformados. Esta transformação ao longo do tempo pode por vezes ser vista nos restos dos seus esqueletos.
Atualmente, os cientistas estão a tentar compreender melhor o processo através da sequenciação do ADN antigo dos animais - e, a partir daí, aprender a tornar o gado moderno mais resistente.
A domesticação começou quando os animais e as plantas se começaram a adaptar a viver em ambientes modificados pelo homem. As pessoas começaram então a criar seletivamente animais com características específicas que os tornavam úteis para os seres humanos.
Estas características podem ter variado desde um tamanho favorável até uma afinidade natural com as pessoas. O processo de domesticação alterou drasticamente o aspeto e o comportamento dos animais, que se tornaram, por exemplo, mais dóceis e tolerantes com as pessoas.
Algumas épocas revelam mudanças físicas visíveis, como o aumento do tamanho do gado durante a época romana.
Os porcos e o gado tornaram-se geralmente mais pequenos durante os séculos seguintes, até à Peste Negra nos anos 1300, altura em que os animais começaram a ficar novamente maiores. Embora estas alterações sejam evidentes no registo arqueológico, os investigadores ainda estão a investigar o que as poderá ter causado.
Há muito que Frantz é fascinado pela história da domesticação. Está a investigar a genética do gado ao longo dos últimos 3 000 anos no projeto PALAEOFARM financiado pela UE.
O porco é provavelmente o único animal que foi domesticado não uma, mas duas vezes - no Médio Oriente e na China, segundo Frantz.
Conjuntos de genes
Durante milénios, os porcos foram autorizados a vaguear livremente pela Europa e a cruzar-se com os javalis locais. Mas no século XIX, os porcos chineses foram importados para a Europa.
Estes porcos foram provavelmente submetidos a um processo de seleção e domesticação mais precoce do que nos países europeus e eram mais produtivos.
O gado é diferente. Para começar, o seu património genético era mais reduzido e é menos provável que as pessoas tenham criado gado com o seu antepassado selvagem mais temível, o extinto auroque. Um touro auroque tinha normalmente 1,8 metros à altura do ombro e chifres muito mais compridos.
"Os bovinos selvagens são agressivos", disse Frantz. "As pessoas utilizavam o gado principalmente para a tração, para puxar o arado, e não teriam grande interesse em reproduzi-lo com auroques selvagens".
Franz recolhe ossos antigos de escavações arqueológicas e sequencia os genomas no âmbito do projeto PALAEOFARM, que decorre num prazo de cinco anos, até agosto de 2025.
Os locais das escavações incluem a cidade medieval de Lübeck, outrora a capital da Liga Hanseática, na atual Alemanha, e as povoações vikings e anglo-saxónicas em redor da cidade de York, em Inglaterra.
Frantz compara esta informação genética antiga com sequências de ADN de raças modernas de bovinos, suínos e galinhas.
Controlo de pragas
Interessa-se especialmente por doenças animais. No norte da Europa, nos séculos XVI, XVII e XVIII, foram enterradas em massa centenas de bovinos. A culpa foi provavelmente da peste bovina, uma doença viral cujo nome deriva de uma palavra alemã que significa praga do gado (rinderpest).
Sempre que uma doença matava um grande número de suínos ou bovinos, alguns sobreviviam. Frantz quer compreender a genética dos que sucumbiram e dos que sobreviveram, bem como quais as bactérias ou vírus que causaram a doença.
Este conhecimento poderia ajudar a tratar as doenças dos animais modernos.
Na Escócia, por exemplo, os investigadores alteraram geneticamente os porcos para os tornar resistentes a um vírus respiratório mortal. O ADN antigo pode fornecer informações sobre as partes do ADN de um animal que podem ser ajustadas para resistir a doenças.
É também uma razão para preservar raças raras de suínos e bovinos, porque podem ser portadoras de variações genéticas que conferem resistência a algumas doenças.
"No caso dos bovinos, isto é particularmente importante para o futuro, devido à sua potencial resistência às doenças infecciosas e à seca", afirmou Frantz.
A sua menor dimensão populacional e a seleção intensiva significam que existe geralmente menos variação genética nos animais de grande porte, como os bovinos, em comparação com os animais domésticos de menor dimensão.
Jogo de galinha
A galinha terá evoluído a partir da ave vermelha da selva, que se instalou nas aldeias e cidades do Sudeste Asiático juntamente com a cultura do arroz.
A ave acabou por chegar à Europa por volta de 800 a.C. e foi depois criada pelos romanos.
É provável que, no final do século XIX e no início do século XX, os quintais ressoassem com o cacarejar de aves ágeis, com um físico que ainda se assemelhava ao das galinhas-do-mato, mais esguias.
Em contrapartida, as aves atuais são roliças. Nos últimos 70 anos, a criação transformou a ave para a agricultura industrial.
"As galinhas crescem três vezes mais depressa do que há 50 anos", afirmou Frantz.
As aves selvagens eram mais coloridas e muito mais pequenas, segundo Ophelie Lebrasseur, zooarqueóloga do Centro de Antropobiologia e Genómica de Toulouse, França.
Muito interessada na história das aves, seguiu o rasto da introdução das galinhas na Europa e estudou a sua evolução até aos tempos modernos.
Agora, Lebrasseur está a investigar as suas origens controversas na América do Sul no projeto ARAUCANA, financiado pela UE, que deverá terminar em setembro, após dois anos e meio.
"Parece que, atualmente, a América do Sul é um caldeirão de galinhas europeias, polinésias e asiáticas", afirmou.
Puzzle América do Sul
No entanto, como e quando as galinhas chegaram ao continente sul-americano continua a ser um enigma.
No final do século XV, Cristóvão Colombo levou para lá galinhas, "mas foram todas comidas por causa da fome", disse Lebrasseur.
Os europeus voltaram a transportar galinhas para a América do Sul no século XVI, mas não se sabe ao certo se as galinhas da Polinésia chegaram primeiro.
Lebrasseur está a sequenciar ADN antigo de ossos de galinha encontrados em sítios arqueológicos sul-americanos, especialmente na Argentina. Ela espera encontrar um sinal no ADN que lhe diga de onde vieram os seus antepassados.
Lebrasseur também está interessado em galinhas de quintal na América do Sul e na possibilidade de algumas estarem melhor adaptadas ao seu ambiente local.
"Na Europa, não temos estas galinhas de quintal que encontramos em alguns países africanos e sul-americanos", afirmou.
Vírus da galinha
Atualmente, os agricultores escolhem raças modernas de galinhas produtivas, mas isso reduz a sua diversidade e pode deixá-las susceptíveis a doenças.
Uma solução é a introdução de genes de raças tradicionais, especialmente aqueles potencialmente úteis para combater uma doença.
Frantz está especialmente interessado na doença de Marek, uma doença mortal causada por um vírus do herpes altamente contagioso. As aves afetadas sofrem de aumento dos nervos e de tumores.
"A produção industrial de frangos contribuiu para a evolução do vírus", afirmou.
A sua investigação revelou estirpes mais antigas do vírus que eram menos mortíferas e, o que é mais importante, genes de galinhas que proporcionavam uma defesa contra o vírus.
"Talvez consigamos encontrar novas formas de combater esta doença moderna ou melhorar potencialmente as vacinas", afirmou Frantz.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.