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A investigação da UE fornece a análise mais abrangente dos esforços para aumentar as populações de gatos-bravos e ajudar os necrófagos que contribuem para o equilíbrio do ecossistema.
Qualquer pessoa que se interrogue sobre os desafios práticos da conservação da vida selvagem na Europa deve considerar uma narrativa recente. Envolve um gato-bravo, sinais de rastreio e uma viagem reveladora.
Na primavera de 2023, ambientalistas capturaram um lince macho adulto nos Cárpatos da Roménia e libertaram-no num parque nacional croata denominado Lagos de Plitvice. Esta ação fez parte de um esforço para aumentar a diversidade genética de uma população de linces em perigo de extinção na Croácia e na Eslovénia.
Novos lares
O lince, que tinha uma coleira de telemetria, passou várias semanas a tentar estabelecer o seu novo território. Primeiro, aventurou-se para leste, até à fronteira com a Bósnia-Herzegovina, depois percorreu mais de 100 quilómetros até ao lado oposto da Croácia, perto da fronteira com a Eslovénia, e finalmente – e hesitantemente – regressou a Plitvice para aí se instalar.
Miha Krofel, um especialista em gestão da vida selvagem da Eslovénia, pretende tirar partido destes sucessos emocionantes, como chefe de um projeto de investigação que recebeu financiamento da UE, para melhorar os conhecimentos sobre o comportamento dos linces após a sua libertação. Denominado LYNXONTHEMOVE, o projeto tem a duração de dois anos, até setembro de 2024.
"Estamos a tentar compreender os fatores mais importantes que influenciam a decisão de o animal permanecer no local de libertação ou deslocar-se para outra área", afirmou Krofel, que é professor assistente na Faculdade de Biotecnologia da Universidade de Liubliana.
Embora os esforços de conservação deste tipo tenham tido um sucesso crescente nas últimas duas décadas, a taxa de sobrevivência de seis meses dos carnívoros realocados continua a ser de apenas 66 %, de acordo com uma investigação recente. E apenas 37 % dos animais apresentam efetivamente um comportamento reprodutivo.
Em alguns casos, os animais realocados simplesmente afastam-se da área designada.
Tendências preocupantes
Os linces são uma das espécies mais ameaçadas, num contexto de alerta generalizado de que o mundo está a sofrer uma sexta extinção em massa, 65 milhões de anos depois de a quinta ter extinguido os dinossauros. Ao contrário das cinco extinções anteriores, a atual extinção em massa é causada principalmente pela atividade humana.
Os linces possuem uma excelente visão e audição, o que os torna caçadores hábeis.
No entanto, devido à caça intensiva, consanguinidade, perda de habitat e falta de presas, em algumas regiões da Europa, as populações de linces desapareceram no início do século XX. Na Croácia e na Eslovénia, por exemplo, até há pouco tempo, apenas restavam entre 100 a 150 animais.
Embora os esforços de conservação desenvolvidos desde a década de 1970 tenham ajudado a reverter a tendência geral, as populações de linces em alguns países e regiões da Europa continuam a diminuir.
"De um modo geral, os números estão a aumentar lentamente", afirmou Krofel. "Mas, em alguns locais, as populações continuam a diminuir, como por exemplo, na Áustria, na Macedónia do Norte ou nas zonas montanhosas de França."
Krofel associou-se a um ecologista espanhol, o Dr. Mariano Rodríguez Recio, da Universidade Rey Juan Carlos, em Espanha.
Os dois investigadores estão a concentrar-se nos dados dos programas de reintrodução existentes para o lince-ibérico em Espanha e para o lince-europeu na Croácia e na Eslovénia. Com base nessa informação, analisarão uma série de fatores relacionados com o comportamento dos animais libertados.
Métodos de libertação
Estes felinos selvagens de tamanho médio, notoriamente difíceis de detetar na natureza devido à sua velocidade, camuflagem e tendência para serem ativos principalmente à noite, são mais fáceis de reintroduzir do que alguns outros carnívoros como os lobos ou os ursos.
No entanto, o sucesso depende de questões complicadas, como o método de libertação. Um animal pode ser libertado diretamente da caixa de transporte ou ser primeiramente colocado num espaço "introdutório".
Fatores ambientais como o coberto florestal, a altitude e a topografia também podem influenciar os movimentos do animal e determinar o sucesso de toda a operação.
Além disso, a equipa do projeto LYNXONTHEMOVE avaliará o impacto das infraestruturas humanas. As autoestradas, por exemplo, são grandes barreiras para os animais, ao passo que as estradas de cascalho são frequentadas pelos linces para procurar informações e comunicar entre si.
"Utilizam as estradas de cascalho como uma espécie de canal de informação, quase como se fosse o seu Facebook", afirmou Krofel.
Batalhas territoriais
De acordo com os cientistas, as interações intraespécies podem desempenhar um papel ainda mais crucial.
Um lince macho, por exemplo, pode abandonar uma área onde outro macho já tenha estabelecido território e um lince fêmea pode fazer o mesmo se pressentir a chegada antecipada de outra fêmea.
Os investigadores centrar-se-ão na presença de outros animais numa área específica, acrescentando informações que, até à data, têm sido relativamente escassas.
As principais fontes de dados da equipa são câmaras com sensores de infravermelhos e coleiras de telemetria colocadas em todos os animais libertados e em vários outros linces.
Com a ajuda da experiência de Recio, o projeto está a utilizar análises e simulações de ponta dos movimentos dos animais para prever o seu comportamento numa determinada área, em função de fatores ambientais.
Os investigadores esperam que o resultado seja a análise mais completa alguma vez efetuada dos esforços de realocação do lince.
"Os nossos resultados deverão dar uma ideia melhor aos gestores de projetos de conservação para tomarem uma decisão crucial: quais são os melhores locais para libertar os animais e como fazê-lo", afirmou Krofel.
Aves ameaçadas
Os abutres são outra espécie que atravessa um período difícil devido ao declínio da biodiversidade.
A Dra. Sara Asu Schroer, investigadora de pós-doutoramento na Universidade de Oslo, na Noruega, lidera um projeto de investigação financiado pela UE que estuda estes necrófagos numa perspetiva de ciências sociais.
Schroer está a abordar a questão do ponto de vista da antropologia ambiental, investigando a forma como a gestão da vida selvagem ocorre em contextos históricos e culturais.
Denominada Living with Vultures in the Sixth Extinction (Viver com abutres na sexta extinção) ou LiVE, a iniciativa de quatro anos teve início em agosto de 2020.
A Dra. Schroer tem visitado diferentes zonas de Espanha, que, juntamente com a França, alberga mais de 90 % dos abutres da Europa. Entre estes, encontram-se os grifos, os quebra-ossos, os abutres-pretos e os abutres-do-egito.
Equilíbrio de forças
Estas aves, que chegam a ter três metros de envergadura, desempenham um papel crucial nos ecossistemas enquanto necrófagos que decompõem carcaças. Ao fazê-lo, os abutres contribuem para a reciclagem de nutrientes e podem mesmo conter a propagação de doenças.
Contudo, no final do século XIX, as influências humanas, incluindo o envenenamento de carcaças por agricultores ou caçadores na Europa, levaram a maioria das espécies de abutres à beira da extinção. O declínio continuou ao longo do século XX, com um sucesso limitado nos esforços de conservação.
Schroer está a entrevistar uma série de pessoas envolvidas na conservação dos abutres – desde biólogos e ecologistas a criadores e agricultores. A Dra. pretende descobrir as motivações por detrás destes esforços.
"O que me interessa particularmente é a forma como o modo de vida dos abutres se relaciona com os seres humanos e as práticas agrícolas", afirmou Schroer.
Na Índia, por exemplo, as populações de abutres diminuíram muito no final da década de 1990 e no início da década de 2000, em resultado da utilização intensiva de um medicamento veterinário
chamado diclofenaco. Embora servisse como medicamento anti-inflamatório para os bovinos, revelou-se mortal para os abutres que se alimentavam das carcaças destes animais.
Na Europa, os abutres eram frequentemente mortos por humanos que consideravam as aves como concorrentes na caça ou simplesmente como vermes.
Novas ameaças
Embora os esforços de conservação tenham ajudado as populações de abutres na Europa, estes enfrentam agora novas ameaças, incluindo medicamentos veterinários nas carcaças, linhas elétricas e parques eólicos.
A coexistência entre os humanos, o gado e os abutres pode ser facilmente perturbada pela crescente industrialização e até pelas políticas governamentais.
Por exemplo, na década de 1990, quando a Grã-Bretanha enfrentava um grande surto da doença das "vacas loucas" e pertencia à UE, uma lei proibia a prática de deixar carcaças de gado na natureza. Os grifos, muito dependentes das carcaças para se alimentarem, começaram subitamente a morrer de fome.
"É um caso interessante em que se pode realmente ver como as políticas de saúde pública podem afetar a conservação", afirmou Schroer.
Um dos objetivos do seu projeto é compreender como diferentes regulamentos e práticas de gestão podem ter efeitos adversos nos animais.
"O que a análise social e cultural traz para a mesa, e que falta à análise das ciências naturais, é olhar para o contexto social e cultural mais amplo – incluindo práticas e lições históricas – e observar a conservação dos abutres à luz de todos estes desenvolvimentos", afirmou.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.

