À medida que as novas tecnologias alteram os locais de trabalho, a investigação da UE apresenta novas formas de ajudar as empresas e os trabalhadores a manter o controlo.
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Steven Dhondt tem uma palavra para os cidadãos da UE que estão preocupados com a possibilidade de perderem os seus empregos para a automatização: calma.
Dhondt, especialista em trabalho e mudança organizacional na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, estudou o impacto da tecnologia no emprego durante as últimas quatro décadas. Na sequência da liderança de um projeto de investigação da UE sobre esta matéria, salienta as oportunidades e não as ameaças.
Visão certa
"Precisamos de desenvolver novas práticas comerciais e apoio social, mas, com a visão certa, não deveremos encarar a tecnologia como uma ameaça", afirmou Dhondt. "Pelo contrário, devemos utilizá-la para moldar o futuro e criar novos empregos."
O avanço rápido e acelerado das tecnologias digitais em todos os domínios é considerado a quarta revolução industrial do mundo e está a provocar mudanças fundamentais na forma como as pessoas vivem e trabalham.
Se a primeira revolução industrial foi impulsionada pelo vapor, a segunda pela eletricidade e a terceira pela eletrónica, a última será relembrada pela automação, robótica e inteligência artificial, ou IA. É conhecida como “Indústria 4.0”.
"Quer se trate do movimento ludita no século XIX, da introdução de máquinas de fiação automáticas na indústria dos lanifícios ou das preocupações atuais com a IA, as questões sobre o impacto da tecnologia no emprego refletem, na realidade, questões mais amplas sobre as práticas de emprego e o mercado de trabalho", afirmou Dhondt.
O projeto da UE que liderou, explorou a forma como as empresas e os sistemas de segurança social se poderiam adaptar melhor para apoiar os trabalhadores face às mudanças tecnológicas. A iniciativa, denominada Beyond4.0, teve início em janeiro de 2019 e terminou em junho de 2023.
Embora a emergência de automóveis autónomos e de robôs assistidos por IA tenha um grande potencial para o crescimento económico e progresso social, também levanta preocupações. De acordo com uma análise de 2019 do Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional, mais de 70% dos cidadãos da UE receiam que as novas tecnologias “roubem” os empregos das pessoas.
Sucessos locais
Os investigadores da Beyond4.0 estudaram empresas de toda a Europa que tomaram medidas proativas e práticas para capacitar os funcionários.
Um exemplo é uma empresa familiar holandesa de vidro, chamada Metaglas, que decidiu que para se manter competitiva face às mudanças tecnológicas era necessário investir mais na sua própria força de trabalho.
A Metaglas ofereceu aos trabalhadores uma maior abertura com a gestão e uma voz mais ativa na direção da empresa e no desenvolvimento de produtos.
Esta medida, a que a empresa chamou de “MetaWay”, ajudou-a a reter trabalhadores e a obter um lucro que está a ser reinvestido na força de trabalho, segundo Dhondt.
Segundo ele, este exemplo mostra a importância da abordagem dos gestores a toda a questão no mundo empresarial.
"A tecnologia pode ser potenciadora, em vez de uma ameaça, mas a decisão sobre essa matéria cabe à gestão das organizações", afirmou Dhondt. "Se a gestão utilizar a tecnologia para diminuir a qualidade dos empregos, então os empregos estão em risco. Se a gestão utilizar a tecnologia para melhorar os empregos, os trabalhadores e as organizações poderão aprender e melhorar." O caso Metaglas foi integrado num “banco de conhecimentos” destinado a orientar as práticas empresariais de forma mais alargada.
Dhondt salientou também a importância das regiões da Europa onde as empresas e os formadores de emprego unem esforços para apoiar as pessoas.
A BEYOND4.0 estudou o caso da cidade finlandesa de Oulu, outrora um dos principais postos avançados do gigante de telemóveis Nokia. Na década de 2010, o fim do negócio de dispositivos móveis da Nokia ameaçou Oulu com uma “fuga de cérebros”, uma vez que os engenheiros da empresa foram despedidos.
Mas a colaboração entre a Nokia, as universidades locais e os decisores políticos ajudou a desenvolver novas empresas, incluindo spin-offs digitais, e manteve centenas de engenheiros na região central da Finlândia, outrora um centro de comércio de alcatrão vegetal, madeira e salmão.
Segundo Dhondt, alguns engenheiros da Nokia foram para o hospital local trabalhar em serviços de saúde eletrónicos, “e-health”, enquanto outros foram para o fabricante de papel Stora Enso.
Atualmente, existem mais empregos de alta tecnologia em Oulu do que durante o auge da Nokia. A equipa da BEYOND4.0 apontou a zona como um “ecossistema empresarial” de sucesso que poderia ajudar a fundamentar políticas e práticas noutros locais da Europa.
Apoio financeiro
Nos casos em que as pessoas estavam desempregadas, o projeto também procurou novas formas de apoio social.
Os colegas finlandeses de Dhondt analisaram o impacto de um ensaio de dois anos na Finlândia de um “rendimento básico universal”, ou RBU, e utilizaram-no para avaliar a viabilidade de um modelo diferente denominado “rendimento de participação”.
Na experiência do RBU, cada participante recebeu um montante mensal de 560 euros, pago incondicionalmente. Embora o RBU seja muitas vezes apresentado como uma resposta à automatização,
a avaliação do ensaio finlandês efetuada pela BEYOND4.0 foi de que poderia enfraquecer o princípio da solidariedade na sociedade.
A abordagem do rendimento de participação do projeto exige que os beneficiários de apoio financeiro realizem uma atividade considerada útil para a sociedade. Isto pode incluir, por exemplo, cuidados a idosos ou a crianças.
Embora os detalhes ainda estejam a ser trabalhados, a equipa da BEYOND4.0 discutiu a participação com o governo da Finlândia e o parlamento finlandês colocou a ideia na agenda para debate.
Dhondt espera que as conclusões do projeto, incluindo as relativas ao apoio social, ajudem outras organizações a navegar melhor no panorama tecnológico em mutação.
Agentes de emprego
Outra investigadora interessada em ajudar as pessoas a se adaptarem às mudanças tecnológicas é Aisling Tuite, especialista no mercado de trabalho da Universidade Técnica do Sudeste, na Irlanda.
Tuite analisou a forma como as tecnologias digitais podem ajudar os candidatos a emprego a encontrar um trabalho adequado.
Coordenou um projeto financiado pela UE para ajudar as pessoas desempregadas a encontrar emprego ou a desenvolver novas competências através de um sistema em linha mais aberto. Designado HECAT, o projeto decorreu de fevereiro de 2020 a julho de 2023 e reuniu investigadores da Eslovénia, Espanha, Dinamarca, França, Irlanda e Suíça.
Nos últimos anos, muitos países introduziram políticas ativas para o mercado de trabalho que utilizam sistemas informáticos para traçar o perfil dos trabalhadores e ajudar os conselheiros de orientação profissional a identificar as pessoas que mais necessitam de ajuda.
Embora esta medida pareça altamente direcionada, Tuite afirmou que, na realidade, conduz frequentemente as pessoas a empregos que poderão não ser adequados às mesmas e está a criar problemas de retenção de emprego.
"Frequentemente, os nossos sistemas de emprego atuais não conseguem colocar as pessoas no local certo, limitando-se a transferi-las", afirmou. "Muitas vezes, as pessoas precisam de apoio individualizado ou de nova formação. Queríamos desenvolver um produto que pudesse ser tão útil para as pessoas que procuram trabalho como para as que as apoiam."
Pronto a funcionar
O sistema em linha do HECAT combina novas vagas com aconselhamento profissional e dados atuais sobre o mercado de trabalho. O sistema, testado durante o projeto, está agora disponível numa versão beta através do My Labour Market e pode ser utilizada em todos os países da UE onde existem dados disponíveis.
Segundo Tuite, pode ajudar as pessoas a descobrir onde há empregos e como se posicionarem melhor para os conseguir.
Para além de apresentar as vagas por localização e qualidade, o sistema oferece informações pormenorizadas sobre as oportunidades de carreira e as tendências do mercado de trabalho, incluindo os tipos de empregos que estão a aumentar em determinadas áreas e o tempo médio necessário para encontrar uma posição num setor específico.
Tuite afirmou que a resposta dos participantes ao teste foi positiva.
Lembrou-se de uma jovem à procura de emprego que disse ter ficado mais confiante para explorar novas carreiras e de outra que disse que saber quanto tempo em média iria ser a “espera do emprego” aliviava o stress da procura.
Para o futuro, Tuite espera que os investigadores do HECAT possam demonstrar o sistema em organizações governamentais de serviços de emprego em vários países da UE nos próximos meses.
"Há um interesse crescente neste trabalho por parte dos serviços públicos de emprego da UE e estamos entusiasmados", afirmou.
A investigação neste artigo foi financiada pela UE.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.