A natureza está a ser aproveitada na UE para melhorar o bem-estar dos habitantes das cidades, incluindo as pessoas que sofrem de solidão.
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Foi a investigação sobre os benefícios para a saúde das hortas comunitárias urbanas em Denver, no estado norte-americano do Colorado, que levou a professora Jill Litt a semear o fator de bem-estar da natureza em cidades de todo o mundo.
Jill ficou impressionada com a forma como as hortas urbanas, para além de promoverem a atividade física e uma alimentação saudável, eram uma porta para um sentimento generalizado de melhoria do bem estar. Ajudaram as pessoas a fazer novas amizades e a aliviar a ansiedade.
Um elenco satisfeito
"Era como se as pessoas falassem a partir de um guião", disse Jill, investigadora sénior do Instituto de Saúde Global de Barcelona, ou ISGlobal, em Espanha. "Falavam sempre da sensação boa de sujar as mãos na terra, mas também da sensação de descanso da vida da cidade".
Interessa-se pela forma como as pessoas se relacionam com as paisagens e se estas ligações podem ajudar a prevenir problemas de saúde. Os resultados que Jill observou com a jardinagem urbana levaram-na a presumir de uma ligação entre a natureza e o bem-estar dos habitantes das cidades.
"Mesmo em ambientes muito urbanos e construídos, ouviam os pássaros, sentiam o vento no rosto e no cabelo e tinham a sensação de estar em paz", afirmou.
Jill acredita que os aspectos estéticos, físicos e sociais destas atividades ampliam os sentidos das pessoas, têm um efeito a nível emocional e melhoram o seu bem-estar geral.
Está a pôr a sua ideia à prova num projeto de investigação que recebeu financiamento da UE para explorar a forma como as atividades na natureza podem combater uma das causas profundas de problemas de saúde, frequentemente negligenciada pelos médicos e estigmatizada pela sociedade: a solidão. O projeto, denominado RECETAS, tem uma duração de cinco anos e irá decorrer até fevereiro de 2026. Liderada pela ISGlobal, a iniciativa envolve parceiros de cinco países da UE - Áustria, República Checa, Finlândia, França e Espanha - bem como do Reino Unido, Austrália e Equador. A solidão está disseminada na Europa, afetando pessoas de todas as idades e origens. Em 2022, o primeiro inquérito à escala da UE sobre este tema revelou que 13% dos inquiridos se sentiram sozinhos a maior parte ou a totalidade do tempo durante as quatro semanas anteriores e 35% o sentiram pelo menos algumas vezes.
Embora represente um risco para a saúde mental e física, a solidão raramente é abordada antes de causar danos que exijam intervenção médica.
Ar fresco e amizades
Em seis cidades - Barcelona, Marselha, Praga e Helsínquia, na UE, Cuenca, no Equador, e Melbourne, na Austrália - os investigadores estão a criar grupos de vizinhos que se reúnem em espaços de natureza. Jill explica que as pessoas envolvidas são encaminhadas por profissionais de saúde para os investigadores do RECETAS, por serem consideradas solitárias.
Os grupos escolhem as atividades num menu de opções locais, como um passeio a um parque ou jardim botânico, ou um passeio à beira mar ou ao longo de um rio. Foi criado um curso de acompanhamento para ajudar as pessoas a detetar sinais e sintomas de solidão e a estabelecer ligações com outras pessoas durante as atividades para aliviar essa solidão.
As sessões semanais envolvem também um período de reflexão - manter um diário sobre o tempo passado na natureza, em atenção plena ou em meditação.
"A natureza é agente catalisador que faz com que as pessoas se abram", comentou Jill, que também trabalha no Departamento de Estudos Ambientais da Universidade do Colorado em Boulder. "Mesmo que sejam pessoas relativamente caladas, há algo no grupo que ajuda mesmo. É muito bonito participar nos grupos e ouvir o quanto eles preenchem um vazio na vida das pessoas".
Novotná, investigadora checa pós-graduada, concorda.
Blanka, que trabalha no Centro de Especialização em Longevidade e Cuidados Continuados da Universidade Charles, em Praga, disse que as amizades formadas no grupo do projeto ajudaram pelo menos uma pessoa a ultrapassar tempos difíceis.
Falou-nos de uma senhora que entrou semanas depois da morte do marido e estava demasiado fragilizada para falar nas primeiras sessões. Depois, durante um passeio no bosque, um outro membro do grupo que tinha passado por um processo de luto assegurou-lhe com enorme amabilidade que o tempo e a natureza a ajudariam a lidar com a situação, dando-lhe um apoio que foi muito bem-vindo.
Por detrás de cada grupo estão assistentes sociais, profissionais de saúde, planeadores de território e biólogos interessados na interseção entre a natureza e a saúde mental.
Um dos especialistas é também o líder do grupo durante as primeiras nove semanas, após as quais o objetivo é que o grupo prossiga sozinho com a força das amizades que foram criadas.
Rotas verdes
Tadhg MacIntyre, psicólogo ambiental da Universidade de Maynooth, na Irlanda, afirmou que a pandemia de covid-19 e os confinamentos generalizados que desencadeou ofereceram novas perspetivas sobre as razões pelas quais as pessoas utilizam os espaços verdes e o que ganham com isso.
Segundo ele, os motivos são normalmente a interação social e o bem-estar mental, mais do que a atividade física.
"As pessoas começaram a aperceber-se de que se tratava, na verdade, de estabelecer contactos com vizinhos, amigos e familiares - ou da oportunidade de se sentarem debaixo de uma árvore, de desfrutarem da natureza e sentirem os seus poderes restauradores", disse MacIntyre.
Este psicólogo lidera outro projeto financiado pela UE que analisa a forma como a natureza pode ajudar a saúde humana. Denominado GO GREEN ROUTES (Rotas verdes), o projeto arrancou no auge da pandemia, em setembro de 2020, e decorrerá até agosto de 2024.
Em seis centros urbanos - Burgas, na costa búlgara do Mar Negro, Limerick, na Irlanda, Lahti, na Finlândia, Tallinn, capital da Estónia, Umeå, na Suécia, e Versailles, nos arredores de Paris, - os investigadores estão a construir ou a renovar parques e espaços verdes.
Em Limerick, o resultado é um percurso de 1,2 quilómetros de comprimento que atravessa um subúrbio da cidade. O Dr. Mark Lyons, residente local e professor de força e condicionamento na Universidade de Limerick, utiliza o novo percurso para caminhar e correr, enquanto os seus filhos andam de bicicleta e de trotineta.
"Provou ser uma ligação muito necessária entre as escolas locais para que as pessoas possam caminhar e andar de bicicleta longe do tráfego intenso", disse Lyons. "Ciclistas, caminhantes e corredores podem utilizar o percurso em segurança. É utilizado por um grupo demográfico muito vasto, o que é ótimo de ver".
A participação da comunidade é um aspeto importante do projeto. Os habitantes locais partilham ideias de criativas com a cidade e ajudam a criar os espaços.
A interação com a natureza está integrada nos projetos e inclui áreas de recreio para crianças feitas de materiais naturais, como troncos para correr e depósitos de aparas de madeira para escavar.
Círculos virtuosos
O tempo passado na natureza não só beneficia a saúde mental e física das pessoas, como também representa um ganho para o próprio ambiente, segundo MacIntyre.
Segundo ele, quanto mais as pessoas interagem regularmente com a natureza, mais se preocupam com ela e é provável que façam mudanças no seu estilo de vida para reduzir a sua pegada ambiental.
Antes de se tornar psicólogo ambiental, MacIntyre foi psicólogo desportivo e trabalhou com atletas profissionais. Neste domínio, o tempo passado na natureza, de forma ativa ou passiva, é considerado um aspeto importante do tratamento do stress.
MacIntyre também participou em investigações que demonstram que a redução da cobertura arbórea e os elevados níveis de poluição sonora nas cidades podem conduzir a níveis mais elevados de stress para os residentes.
Em Lahti, o GO GREEN ROUTES construiu um passadiço florestal num centro médico para convidar funcionários, doentes e visitantes aos benefícios da natureza. O passadiço leva as pessoas por um percurso através da floresta com áreas de atenção plena, relaxamento e interação social.
Faz lembrar a ideia japonesa dos banhos na floresta, que recorrem às imagens, sons e cheiros do bosque para ajudar a relaxar.
"Ao envolver os cidadãos nas muitas e diferentes Rotas Verdes, estamos a conseguir potenciar os benefícios para a sua saúde e, a longo prazo, ajudar o ambiente", afirmou MacIntyre.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.