As artes e a cultura podem dar asas à imaginação e dinamizar os projetos que visam uma maior sintonia entre os bairros urbanos e a natureza.
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Em Amesterdão, capital dos Países Baixos, a rua Stadhouderskade está a ser recuperada pelos habitantes. Estão a transformar a artéria entupida de carros num refúgio de dois quilómetros de comprimento para a natureza e para as pessoas.
Estudantes de arte, engenharia, matemática, ciências e tecnologia estão a ajudar a impulsionar a transformação. O seu papel consiste em prestar aconselhamento artístico, social e técnico sobre a remodelação do troço de estrada situado ao longo de um canal principal e perto do Rijksmuseum, onde se encontram pinturas de mestres holandeses do século XVII, como Rembrandt van Rijn e Johannes Vermeer.
Desenhos holandeses
A "Milha Verde" é uma iniciativa de seis organizações holandesas que incluem o Rijksmuseum, a cervejeira Heineken - cuja sede se situa na Stadhouderskade -, a Universidade de Ciências Aplicadas de Amesterdão, o Banco Nacional Holandês, o gabinete de arquitetura UNStudio e a consultora Blendingbricks.
"As artes e a cultura podem desafiar as pessoas a saírem da sua forma habitual de pensar", afirmou Annemie Wyckmans, professora de arquitetura sustentável na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia em Trondheim.
Wyckmans lidera um projeto de investigação que recebeu financiamento da UE para analisar a forma como o envolvimento de um vasto leque de grupos, incluindo os sectores artístico e cultural, pode estimular mudanças sustentáveis. Denominado CRAFT, o projeto de três anos decorre até abril de 2025 e tem a iniciativa de Amesterdão como exemplo principal.
A equipa CRAFT está a inspirar-se numa iniciativa da UE para trazer o Pacto Ecológico Europeu para os locais onde as pessoas vivem. Denominado "O Novo Bauhaus Europeu", ou NEB, pretende que a vida quotidiana e os espaços de habitação das pessoas se inspirem na arte e na cultura, estejam em harmonia com a natureza e envolvam a interação social.
Tal como o movimento Bauhaus na Alemanha há um século, o NEB tem como objetivo fundir o design urbano, a ciência, a tecnologia, a arte e o espírito comunitário. A arte em si pode ser uma força motriz porque está amplamente exposta nas cidades e tem o poder de galvanizar as pessoas. A UE está a organizar um festival NEB na capital belga, Bruxelas, de 9 a 13 de abril.
Luzes brilhantes
Com a sua iniciativa Stadhouderskade, Amesterdão é uma das três principais cidades entre as mais de 70 que se reúnem no âmbito do CRAFT para partilhar conhecimentos e experiências. As outras duas são Bolonha, em Itália, e Praga, na República Checa.
Em Bolonha, um antigo estaleiro ferroviário está a ser renovado para criar pavilhões e áreas abertas onde se podem realizar atividades artísticas, desportivas e outras atividades sociais. Em Praga, estão a ser colocadas instalações artísticas em espaços públicos e o público em geral está a ser convidado a dar a sua opinião.
As três cidades estão a reunir uma variedade de vozes locais e a testar novas formas de estimular e orientar a transformação. Nalguns casos, isso significa incluir os membros da comunidade na tomada de decisões urbanas; noutros, implica a ligação entre departamentos municipais que, de outro modo, atuam frequentemente de forma isolada.
"Estamos a realçar o papel da arte e da educação no desencadear desta mudança", afirmou Wyckmans. Acreditamos que a arte pode ligar as pessoas, oferecer novas perspetivas e enriquecer o diálogo entre as diferentes partes interessadas."
Em Amesterdão, a transformação da Stadhouderskade está bem encaminhada e deverão prosseguir diversas atividades durante o resto da década.
Em junho de 2023, foi instalado um "hotel para insetos" num parque com o nome do pintor holandês do século XX Carel Willink. A estrutura de madeira, que se assemelha vagamente a uma casa de pássaros com um telhado de madeira inclinado, dá a insetos como joaninhas, borboletas e abelhas solitárias um lugar para passar a noite, hibernar ou simplesmente ficar. Está virado para sudoeste para aumentar o calor.
Em setembro, um grupo de cerca de 80 residentes, trabalhadores e outras pessoas interessadas juntou-se a uma primeira atividade de limpeza ao longo da Stadhouderskade. Recolheram lixo plástico, pontas de cigarro e outros resíduos durante quase quatro horas que terminaram com umas rodadas na Heineken.
O objetivo final é que o troço de um quilómetro de comprimento, que se encontra entre as zonas mais congestionadas, sujas e ruidosas de Amesterdão, tenha menos carros e mais árvores, arbustos e parques para criaturas de todos os tipos.
"Até 2030, queremos transformar a Stadhouderskade numa via verde, sustentável, segura e vibrante para todas as formas de vida", afirmou Rob Andeweg, gestor do programa na Universidade de Ciências Aplicadas de Amesterdão. "E queremos fazê-lo promovendo um sentimento de apropriação entre os residentes locais e os utilizadores da zona e permitindo que as vozes da natureza e dos animais sejam aqui ouvidas."
Centelha criativa
Outro projeto de investigação financiado pela UE, o CreaTures, adotou uma abordagem lúdica para alterar as perceções e possibilidades relativas às alterações urbanas.
Em 2022, um grupo de desconhecidos reuniu-se em Finsbury Park, na capital do Reino Unido, Londres, usando máscaras que representavam diferentes animais, insetos e plantas.
Cada máscara representava uma forma de vida particular que vivia no parque e a pessoa que usava o disfarce era o porta-voz da espécie representada. O evento fazia parte de um jogo, uma encenação para explorar a forma como este espaço público específico poderia ser utilizado para responder às necessidades de todos os que o habitam, e não apenas das pessoas.
"Os jogadores agem como um cão, uma abelha ou até mesmo a erva e ajudam-nos a mudar a forma como todos nós vemos e participamos nos nossos espaços verdes urbanos. Ajudam-nos a alteramos significativamente as relações da comunidade com a biodiversidade local", afirma a iniciativa local no seu sítio Web.
Mãos à obra
O projeto CreaTures - acrónimo de Creative Practices for Transformational Futures (Práticas Criativas para Futuros Transformadores) - decorreu durante três anos, até 2022, e explorou formas das artes abordarem as alterações climáticas.
Catalogou as práticas criativas atuais, experimentou outras e fez uma avaliação global.
O CreaTures incluiu representantes da Finlândia, Países Baixos, Eslovénia, Espanha e Reino Unido. Para além de Londres, trabalhou em vários locais, incluindo Helsínquia, Liubliana e Sevilha, e em cada um com experiências diversas.
Ao testar formas das artes criativas estimularem mais pessoas a envolverem-se ativamente com os seus ambientes, a equipa do projeto pretendia criar um recurso comum a partir do qual outros pudessem recorrer.
"Há muitos artigos académicos que dizem o que é preciso fazer, mas muito poucos exemplos de como fazê-lo realmente", disse Tuuli Mattelmäki, professor associado de design na Universidade de Aalto, na Finlândia, e coordenador do CreaTures. O projeto produziu uma coleção de 20 produções experimentais. Cada uma delas foi proposta por um artista ou grupo de artistas e, em seguida, baseou-se nas ideias de todos os participantes no projeto.
Experiências empreendedoras
A iniciativa de Finsbury Park, por exemplo, foi proposta por duas organizações culturais, uma sediada em Londres e a outra em Berlim.
Tal como várias outras experiências do CreaTures, espera-se que esta tenha um impacto para além do tempo de vida do projeto. O município responsável pelo Finsbury Park planeia convidar os residentes locais a assinar um "tratado de cooperação" com a biodiversidade do parque e monitorizar o seu efeito. Outra experiência do CreaTures foi uma plataforma interativa de cuidados sociais em linha inspirada nas "Clínicas de Solidariedade Social" existentes na Grécia durante o auge da crise financeira e migratória da década anterior. Uma outra experiência propõe um jogo de tabuleiro de fonte aberta que incentiva os jogadores a juntarem os seus recursos em vez de competirem para acumular bens. O impacto da produção alimentar humana nas alterações climáticas deu origem a um livro de receitas com 11 receitas chamado "Os Futuros da Alimentação Mais do Que Humana" destinadas a provocar a reflexão sobre dietas que apoiem a sustentabilidade ambiental.
Uma receita associa uma dieta sustentável e saudável à ideia de comida glamorosa, combinando algas marinhas, spirulina, arroz, romã e gelado.
Outra receita desafia a noção de "pragas" na natureza, dizendo que muitas espécies invasoras têm efeitos positivos. Dá o exemplo do tremoço, que na Suécia é considerado um invasor indesejável dos jardins, mas que é uma fonte de proteínas para as vacas.
Impacto global
Segundo Mattelmäki, desde que o projeto terminou, pessoas de todo o mundo têm utilizado as suas orientações sobre as ações artísticas que melhor se adequam a determinadas iniciativas. Foi mesmo mencionado num relatório das Nações Unidas publicado em dezembro de 2023. O documento da ONU, intitulado "O Olhar Mais Criativo para o Futuro", defende que a verdadeira inovação é impossível sem as competências e os comportamentos fomentados pela imaginação e pela criatividade.
Quando se trata de combater as alterações climáticas, Mattelmäki afirmou que o poder das artes é muitas vezes subestimado e subutilizado.
"Através das artes e da cultura, cria-se uma abertura de interpretação que pode desafiar o status quo", afirmou.
A investigação deste artigo foi financiada pelo programa Horizon da UE. Os pontos de vista dos entrevistados não refletem necessariamente os da Comissão Europeia.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.