Papel de erva e desperdícios usados na construção. A procura por um indústria verde
Embora a indústria consuma muitas árvores e produza muitos resíduos, as embalagens feitas de erva e os novos materiais de construção apontam para um caminho mais sustentável.
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A Suíça é conhecida pelas suas montanhas, pelo queijo e pelo chocolate. Menos conhecida é a forma como a Lindt, uma fabricante suíça de chocolate, está a embalar as suas delícias de forma mais ecológica.
A embalagem de papel utilizada para alguns dos produtos da Lindt já conta com fibras verdes. Mais do que um simples toque de cor, o verde é erva verdadeira que substitui alguma da madeira normalmente utilizada para fazer o papel.
Tensões florestais
A alteração é o resultado de anos de investigação realizada pela fabricante de papel alemã Creapaper e parcialmente financiada pela UE num projeto denominado Grass Paper.
"A tensão exercida sobre as florestas é demasiado elevada", refere Michael Schatzschneider, diretor financeiro da Creapaper. "Por essa razão, quisemos encontrar uma alternativa para as embalagens, que podem parecer produtos de baixo valor, mas que, por si só, são responsáveis pela produção de milhões de toneladas de papel todos os anos." A indústria do papel é uma das maiores utilizadoras mundiais de madeira, sendo responsável por 33 a 40% do comércio global do setor. Só na Europa, a indústria da pasta de papel e do papel assegura 179 000 postos de trabalho e contribui com 21 mil milhões de euros para o produto interno bruto da UE.
A produção mundial de papel atingiu um recorde de 415 milhões de toneladas em 2021, de acordo com a Agência Internacional de Energia. Além disso, os resíduos resultantes acabam muitas vezes por não ser utilizados.
Da mesma forma que a produção de papel pode reduzir a sua pegada ambiental, os resíduos também o podem fazer, através da sua utilização para uma série de aplicações.
Não ao desperdício
"A produção de papel está a aumentar", refere Juan José Cepriá, gestor de projetos na empresa de construção espanhola ACCIONA Infraestructuras. "Isto coloca mais pressão nas nossas florestas e gera mais resíduos. Chegámos a uma fase em que as fábricas de papel não sabem o que fazer com eles." Cepriá coordenou um projeto separado financiado pela UE denominado PAPERCHAIN, que decorreu durante quatro anos até agosto de 2021, para resolver o problema dos resíduos. Um desses locais foi a Eslovénia, onde os resíduos de papel foram utilizados numa iniciativa de construção.
Por ser montanhosa, a Eslovénia precisa frequentemente de construir muros de gravidade para evitar deslizamentos de terras, de acordo com Karmen Fifer Bizjak, chefe do departamento de geotecnia e infraestruturas de tráfego no Instituto Nacional de Construção e Engenharia Civil da Eslovénia, ou ZAG.
Normalmente, as empresas de construção utilizam gravilha para construir estas barreiras. Contudo, neste caso, o projeto utilizou um material novo denominado MUDIPEL, que é feito de resíduos, principalmente cinzas e lamas de papel, provenientes de uma fábrica de papel local.
Atualmente, estes materiais não têm qualquer utilidade e seriam descartados.
"Foi um desafio transformar as lamas de papel e as suas cinzas num material de construção", afirma Fifer Bizjak. "O novo material tinha de funcionar da mesma forma que o antigo. Além disso, tínhamos de provar que não era prejudicial para o ambiente."
Material de construção
Por exemplo, foi necessário encontrar a combinação ideal de cinzas e lamas, bem como determinar a quantidade de material que precisava de ser pressionada para funcionar de forma mais eficaz.
O MUDIPEL cumpriu o seu objetivo. Fifer Bizjak afirmou que o material novo já está a ser utilizado em outros projetos de construção.
"Provámos que era possível", afirmou. "Mostrámos aos engenheiros e às empresas de construção que se trata de um produto viável."
Segundo Fifer Bizjak, tem a mesma duração e as mesmas propriedades mecânicas que o material tradicional.
A PAPERCHAIN desenvolveu cincos destes processos na Europa.
Em Portugal, o projeto transformou resíduos, como a lama de cal, em materiais base para a produção de betão e asfalto, que foram utilizados para construir estradas no país. Na Suécia, o projeto utilizou borras de papel para evitar que os produtos químicos nocivos libertados durante a extração mineira se infiltrem no solo.
"Já construímos mais de seis quilómetros de estradas com resíduos de papel", afirmou Cepriá. "Algumas destas tecnologias estão prontas para serem utilizadas em grande escala. Agora podemos finalmente começar a utilizar os resíduos das fábricas de papel de formas socialmente úteis."
Papel de erva
De volta à Alemanha, a Creapaper também está pronta para lançar o seu produto infundido com erva após a conclusão do projeto financiado pela UE, que decorreu de outubro de 2018 a novembro de 2020.
A empresa está sediada perto da cidade ocidental de Bona e tem cerca de 35 funcionários.
"Estamos sempre a melhorar a nossa tecnologia", disse Schatzschneider. "No entanto, atualmente, o mais importante para nós é convencer as marcas a utilizar o papel feito de erva."
A Creapaper utiliza erva para produzir uma pasta que depois pode ser utilizada pelas fábricas para produzir papel ou cartão, que é vendido principalmente como material de embalagem. É geralmente uma mistura de 30% de pasta de erva e 70% de madeira, o que pode salvar um grande número de árvores.
Segundo Schatzschneider, do ponto de vista da oferta, a erva é uma boa alternativa à madeira.
"Está disponível em todo o lado", referiu. "É um recurso global. Os agricultores também já estão habituados a colhê-la, em fardos de palha. Podemos produzir uma grande quantidade de uma forma minimamente invasiva."
Além disso, a produção da pasta de erva é mais sustentável do que a produção da pasta de madeira equivalente, de acordo com Schatzschneider. Uma tonelada de pasta de erva necessita de cerca de 10 litros de água, ao passo que a mesma quantidade de pasta de madeira necessitaria de cerca de 1 500 litros.
O resultado para a Creapaper é uma embalagem de papel com um tom verde. Nesta área, a empresa está à procura de acordos comerciais de grande escala, como o da Lindt.
A Creapaper tem registado uma produção cada vez maior e está confiante em relação ao crescimento futuro.
"Neste momento, estamos a aumentar significativamente a produção", disse Schatzschneider. "Ainda temos algum caminho a percorrer, mas estamos a convencer cada vez mais marcas a considerar o nosso papel."
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE