Investigadores estão a estudar a forma de combater os poluentes presentes no escoamento urbano e nas descargas dos esgotos.
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Perto da cidade medieval belga de Ghent, no município de Wetteren, os investigadores estão a tentar reduzir os poluentes na água da chuva utilizando conchas. Milhões de conchas do Mar do Norte, ali ao lado, recolhem e filtram a água da chuva do telhado de um centro comercial e de um parque de estacionamento.
Desafio das águas pluviais
As conchas, acumuladas debaixo do esgoto, dispõem de um espaço 70% oco que lhes permite armazenar uma chuva forte. Servem também como estação de limpeza natural da água, que é depois utilizada para irrigar os jardins comunitários. A experiência faz parte de um projeto de investigação denominado StopUP que recebeu financiamento da UE para encontrar novas formas de evitar que as águas pluviais transportem poluentes para os rios, lagos e baías.
O projeto centra-se no escoamento urbano (a água da chuva que acumula poluentes das ruas, telhados e outros locais à medida que atravessa as cidades) e nas descargas dos esgotos. O objetivo é garantir que essas águas residuais, que podem conter de tudo, desde plásticos a pesticidas, sejam tratadas.
"As tecnologias e métodos StopUP podem fornecer ferramentas que os profissionais utilizam para planear e aplicar medidas de redução da poluição das águas pluviais", afirma Thomas Wintgens, diretor do Instituto de Engenharia Ambiental da Universidade RWTH Aachen, na Alemanha.
Wintgens coordena o StopUP, que teve início em setembro de 2022 e deverá decorrer até agosto de 2025.
Embora 98% das pessoas na UE tenham acesso a serviços de saneamento básico e mais de 90% das águas residuais urbanas sejam tratadas em conformidade com a legislação europeia que data de 1991, a contaminação continua a ser um grande desafio.
Na Europa, 38% das massas de água de superfície apresentam várias formas de poluição, de acordo com a Agência Europeia do Ambiente.
Rastreios de poluição
A saúde humana depende da água limpa para beber, tomar banho e cozinhar. A saúde do ecossistema também está em causa porque as plantas e os animais são afetados pelos produtos químicos presentes nos rios, lagos e águas costeiras.
"Embora tenham sido feitos muitos progressos no tratamento das águas residuais na UE, o impacto das emissões residuais provenientes do escoamento urbano e das descargas de esgotos é importante", afirmou Wintgens.
Em colaboração com 11 universidades e empresas da Bélgica, Alemanha, Itália, Países Baixos, Noruega, Suíça, Tunísia e Reino Unido, a StopUP está a desenvolver tecnologias para melhorar o que sabemos sobre a origem dos poluentes e a forma como chegam aos corpos de água. Os poluentes típicos incluem nutrientes, hidrocarbonetos, metais pesados e contaminantes microbianos.
Na cidade alemã de Aachen, perto da fronteira belgo-neerlandesa, a StopUP está a testar um sistema de filtragem à base de areia para reduzir a poluição causada pelas descargas de esgotos no rio Wurm. A técnica utilizada, denominada "filtro de retenção do solo", consiste essencialmente em areia com uma camada de drenagem inferior de cascalho e canas plantadas à superfície.
Em Antuérpia, a segunda maior cidade da Bélgica depois de Bruxelas, e maior do que Gante, os investigadores estão a experimentar um filtro de gravilha para tratar o escoamento urbano.
"Trata-se de um domínio importante na investigação, muito relevante para as comunidades e para o ambiente", afirmou Wintgens, que tem duas décadas de experiência na gestão da água e no tratamento de águas residuais.
Contorcendo-se à chuva
Luz Herrero é outra especialista neste campo. Diretora de tecnologia ambiental no Centro Tecnológico AIMEN, perto de Vigo, no oeste de Espanha, coordena um outro projeto financiado pela UE para combater o escoamento de água nas cidades. Denominado WATERUN, tem uma duração prevista de quatro anos, até maio de 2026.
Herrero, que há 18 anos trabalha em tecnologias para enfrentar os desafios ambientais, afirmou que pode existir um grande lapso entre a perceção popular da água da chuva e a sua verdadeira composição.
"Pode parecer que a água da chuva é muito limpa, mas ao passar pelas ruas e pelos telhados fica carregada de poeira, resíduos de fezes de animais, microplásticos e outros poluentes tóxicos", afirmou. "A poluição difusa pode ter impactos negativos significativos no bem-estar humano e na saúde dos ecossistemas".
Por exemplo, os custos de saúde na Europa associados à presença de nitrato, um químico frequentemente utilizado como fertilizante, na água potável excedem os mil milhões de euros por ano, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
Herrero afirmou que existe uma "lacuna de conhecimento" sobre a origem exata da poluição e a forma como esta se propaga através da água.
Em resposta, a WATERUN está a desenvolver sensores para hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAP) (produtos químicos provenientes do carvão, do petróleo e da gasolina) para serem colocados nas bacias hidrográficas urbanas. Procura também identificar a origem e a distribuição dos poluentes.
O projeto está a realizar estudos no terreno em três cidades com condições climáticas muito diferentes: Aarhus na Dinamarca, Santiago de Compostela em Espanha, e Amã na Jordânia.
As três cidades estão também em fases diferentes do projeto, com Aarhus a liderar e Santiago de Compostela ainda a preparar-se.
Aarhus, com lagos próximos, uma bacia fluvial e uma baía, está a concentrar-se em lagos no centro da cidade. O seu objetivo é remover 70% dos microplásticos, do fósforo e dos HAP, que se podem acumular no solo e danificar os terrenos, as plantas e os animais.
"Em Aarhus já foram criadas infraestruturas para lidar com o escoamento das águas urbanas", afirmou Herrero.
Os investigadores da WATERUN tencionam basear-se nos três estudos para elaborar orientações para as autoridades municipais sobre a melhor forma de lidar com o escoamento urbano.
Influências climáticas
A investigação é ainda mais importante devido à aceleração das alterações climáticas, que estão a causar tempestades e inundações mais frequentes (e cada vez mais graves) juntamente com o aumento das temperaturas e o agravamento das ondas de calor.
"O problema só pode agravar devido à alteração dos padrões de precipitação e às chuvas extremas", afirmou Herrero.
Wintgens salientou outra ligação climática, dizendo que as secas constituem um desafio para os próprios investigadores.
"Se não chover durante meses num determinado local, não podemos recolher amostras", afirmou.
Mas a questão fundamental é a importância da água potável.
"Não esqueçamos a qualidade da água", disse Wintgens. "É fundamental, porque determina a qualidade do nosso ambiente comum".
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.