Prótese olfativa pode vir a ajudar quem perdeu a capacidade para detetar odores
Os investigadores estão a tentar assegurar que as pessoas mantenham a sua capacidade de detetar odores.
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Há uma década, num campo de laranjeiras no sul da Grécia, Stéphane Tawil apercebeu-se de que tinha perdido completamente o olfato.
Os amigos de Tawil comentavam o aroma perfumado das laranjas. Mas não lhe cheirava a nada.
Condição dispendiosa
"Tive uma constipação antes disto e quando se tem uma constipação normalmente perde-se o olfato", disse Tawil. "Lembro-me de não ter prestado muita atenção. Mas depois durou bastante tempo."
Na altura, Tawil juntou-se a cerca de 20% da população mundial com perda total ou parcial do sentido do olfato. A parte afetada do corpo humano é o sistema olfativo, que inclui o nariz e as cavidades nasais.
Embora ocorra naturalmente com a idade, a perda de olfato também pode ser causada em pessoas mais jovens por uma variedade de fatores, como infeções virais, obstrução nasal ou trauma.
Em todo o caso, a deterioração da qualidade de vida daí resultante levou Moustafa Bensafi e os seus colegas, com a ajuda de fundos de investigação da UE, a procurar formas de restaurar o sentido do olfato nas pessoas que o perderam.
"As pessoas que perdem o olfato podem ficar deprimidas", afirmou Bensafi, investigador do Centro de Investigação em Neurociências de Lyon, em França. "Têm uma perceção reduzida dos alimentos. Deixam de reconhecer certos perigos ambientais, como o risco de incêndio ou de alimentos estragados. Também têm problemas na sua vida social."
O seu projeto de investigação visa construir um equipamento que ajude as pessoas a recuperar a capacidade de detetar e reconhecer alguns odores. Denominado Rose, o projeto de quatro anos decorre até agosto de 2025. No final, os investigadores esperam demonstrar a viabilidade do equipamento planeado, a que chamam prótese olfativa.
Inicialmente, estará limitado ao laboratório porque algumas peças terão de ser miniaturizadas. Mas, em última análise, Bensafi pretende criar um dispositivo que as pessoas possam usar sempre que quiserem para detetar odores e que possa ser facilmente colocado e retirado.
Estimulação cerebral
A perda total do olfato é conhecida como anosmia e a perda parcial como hiposmia.
Embora conheçam as causas de ambas as doenças, os investigadores neste campo estão a tentar compreender que partes do cérebro precisam de ser estimuladas para ajudar as pessoas a recuperar o seu olfato.
"Sabemos muitíssimo pouco sobre este tema", afirmou Bensafi. "Não sabemos como estimular o cérebro."
Os investigadores do projeto Rose estão a explorar uma opção direta: estimular o sistema olfativo.
Uma segunda opção é indireta: estimular um nervo na cabeça, o nervo trigémeo, que proporciona sensações de temperatura, dor e tato, em vez do cheiro propriamente dito.
Uma vez que a anosmia e a hiposmia tendem a não afetar o nervo trigémeo, a ideia é estimular o nervo para fazer com que as pessoas com uma ou outra doença associem determinados alimentos e objetos aos sentidos que estes proporcionam.
Frescura dos alimentos
Pense na sensação de frescura dos alimentos doces aromatizados com menta.
Comer um alimento doce com menta, como uma pastilha de menta, produz não só um sabor doce e um cheiro a menta, mas também uma sensação de frescura, que provém do sistema trigémeo.
A prótese incluiria sensores que recolhem informações químicas de alimentos ou outras coisas, por exemplo, uma molécula de um bolo e uma molécula de uma rosa. Os testes seriam efetuados em momentos distintos e não em simultâneo.
As moléculas interagiriam com os sensores da prótese, produzindo sinais bioelétricos que poderiam ser enviados para o nervo trigémeo nos casos em que o sistema olfativo não responda.
A estimulação do nervo desencadearia uma sensação trigeminal em vez de um cheiro real, permitindo que as pessoas percebessem o seu ambiente químico e diferenciassem os cheiros de um bolo e de uma rosa.
Ao aprender associações entre diferentes moléculas e sensações trigeminais, as pessoas seriam capazes de desenvolver um método totalmente novo, um "alfabeto olfativo", que lhes permitiria compreender os cheiros que as rodeiam.
Até ao momento, os investigadores não têm qualquer plano para comercializar a prótese planeada, uma vez que se concentram em demonstrar a sua funcionalidade.
Kit de teste
Enquanto a equipa de Bensafi trabalha para restaurar o olfato em pessoas que o perderam, outros investigadores estão concentrados em treinar a população em geral para cuidar melhor dos seus poderes olfativos.
"Se for a um centro comercial ou a uma rua, encontra oferta de cuidados auditivos e oftalmológicos", disse Marianna Obrist, professora de interfaces multissensoriais na University College London, no Reino Unido. "Mas onde estão os cuidados olfativos?"
Obrist liderou um outro projeto financiado pela UE que desenvolveu um kit para testar o sentido do olfato. Denominado SmellHealth, o projeto decorreu durante um ano e meio, até novembro de 2022.
O kit inclui um dispositivo que transmite odores ao nariz e uma aplicação que permite aos utilizadores registar digitalmente a sua capacidade de detetar diferentes odores.
A aplicação recolhe dados dos utilizadores, criando um registo digital da perceção do cheiro ao longo do tempo.
Indicador mais amplo
As variações na sensibilidade olfativa podem também ser indicadores de problemas de saúde subjacentes.
Estudos demonstraram que os doentes com Parkinson ou Alzheimer também sofrem de uma diminuição da capacidade olfativa. Ter uma forma de a medir pode ajudar no diagnóstico precoce de doenças.
"A perda de perceção olfativa está associada a doenças neurodegenerativas, mas também à depressão e à ansiedade", afirmou Obrist. "Se começar a registar o seu desempenho olfativo, começará a reunir dados. E todos sabemos que os dados têm poder de previsão."
A professora pretende efetuar mais ensaios clínicos com o dispositivo para realçar os seus benefícios. Num cenário ideal, o dispositivo seria integrado nos exames de rotina dos doentes na consulta de clínica geral, segundo Obrist.
Anos depois de se ter apercebido, em 2014, num campo de laranjas grego, que tinha perdido o olfato, Tawil recuperou-o após uma cirurgia de remoção de pólipos nasais.
Outras pessoas que perdem o olfato não têm tanta sorte como Tawil. Para elas e para aquelas que desejam cuidar do seu sistema olfativo, a prótese olfativa planeada e o kit de testes deverão garantir que podem continuar a desfrutar do aroma doce e ácido de uma laranja madura.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.