Rio Douro lidera investigação europeia para tornar transporte fluvial mais sustentável
As extensas vias navegáveis interiores da Europa continuam a ser subutilizadas, apesar do seu potencial. Investigadores e parceiros estão a desenvolver ferramentas, como simulações digitais de fluxos fluviais ou controlo da poluição, que apoiam um transporte fluvial mais inteligente, resiliente e sustentável.
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O rio Douro é um dos cursos de água mais conhecidos de Portugal. Corre através da região que produz os famosos vinhos do Porto e atrai um número crescente de turistas todos os anos, o que traz benefícios económicos, mas também problemas.
"Os navios de passageiros estão a tornar-se mais populares à medida que os turistas descobrem a região", afirma Filipe Martins, da APDL, a organização que administra os portos marítimos de Leixões e Viana e a via navegável interior do Douro. "Isso é bom. Mas também está a colocar mais pressão ambiental sobre o rio."
Por exemplo, alguns barcos turísticos optam por simplesmente descarregar as suas águas residuais no rio de forma ilegal, em vez de esvaziarem os tanques nos portos e pagarem por isso.
"É triste. Polui este rio lindo", afirmou Filipe Martins. Este é apenas um exemplo que mostra que há espaço para melhorar a gestão dos cursos de água da Europa, de modo a mantê-los saudáveis e sustentáveis.
Uma iniciativa financiada pela UE, denominada ReNEW, que reúne investigadores de universidades, institutos de investigação, organizações públicas e empresas de 11 países europeus, já está a trabalhar para melhorar o desempenho e a sustentabilidade das vias navegáveis interiores.
A ReNEW centra-se no desenvolvimento e teste de tecnologias para apoiar o setor do transporte fluvial na sua transição para um futuro mais sustentável, resistente às alterações climáticas e digitalmente habilitado.
A rede europeia de vias navegáveis interiores estende-se por cerca de 41 mil quilómetros e transporta anualmente cerca de 550 milhões de toneladas de carga.
Com mais de 16 000 embarcações, o transporte por vias navegáveis interiores desempenha um papel fundamental no transporte de mercadorias e no comércio transfronteiriço, ligando as principais regiões industriais do continente. O setor também apoia o transporte de passageiros e os cruzeiros, cuja popularidade está a aumentar em muitas partes da Europa.
"A Europa tem uma vasta rede de vias navegáveis interiores, mas a sua quota no transporte de mercadorias tem-se mantido relativamente estável. Isto mostra que o seu potencial não está plenamente realizado", afirmou Janeta Toma, diretora-geral da Plataforma Europeia de Transporte por Vias Navegáveis Interiores e coordenadora do ReNEW.
A concretização de todo o potencial das vias navegáveis interiores exige investimentos, o desenvolvimento e a implantação de tecnologias inovadoras, quadros políticos de apoio, incentivos de mercado adequados e a participação ativa dos principais interessados.
Rios digitais
O trabalho dos investigadores começou em setembro de 2022 e continuará até setembro de 2025, com o objetivo de ajudar a Europa a libertar todo o potencial das suas vias navegáveis de uma forma inteligente e sustentável.
Uma das principais ferramentas que estão a ser desenvolvidas são os chamados gémeos digitais: uma representação virtual das infraestruturas e operações das vias navegáveis interiores.
Estes modelos são criados através da combinação da integração de dados e da modelação de previsões climáticas com sensores de nível de água, previsões meteorológicas e localização de navios, bem como através de testes reais em quatro laboratórios vivos.
Os dados compilados criam uma cópia digital de um rio. Utilizando estes sistemas, os cientistas podem monitorizar e prever o comportamento de um rio e, por exemplo, responder melhor a situações de emergência como as cheias. É esse o objetivo do laboratório vivo do Douro, em Portugal.
O laboratório vivo de Ghent, na Bélgica, está a desenvolver um terminal inteligente multifuncional, que integra diferentes meios de transporte, bem como sensores para monitorizar os níveis de água e a qualidade do ar e da água.
No terceiro laboratório vivo, os investigadores estão a criar uma plataforma para acompanhar o progresso da carga transportada por navios. Entretanto, um quarto laboratório vivo está a construir e a testar barcaças autónomas de baixas e zero emissões. Estes dois laboratórios têm centros na Bélgica, Alemanha, França e Países Baixos.
Os parceiros destas iniciativas incluem centros e institutos de investigação como o Imec da Bélgica e o Sintef da Noruega, mas também a autoridade portuária APDL e a Konnecta Systems da Irlanda.
"As soluções que estamos a desenvolver representam algumas das contribuições mais estratégicas do projeto ReNEW", afirmou Janeta Toma. "Refletem a nossa ambição de apresentar inovações práticas e escaláveis que reforcem o setor da navegação fluvial."
Blockchain para travar o dumping ilegal no rio Douro
Uma dessas soluções está atualmente a ser testada no Douro. No âmbito do trabalho da ReNEW, a APDL instalou sensores nos tanques de águas residuais de várias embarcações turísticas que navegam ao longo do rio.
Estes sensores registam os níveis de água minuto a minuto, e esta informação, juntamente com o nome do navio, a hora e as coordenadas atuais, é armazenada de forma imutável numa cadeia de blocos (blockchain), ajudando a detetar qualquer descarga rápida de águas residuais em locais onde tal não deveria acontecer.
Se ocorrer uma descarga fora de um ponto de recolha de águas residuais, a diminuição do volume do tanque e as coordenadas do navio serão utilizadas para identificar a infração, já que esta informação é registada automaticamente numa cadeia de blocos: uma recolha de dados partilhada publicamente.
"Desta forma, é imutável, não pode ser alterada", segundo Filipe Martins. "Estes registos também são guardados para sempre. Ninguém pode adulterar os dados."
O sistema emite automaticamente uma coima ao operador do navio que descarrega ilegalmente as águas residuais, reduzindo os encargos administrativos e punindo imediatamente os infratores.
Se o teste for bem-sucedido, o sistema poderá tornar-se obrigatório para todos os navios turísticos que navegam no rio. Filipe Martins espera que esta medida ajude a proteger o Douro, mas também traga alguns benefícios económicos.
"Neste momento, as condições de concorrência são desiguais", afirma.
"As empresas honestas pagam pelo tratamento das suas águas residuais, enquanto os poluidores não pagam, se não forem apanhados. As companhias de navegação que cumprem as normas ambientais estão a ter dificuldade em competir com operadores que nem sempre seguem as mesmas normas."
Os investigadores da APDL também instalaram sensores ao longo do leito do rio e combinaram os seus dados com vários modelos de água e meteorológicos para criar um gémeo digital.
Com este modelo, espera-se prever melhor as cheias e as secas, o que deverá beneficiar o turismo, os transportes e a agricultura. Este tipo de tecnologias deverá também ajudar a estimular as vias navegáveis interiores da Europa e a criar novas oportunidades.
"O transporte por vias navegáveis interiores tem capacidade para transportar mais carga e reduzir a dependência do transporte rodoviário que acarreta enormes emissões de CO₂", afirmou Janeta Toma.
"Com o investimento e o apoio adequados, pode dar um contributo muito maior para um sistema de transportes europeu sustentável e eficiente."
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.