Robô-companheiro: o robô humanoide que conversa para ajudar doentes idosos hospitalizados
Investigadores da UE estão a testar um robô que consegue manter conversas básicas em ambientes movimentados, e ajuda as pessoas que chegam aos hospitais.
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Um hospital no centro de Paris teve um ajudante inesperado: um robô humanoide em tamanho real capaz de falar. Criado por uma equipa internacional de investigadores financiados pela UE, pode interagir com os doentes, fornecer informações práticas e responder a perguntas para ajudar as pessoas a orientarem-se no hospital.
Os ensaios com o robô laranja e branco denominado ARI mostraram-se promissores, segundo a equipa do Hospital Broca, especializado em cuidados de dia para idosos com doenças como Alzheimer e outros problemas cognitivos.
Atravessar o ruído
O desafio consistia em fazer com que o robô compreendesse quando lhe dirigiam a palavra num ambiente movimentado, fosse capaz de falar com diferentes pessoas e responder às suas perguntas, ao mesmo tempo que parecesse simpático e não intimidante para os doentes.
Num vídeo filmado pelos investigadores durante os ensaios, uma senhora idosa dirige-se à ARI para pedir indicações para o gabinete 253. O robô pisca os olhos, vira a cabeça e responde: "O gabinete 253 está localizado no edifício B, no segundo andar."
Este é o tipo de interação social para o qual o ARI foi concebido. E representa um marco importante no desenvolvimento de sistemas capazes de interagir com os seres humanos.
Estes robôs têm de integrar um reconhecimento de voz sofisticado, tecnologias de cancelamento de ruído e estratégias de comunicação adaptativas para garantir interações eficazes, mesmo em ambientes desafiantes e ruidosos.
Uma mão amiga para os cuidados de saúde
A esperança é que robôs como o ARI possam assumir algumas das tarefas não médicas nos hospitais, libertando o pessoal para se concentrar nos cuidados aos doentes. Esta medida ofereceria uma ajuda muito necessária ao sector dos cuidados de saúde, frequentemente subfinanciado e com falta de pessoal.
A investigação fez parte de uma iniciativa de quatro anos financiada pela UE, denominada SPRING, coordenada pelo Instituto Nacional de Pesquisa em Informática e Automação (INRIA), sediado em França. A equipa de investigação SPRING incluía especialistas da República Checa, Israel, Itália, Espanha e Reino Unido, que se juntaram para enfrentar o desafio específico da comunicação entre robôs num contexto real que envolve várias partes.
A sua fase inicial de desenvolvimento e validação foi concluída em maio de 2024 com resultados promissores.
"Acreditamos que o robô ARI poderá, no futuro, tornar-se um elemento essencial dos cuidados prestados aos doentes nos hospitais, graças à sua capacidade de interação social e de orientação", afirmou a Professora Anne-Sophie Rigaud, geriatra e psiquiatra dos Hospitais Universitários da Grande Paris, um dos parceiros da equipa de investigação.
Conversas de teste
O ARI foi testado através da interação com mais de 100 doentes, os seus acompanhantes e o pessoal médico, com ajustamentos constantes para melhorar a qualidade das conversas mantidas ao longo do percurso. Tornou-se claro que as pessoas receberam o robô de forma mais calorosa à medida que essas melhorias eram efetuadas.
"É muito promissor, porque podia ter acontecido que, mesmo que o robô funcionasse bem, as pessoas não gostassem de interagir com ele", disse a Dra. Maribel Pino, psicóloga cognitiva que dirige o Broca Living Lab, responsável pela introdução de tecnologias de saúde inovadoras no hospital.
Maribel Pino considerou os resultados encorajadores, tendo em conta a atual natureza primitiva dos robôs socialmente inteligentes, e disse que poderiam ser um ponto de partida para os robôs desempenharem funções de cuidados complementares.
"Vimos pessoas a interagir com o robô", afirmou. "Quando o robô funciona bem, as pessoas gostam de falar com ele durante alguns minutos."
A investigadora acrescentou que os robôs também podem proporcionar uma distração conversacional e entreter as pessoas enquanto esperam no hospital, por exemplo, contando piadas. Esta estimulação mental pode ser útil para pessoas com deficiências cognitivas.
Navegar na aceitação
Embora a robótica de assistência social tenha percorrido um longo caminho nas últimas décadas, a maioria dos robôs atuais foi concebida para a interação de um único utilizador em alguns cenários simples, como museus, centros comerciais ou recepções de hotéis.
Um desafio à utilização mais generalizada de robôs em locais públicos é a multiplicidade de restrições legais e éticas à utilização de máquinas autónomas e à recolha de dados, especialmente porque os robôs também podem potencialmente processar dados biométricos e registos de saúde.
Desde que a Lei da Inteligência Artificial da UE entrou em vigor em agosto de 2024, foram impostas certas obrigações aos criadores de IA para equilibrar a inovação com a segurança, garantindo que os robôs de conversação funcionam dentro de limites éticos e legais.
Por questões de proteção de dados, o robô do Hospital Broca teve de ficar confinado a uma sala separada e permanecer imóvel, em vez de se deslocar pelo hospital, por exemplo.
Abraçar os avanços
De acordo com Xavier Alameda-Pineda, informático e roboticista do INRIA e responsável pela coordenação dos trabalhos realizados pela equipa SPRING, apesar dos desafios, foram feitos avanços significativos.
Inicialmente, os progressos foram feitos à medida que os robôs eram treinados em grandes modelos de linguagem - sistemas avançados de aprendizagem de IA concebidos para compreender, gerar e manipular a linguagem humana. Isto permitiu que os robôs se envolvessem numa conversa mais natural.
Foram então introduzidas outras melhorias técnicas antes dos testes finais, incluindo a adição de movimentos da cabeça para permitir que o robô interagisse melhor com as pessoas e "olhasse" diretamente para elas.
A PAL Robotics de Barcelona, Espanha, que fabricou o robô, continuou a melhorá-lo após o fim da fase de validação em Paris.
As novas funcionalidades incluem o reconhecimento automático de voz e algoritmos melhorados de seguimento do olhar. Isto permitirá ao ARI detetar melhor pistas de interação social. A PAL Robotics tem também conduzido outros projetos-piloto utilizando o robô para assistir e interagir com pessoas idosas em lares residenciais em Espanha, Itália e Grécia.
Além disso, os robôs ARI foram desenvolvidos e testados nos laboratórios de investigação da SPRING noutros países, incluindo a República Checa, Israel e o Reino Unido.
Inteligência social
Os investigadores do SPRING também fizeram progressos noutra área fundamental: permitir que o robô interaja em conversas mais complexas que envolvam mais do que uma pessoa e seja capaz de distinguir se estão a dirigir-se a ele ou não.
"Temos agora o primeiro sistema que pode interagir com duas pessoas", disse Alameda-Pineda. "É um grande passo."
Mas a criação de robôs mais sofisticados que compreendam plenamente as pistas sociais e a linguagem corporal, como acenos de cabeça, olhares rápidos ou encolher de ombros, é um desafio muito maior.
"O que é complicado é que um robô consiga compreender os aspetos mais subtis da interação social, como a ironia, os gestos, as expressões faciais e as combinações entre eles", disse Alameda-Pineda.
Acredita que um robô falante que permita uma conversação e interação básicas, bem como conselhos e indicações para consultas, poderá estar pronto para uma utilização generalizada dentro de alguns anos.
Os progressos realizados pela equipa SPRING colocam a Europa na vanguarda do trabalho realizado neste domínio, graças ao estilo de conversação natural dos seus robôs e à sua capacidade de interagir com várias pessoas ao mesmo tempo. A investigação realizada na UE, no Japão e nos EUA produziu robôs semelhantes, mas estes não têm a capacidade de multitarefa do ARI ou a sua produção é demasiado dispendiosa.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.