Os investigadores criaram um sistema de semáforos melhorado para prever tempestades geomagnéticas. Estão agora a testar até que ponto estes algoritmos nos podem preparar para a chegada de tempestades espaciais que podem provocar o caos inutilizando satélites no espaço e redes elétricas na Terra.
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Yuri Shprits, cientista espacial do Centro Alemão de Investigação em Geociências em Potsdam, está numa missão para salvar o nosso planeta.
Há muito tempo que sabemos que grande parte do nosso modo de vida moderno está ameaçado pelos caprichos do Sol. Se a nossa estrela entrar subitamente num período mais ativo, pode provocar tempestades geomagnéticas capazes de destruir satélites ou causar apagões na Terra.
Mas será que podemos prever quando é que estas tempestades vão chegar, como é que vão afetar o ambiente e as infraestruturas da Terra e garantir que estamos preparados? É nisto que a Shprits tem estado a trabalhar, começando com um projeto financiado pela UE chamado PAGER, que decorreu de 2020 a 2023.
Previsão meteorológica espacial
O objetivo dos investigadores era desenvolver um algoritmo que pudesse reunir dados de telescópios e satélites de observação do Sol com dados de satélites em órbita da Terra. Com base nisso, podem prever quando uma tempestade geomagnética perigosa se dirige na nossa direção e quais as consequências para as infraestruturas no espaço e no planeta.
Para o efeito, os investigadores ligaram diferentes modelos informáticos do ambiente solar e do espaço próximo da Terra.
Na melhor das hipóteses, disse Shprits, "precisaríamos de uma ou duas horas para calcular o que chegaria à Terra e que efeitos teria no ambiente próximo da Terra, mas essa perturbação levaria na realidade, dois dias a chegar".
A radiação prejudicial para os satélites pode demorar mais alguns dias a acumular-se, e isto pode dar-nos algum tempo para nos prepararmos.
O algoritmo concebido pela equipa do PAGER está agora a ser testado para ver até que ponto pode ser útil.
"Após décadas de investigação espacial fundamental, que começou com o primeiro satélite dos EUA a descobrir radiações espaciais nocivas em 1958, chegámos finalmente a um ponto em que alcançámos capacidades de previsão", afirmou Shprits. "Estamos muito entusiasmados."
Frente de tempestade
Uma tempestade geomagnética ocorre quando uma poderosa erupção do Sol interage com o campo magnético do nosso planeta.
Quando o vento solar viaja do Sol para a Terra, pode transportar partículas carregadas que interagem com o campo magnético protetor da Terra. Estas são ainda mais aquecidas no interior da magnetosfera, criando partículas com imensa energia que podem ser nocivas para os satélites.
A colisão destas partículas com partículas na atmosfera terrestre pode produzir as magníficas auroras vistas da Terra. Mas também representam um perigo, porque podem interferir com os sistemas eletrónicos dos satélites. Estas tempestades geomagnéticas atingiram as nossas instalações espaciais muito recentemente.
Em fevereiro de 2022, a empresa norte-americana SpaceX perdeu 38 dos seus satélites de Internet Starlink quando uma forte tempestade geomagnética os puxou de volta para a atmosfera terrestre depois de terem sido lançados.
A empresa americana Intelsat, por seu turno, perdeu o controlo do seu satélite Galaxy 15 em abril de 2010 devido a uma tempestade geomagnética. "Começou a andar à deriva, ameaçando outros engenhos espaciais, devido a interferências de frequência", disse Shprits. "Tudo isto pode ficar caríssimo porque o preço de um destes engenhos espaciais pode ultrapassar mil milhões de euros."
As tempestades geomagnéticas também causam problemas na Terra. As correntes elétricas que criam podem sobrecarregar as centrais elétricas e causar apagões temporários. Foi o que aconteceu no Quebeque, Canadá, em 1989, quando uma tempestade geomagnética provocou um apagão generalizado de nove horas.
Em outubro e novembro de 2003, tempestades muito fortes causaram a interrupção dos serviços de satélite, provocaram anomalias em numerosos satélites e perturbaram as comunicações, as redes elétricas e a navegação por GPS em muitas regiões do globo.
Cinturões de radiação
A maioria dos satélites próximos da Terra opera nos cinturões de radiação da Terra, uma região do espaço até quase 58 000 quilómetros acima do nosso planeta onde muitas partículas carregadas ficam presas pelo campo magnético da Terra. Estes cinturões podem ficar muitíssimo intensificados durante as tempestades.
"Os satélites GPS operam no coração destes cinturões, onde a radiação é mais prejudicial", disse Shprits. Embora estes engenhos espaciais estejam bem protegidos, as partículas com mais energia podem penetrar a blindagem e causar danos.
Para se protegerem contra os fenómenos solares, alguns países da Europa e os Estados Unidos dispõem de centros de previsão de meteorologia espacial que podem prever quando é que as tempestades nocivas chegarão à Terra. No entanto, até há pouco tempo, estas previsões não estavam ligadas a modelos capazes de prever a radiação no espaço, a forma como esta radiação penetraria nas engenhos espaciais ou os potenciais efeitos na Terra.
No projeto PAGER, cientistas da Europa e dos EUA combinaram os modelos do Sol e do ambiente solar com os modelos do ambiente terrestre para desenvolver um sistema de previsão abrangente.
Shprits salientou que "algumas das previsões meteorológicas espaciais são realmente complexas e complicadas e os intervenientes por vezes não têm doutoramentos em física espacial. Só querem saber se vai ser seguro ou não."
Semáforo espacial
O objetivo da equipa PAGER era, portanto, criar um sistema simples de semáforos baseado em previsões. Indica ao operador do satélite a probabilidade das condições no espaço serem seguras ou não.
Com o PAGER, um operador, perante uma luz vermelha, saberá que deve considerar imediatamente a possibilidade de colocar os satélites temporariamente modo de proteção ou se os operadores da rede elétrica devem tomar medidas preventivas. O amarelo significa que deve ter cuidado com os potenciais efeitos, enquanto o verde indica que está tudo bem.
"Verde significa 'não se preocupe, não está a acontecer nada”", disse Shprits. "Na verdade, esta é a indicação que mais valorizam, porque após as tempestades, querem um sinal claro de que podem voltar às operações normais."
Para estes cálculos, o PAGER assenta constantemente em máquinas de elevada potência num centro informático do Centro Alemão de Investigação em Geociências.
"Normalmente, as previsões mais difíceis são feitas a meio da noite para não sobrecarregar os computadores", disse Shprits.
A sua equipa passou a prever probabilidades, explicando que é praticamente impossível fazer previsões muito precisas a longo prazo dos efeitos da tempestade.
"Se dissermos que, com um grau de certeza de 80%, haverá condições muito adversas no espaço, isso equivale a ouvirmos a previsão meteorológica indicar que há 80% de hipóteses de chover."
"Isso dá-nos a ideia de que é melhor levar um guarda-chuva. O mesmo se passa com os satélites."
Refinamento de modelos
Shprits está atualmente em conversações com a Agência Espacial Europeia (ESA) para um novo projeto que permitirá à agência adotar alguns dos modelos PAGER nas suas operações.
O objetivo é continuar a melhorar os serviços de previsão e melhorar tornar cada vez melhor a análise dos eventos meteorológicos espaciais.
"Estamos a tentar utilizar a aprendizagem automática em muitos locais e integrá-la nesta infraestrutura. Estamos também a tentar utilizar todos os dados disponíveis em tempo real e a misturá-los com as nossas previsões, para que as medições possam aperfeiçoar os nossos modelos."
Outra coisa que poderia ajudar são mais dados de satélite. Shprits explicou que um próximo projeto da ESA para monitorizar o ambiente de radiação do espaço próximo da Terra fornecerá "medições em tempo real de radiação intensa na magnetosfera que nos serão muito úteis." Vai fazê-o voando através dos cinturões de radiação e efetuando medições.
"Há também propostas para colocar detetores de radiação em todos os engenhos espaciais comerciais", afirmou. "Isso iria ajudar-nos certamente a obter uma imagem muito melhor e mais ampla do que se passa no espaço. Desenvolvemos agora ferramentas para utilizar todos estes dados e melhorar as nossas previsões."
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.