As pessoas que vão dormir cedo e acordam cedo podem ter herdado o hábito dos Neandertais, revela um novo estudo.
Corpo do artigo
Todos os humanos modernos têm a sua origem em África há cerca de 300 mil anos, onde fatores ambientais moldaram muitas das suas características biológicas. Há aproximadamente 70 mil anos, os ancestrais dos humanos modernos começaram a migrar para a Eurásia, onde encontraram diversos novos ambientes, incluindo latitudes mais altas com maior variação sazonal na luz do dia e na temperatura.
Lá, encontraram também outros hominídeos, como os Neandertais e o Denisovanos, que divergiram dos humanos modernos há cerca de 700 mil anos, tendo evoluído sob diferentes condições ambientais, e que viviam na Eurásia há mais de 400 mil anos. Quando os humanos chegaram à Eurásia, acasalaram com os hominídeos arcaicos, fazendo com que os humanos do futuro pudessem ganhar variantes genéticas já adaptadas a esses novos ambientes. De acordo com o jornal britânico "The Guardian", os humanos de hoje têm até 4% do ADN neandertal, incluindo genes ligados à pigmentação da pele, cabelo, gordura e imunidade.
Agora, investigadores analisaram ADN de humanos modernos e de Neandertais e descobriram que diferentes variantes genéticas estavam envolvidas nos relógios biológicos - ou ritmos circadianos - dos dois grupos. Os cientistas recorreram ao UK Biobank (banco biológico no Reino Unido), que contém informações genéticas, de saúde e de estilo de vida de meio milhão de pessoas e descobriram, não só que muitas delas eram portadoras das variantes, como também que os genes estavam consistentemente ligados a hábito de acordar cedo, segundo o artigo publicado na quinta-feira na revista científica "Genome Biology and Evolution".
“Ao analisar os pedaços de ADN neandertal que permanecem nos genomas humanos modernos, descobrimos uma tendência surpreendente: muitos deles têm efeitos sobre o controlo dos genes circadianos em humanos modernos e esses efeitos são predominantemente numa direção consistente de aumento da propensão a ser uma pessoa matinal”, disse John Capra, epidemiologista da Universidade da Califórnia, em comunicado. "Esta mudança é consistente com os efeitos da vida em latitudes mais altas nos relógios circadianos dos animais e provavelmente permite um alinhamento mais rápido do relógio circadiano com as mudanças nos padrões de luz sazonais".
O investigador suspeita que muitos humanos modernos têm os genes neandertais porque estes ajudaram os seus antepassados a adaptarem-se à vida em latitudes mais elevadas. “Pensamos que é um sinal de que temos um relógio mais rápido e mais capaz de se adaptar à variação sazonal dos níveis de luz. Em latitudes mais altas, é benéfico ter um relógio mais flexível e mais capaz de mudar para corresponder aos níveis variáveis de luz sazonal", explicou ao "The Guardian".
Estas conclusões são consistentes com outros estudos realizados noutros animais que se adaptaram a viver em latitudes elevadas. Por outro lado, ter genes neandertais têm apenas um pequeno impacto na propensão para ser uma pessoa matinal. Centenas de outros genes, bem como influências ambientais e culturais, afetam o momento em que as pessoas dormem e acordam.
O que são os ritmos circadianos?
Os ritmos circadianos são um guia natural para o corpo durante o ciclo de 24 horas, dizendo-nos quando comer, dormir e acordar e adaptando a biologia dos animais e das plantas ao ciclo de luz e escuridão da Terra, segundo explica Simon Archer, professor de biologia molecular do sono na Universidade de Surrey, ao "The Washington Post".
Esses ritmos podem sofrer alterações, fazendo com que os humanos tenham dificuldade em dormir ou em permanecer acordados, quando estão desequilibrados por causa de, por exemplo, problemas de saúde, incluindo stresse, depressão, ansiedade e hipertiroidismo, ou trabalho por turnos e viagens.
Mudanças como o horário de verão também podem afetar os ritmos circadianos.
O que herdámos dos antigos humanos
Os cientistas já estudam as diferenças genéticas entre os humanos arcaicos e modernos desde 2010, ano em que o genoma do Neandertal foi sequenciado pela primeira vez. No mesmo ano, o sequenciamento genético do ADN antigo de um fóssil também revelou a existência dos Denisovanos, que eram desconhecidos até àquela altura.
De acordo com a CNN, alguns dos vestígios genéticos deixados pelo cruzamento entre estas duas espécies de humanos antigos e os primeiros Homo sapiens têm grande relevância médica. Uma versão denisovana do gene EPAS1, por exemplo, confere uma vantagem para a sobrevivência em grandes altitudes e é comum entre os tibetanos atuais. Já um outro estudo revelou que o ADN neandertal pode estar ligado a um maior risco de ficar gravemente doente com covid-19. Em junho passado, uma investigação revelou também uma ligação entre o ADN neandertal e a doença de Duputytren, um espessamento anormal do tecido da mão.