TikTok não pode ser "babysitter" dos mais jovens. Rede social acarreta riscos emocionais
O TikTok ultrapassou em outubro três milhões de contas em Portugal. A psicóloga Ivone Patrão defende a necessidade de "supervisão e acompanhamento" das crianças e jovens para que não se tornem dependentes.
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A rede social TikTok, detida pela empresa chinesa ByteDance, anunciou, em comunicado, que chegou a 3,3 milhões de utilizadores em Portugal que acedem à aplicação "todos os meses". Este valor é referente ao tráfego durante os meses de abril e setembro de 2023. Segundo a rede social, "são cada vez mais os portugueses que utilizam o TikTok para envolver as pessoas e sensibilizar para questões sociais essenciais".
A psicóloga e investigadora do Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA), Ivone Patrão, em declarações ao JN, alerta que quando se fala dos impactos é preciso ter em conta que a dependência das redes sociais não é apenas "uma questão do número de horas" engloba também a necessidade "de mais horas para estar online e de isso tem impacto no sono, rotina, higiene, alimentação e socialização". O estudo de Ivone Patrão concluiu que as raparigas são mais dependentes das redes socias e os rapazes do jogo.
Na perspetiva da especialista, os adolescentes "utilizam muito o tempo de intervalo da escola para estar nas redes sociais e isso é somar mais tempo" de exposição aos ecrãs e explica que o "algoritmo vai dar mais " conteúdos que os jovens gostam e o cérebro "está sempre a produzir dopamina", uma hormona "associada ao bem-estar". O problema dá-se quando o adolescente não está em contacto com esses conteúdos e "a dopamina não é produzida", tornando "as outras atividades que faz aborrecidas".
Para tentar vencer esta "concorrência desleal", precisam de "uma atividade offline muito estimulante para produzir os mesmos níveis de dopamina e outras hormonas associadas a efeitos positivos". Isto porque, a falta de dopamina reflete-se em conflitos com os pais, resultado das alterações de humor.
Ivone Patrão destaca ainda a importância de "ter um grupo de pares e do sentimento de pertença", que os jovens podem encontrar nas redes sociais, mas não chega para o cérebro desenvolver competências de comunicação e sociais", é preciso existir "contacto presencial com os outros".
No âmbito do seu projeto "Geração Cordão", que permite a pais e a professores medir o nível de dependência online dos seus filhos e alunos, a investigadora estudou a relação entre o nível de dependência e o nível de empatia e concluiu que "todos os que eram dependentes quer seja das redes quer seja do jogo são os que têm menos competências de empatia". Perante estes dados, a docente do ISPA não tem dúvidas de que "é urgente fazer alguma coisa".
A proliferação do discurso de ódio e conteúdos violentos traz também consequências negativas, no estudo que Ivone Patrão fez em parceria com a Associação de Apoio à Vítima, 51% dos inquiridos referiu já ter ficado incomodado com alguma coisa que lhe disseram online e 39% disse "que não falou com ninguém sobre o assunto". Algo "muito negativo" porque é importante que os menores saibam o que devem fazer nessas situações.
A 6 de outubro, a Europol anunciou que uma operação na qual participou a polícia portuguesa, encontrou mais de duas mil publicações relacionadas com terrorismo e extremismo violento incluindo o jiadismo, o extremismo violento de direita e o terrorismo, que foram referenciado ao TikTok para revisão voluntária.
Em novembro de 2022, entrou em vigor a Lei de Serviços Digitais ("Digital Services Act") da União Europeia que obrigava as empresas com mais de 45 milhões de seguidores a reportar a cada seis meses sobre o conteúdo "ilegal e perigoso" que baniram. O primeiro desses relatórios elaborados pela ByteDance dá conta de 4 milhões de vídeos removidos, de acordo com a AFP.
"Desafios" perigosos e fatais
Nos últimos anos, vários "desafios virais" perigosos proliferaram no Tik Tok entre os jovens, como o Benadryl em que os jovens ingeriam medicamentos em excesso. Este desafio provocou, em abril deste ano, a morte de um rapaz de 13 anos, nos EUA.
Para Ivone Patrão, "todas as situações que lançam desafios que colocam em risco a saúde fisíca" são motivo para preocupação e é importante ter em conta que "as crianças e jovens, como estão em fase de crescimento ou desenvolvimento estão mais vulneráveis psicologicamente". A sensação de pertença, a vontade de "testar os limites" e a competitividade tornam os menores mais influenciáveis.
Por todos estes impactos e aspetos menos positivos das redes sociais, a psicóloga defende que "a introdução das redes sociais seja acompanhada" e, por isso, diz ter "péssimas notícias para os pais" porque o processo de supervisão "dá trabalho".
"A tecnologia não é o colo ou a babysitter"
A tecnologia "não é o colo, a babysitter, é um recurso", relembra Ivone Patrão. Neste contexto, a investigadora do ISPA destaca a importância dos pais e das escolas estimularem o "juízo crítico", falando com os jovens sobre os conteúdos que vão partilhando incluindo os posts em que se expõem demais. Contudo, Ivone Patrão ressalva que a abordagem deve ser de "diálogo e negociação" em vez da "crítica".
A psicóloga considera que "as tecnologias têm a sua vertente lúdica" e, por isso, é fulcral "treinar os jovens a autorregularem o seu comportamento, as suas emoções e a aprenderem que há outras coisas para fazer".
No livro que escreveu com o psicólogo Daniel Sampaio, há dois anos, defende-se a importância da comunidade escolar fazer "um equilíbrio entre a vida online e offline", e esse equilíbrio não pode ser estimulado se o telemóvel for proibido.
"Estamos muito habituados a oferecer presentes tecnológicos, mas não vêm com uma conversa ou uma negociação. É importante afinar regras com eles e não para eles", vinca Ivone Patrão.
A investigadora esclarece que não tem "nada contra a tecnologia" porque "tem benefícios ótimos", mas alerta para os cuidados a ter com a adaptação ao "nível de desenvolvimento" dos menores, visto que a Organização Mundial de Saúde diz que "até aos 2 anos 0 horas de ecrãs, dos 2 aos 5 anos 1 hora por dia e dos 5 aos 10 três horas diárias, incluindo atividades letivas".
Em setembro, a rede social chinesa TikTok foi multada pela UE em 345 milhões de euros por violações de dados de crianças e o regulador europeu referiu que apesar de não haver "nenhuma violação das medidas de verificação de idade, a plataforma "não avaliou adequadamente os riscos para os jovens que se registam no serviço".
Apesar de não ser jurista, Ivone Patrão pensa que "deve haver uma maneira de perceber se aquela pessoa tem mais ou menos de 13 anos, é só parar para pensar que tipo de credenciais se pode usar". Isto porque, a especialista afirma que é frequente encontrar utentes com "9, 10, 11 anos" que já têm redes sociais, porque mentiram na idade. Os pais sabem disso e alguns assumem mesmo, sem problemas, que os filhos mentiram.