Os investigadores estão a examinar a gama de efeitos ambientais que afetam a saúde das pessoas ao longo de toda a sua vida.
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Há três décadas, Martine Vrijheid, professora que investigava a prevalência de malformações congénitas perto de locais de resíduos perigosos em toda a Europa, no âmbito do seu trabalho de doutoramento, descobriu que existia, de facto, um risco acrescido na proximidade de lixeiras.
O seu estudo, realizado na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, no Reino Unido, levantou mais questões.
Enfoque nas crianças
"Uma das grandes questões que me colocaram quando publicámos estes resultados foi: “O que faria se estivesse grávida?”", afirmou Vrijheid, uma neerlandesa que é agora professora de saúde ambiental e infantil no Instituto de Saúde Global de Barcelona, em Espanha. "Não conseguia responder a essa pergunta e pensei que precisávamos de dados muito mais precisos para oferecer melhores recomendações às mulheres durante a gravidez".
Desde então, Vrijheid tem-se concentrado na forma como o ambiente em que as crianças crescem pode prejudicar a sua saúde.
A combinação das influências ambientais e da forma como o corpo reage às mesmas é designada por exposoma. Esta combinação tem em conta o que as pessoas comem e fazem, o local onde vivem e trabalham e a forma como interagem com o meio físico que as rodeia.
Inclui tudo, desde a exposição a produtos químicos tóxicos até às alterações climáticas. O ambiente é responsável por cerca de 70 % do peso das doenças crónicas nas pessoas, sendo a poluição atmosférica causada por combustíveis fósseis queimados em fábricas, centrais elétricas, automóveis e edifícios uma das principais causas.
Por exemplo, um terço dos casos de asma infantil na Europa pode ser atribuído ao ar poluído, de acordo com o Instituto de Saúde Global de Barcelona, também conhecido como ISGlobal.
"Sabemos que, para uma grande parte das nossas doenças não transmissíveis ou crónicas, existem causas evitáveis no ambiente", afirmou Vrijheid.
Vrijheid coordena um projeto de investigação que recebeu financiamento da UE para quantificar a forma como o exposoma afeta a saúde das pessoas na Europa durante os seus primeiros 20 anos de vida. Denominado ATHLETE, o projeto de cinco anos decorre até ao final de 2024.
Sinais precoces
O projeto ATHLETE centra-se nos jovens, a fim de reduzir as suas probabilidades gerais de adoecer.
"É muito mais eficaz iniciar a prevenção nas crianças ou na gravidez do que abordar os fatores de risco quando as pessoas são mais velhas e já estão a caminho de ficar doentes", afirmou Vrijheid. "Tudo o que acontece nesses primeiros anos pode ter consequências mais tarde na vida".
Tomemos como exemplo o crescimento dos órgãos do feto. A exposição a determinadas substâncias químicas durante a gravidez pode impedir o desenvolvimento dos órgãos.
Os investigadores utilizam amostras de sangue, urina e fezes para detetar marcadores biológicos, tais como metabolitos, que são moléculas necessárias para o funcionamento normal das células. O objetivo é ligar os pontos entre as influências ambientais e a saúde da criança.
De acordo com Vrijheid, o projeto já descobriu que a exposição a poluentes no início da vida pode criar alterações nos marcadores biológicos de crianças que, de outra forma, seriam saudáveis.
Por exemplo, a exposição infantil ao cobre foi associada a um marcador de inflamação. Foram também encontrados mecanismos plausíveis de doença para outros poluentes, incluindo o fumo do tabaco e os parabenos, que são produtos químicos utilizados como conservantes nos cosméticos.
"Mesmo que as crianças ainda não apresentem quaisquer sintomas, se for possível verificar que existem alterações na sua genética quotidiana – ou nos seus perfis proteicos – isso pode dizer-nos algo sobre o seu risco futuro de doença", afirmou Vrijheid.
O objetivo geral do ATHLETE é acumular dados e disponibilizar informações aos investigadores.
Através de vários estudos, o projeto conduzirá a orientações sobre ações prioritárias para monitorizar e limitar a exposição a poluentes. Parte deste trabalho inclui o desenvolvimento de um "conjunto de ferramentas" de orientação para os decisores e as comunidades.
Dependendo dos resultados do estudo, Vrijheid afirmou que poderão também surgir recomendações para futuras políticas.
Conjuntos de riscos
O ATHLETE é um dos nove projetos de investigação que procuram obter avanços neste domínio, no âmbito do European Human Exposome Network, ou EHEN, o maior projeto deste tipo a nível mundial, com 24 países.
A abordagem do exposoma não se limita a tratar os poluentes ambientais um a um, procura abordá-los como um todo, com base numa imagem mais clara das interligações.
No âmbito do projeto ATHLETE, um estudo realizado em França está a avaliar se as alterações nos produtos de higiene pessoal das mulheres podem afetar a exposição a substâncias químicas, como os ftalatos, que interferem com o sistema hormonal – os chamados desreguladores endócrinos.
No total, 90 mulheres voluntárias, com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos, estão a substituir os cosméticos habitualmente utilizados por alternativas durante cinco dias. Com a ajuda de amostras de urina colhidas antes e depois do ensaio, o estudo tem por objetivo demonstrar que a redução ou alteração da utilização de artigos de higiene pessoal pode reduzir a presença de substâncias químicas no organismo.
Num outro exemplo, o ATHLETE está a examinar o número de substâncias químicas presentes em pesticidas, embalagens de alimentos e outros produtos que fazem parte do quotidiano na Europa.
"Esperamos que o quadro do exposoma ajude a fornecer provas sobre conjuntos de fatores de risco que podem ser abordados ao mesmo tempo – por exemplo, abordando misturas de substâncias químicas em vez de uma regulamentação individual", afirmou Vrijheid.
Pistas urbanas
Outro dos projetos EHEN é o EXPANSE, financiado pela UE, que se centra nos ambientes urbanos, uma vez que a maioria das pessoas da Europa vive nos mesmos.
De acordo com o projeto, até ao final da década, mais de 80 % da população europeia viverá num ambiente urbano e interagirá com ele.
"As cidades ou os ambientes urbanos são extremamente importantes para a saúde humana", afirmou Roel Vermeulen, que lidera o projeto EXPANSE e é professor de epidemiologia ambiental na Universidade de Utrecht, nos Países Baixos.
Tal como o ATHLETE, o projeto de Vermeulen teve início em janeiro de 2020 e deverá decorrer até ao final de 2024.
A sua equipa tem vindo a mapear todo o ambiente urbano na Europa para obter uma melhor perceção da vasta gama de fatores – desde a poluição atmosférica aos alimentos – a que as pessoas estão expostas.
Os investigadores utilizam dados de saúde de toda a UE, informações de recenseamento que abrangem cerca de 55 milhões de pessoas e grupos específicos de adultos e crianças que totalizam cerca de 2 milhões.
Além disso, a equipa está a fornecer às pessoas sensores para medir a exposição a poluentes ambientais e monitorizar a atividade física.
No total, foram selecionadas 4 000 pessoas para este exercício de "laboratórios urbanos" na Grécia, Itália, Países Baixos, Polónia e Suíça.
"O projeto EXPANSE poderá aconselhar sobre como tornar os bairros mais saudáveis", afirmou Vermeulen.
Barómetros corporais
O enfoque do projeto estende-se ao exposoma interno: medição dos níveis de substâncias químicas, incluindo retardadores de chama, pesticidas e poluentes persistentes no corpo.
Isto permite à equipa examinar pessoas que desenvolveram uma doença como a diabetes numa fase posterior da vida e procurar diferenças químicas em relação a pessoas saudáveis.
"Dispomos das suas amostras de sangue 10 anos antes de desenvolverem a doença e analisamos o que é diferente no sangue entre estas duas populações", afirmou Vermeulen.
Parte do que o motiva é a sua vida entre as ruas calcetadas e os canais de Utrecht, em especial as diferenças na saúde das pessoas consoante o seu bairro específico.
Vermeulen afirmou que os habitantes do bairro mais saudável desfrutam de mais 12 anos de boa saúde do que os residentes noutros locais da cidade.
A compreensão do exposoma facilitará a eliminação deste tipo de discrepâncias.
"O código postal é mais importante do que o código genético", afirmou. "Necessitamos de um esforço global para compreender as exposições ambientais e para, efetivamente, criar intervenções significativas para travar as doenças não transmissíveis".
A investigação neste artigo foi financiada pela UE.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.